'The Chair' usa o ambiente acadêmico para expor os dilemas da meia-idade
Estrelada por Sandra Oh, série da Netflix já é uma das melhores do ano
Não faltam sitcoms sobre adolescentes em crise, tentando entender como seus corpos funcionam e como navegar por um mundo cruel. De uns anos para cá, também surgiram algumas sobre as agruras da terceira idade, como “Grace & Frankie” ou “O Método Kominsky”.
Agora a bola da vez parece ser a meia idade –que hoje em dia pode ser definida, de maneira arbitrária e facilmente contestável, como o período que vai dos 40 aos 70 anos. “Ted Lasso” (Apple TV+), por exemplo, mostra como um técnico de futebol americano nessa faixa etária se reinventa ao se mudar para Londres.
“The Chair”, recém-estreada na Netflix, vai mais longe: sua protagonista quarentona não cai nesse clichê tão em voga, a reinvenção. Ela se vê no meio do fogo cruzado entre a geração mais velha e a mais jovem, tenta agradar todo mundo e consegue exatamente o contrário.
Ji-Yoon Kim é professora de literatura na fictícia universidade de Pembroke, que faz parte da Ivy League –a elite das instituições acadêmicas americanas, que inclui Harvard e Yale. Sua vida pessoal é complicada: divorciada, adotou uma criança de origem mexicana, e agora suspeita que é odiada pela filha.
Profissionalmente, no entanto, parece ter chegado ao ápice da carreira: foi apontada como a primeira titular não-branca da cátedra de inglês e literatura de Pembroke (a “chair” do título original, que a Netflix manteve no Brasil –em Portugal, a série se chama “A Diretora”).
A personagem é vivida por Sandra Oh, que se destacou em “Grey’s Anatomy” e “Killing Eve”. A atriz canadense tem o dom de gerar empatia imediata em qualquer um de seus papéis, e “The Chair” faz bom uso de seus dotes dramáticos e cômicos.
O fato é que o departamento está em crise. A direção da universidade quer que Ji-Yoon demita os professores mais velhos, cujas aulas antiquadas não atraem mais os alunos. Já estes querem mais diversidade no campus, mais inclusão e mais sensibilidade quanto aos temas sociais –e, como sói acontecer, acabam exagerando e cometendo injustiças.
Ji-Yoon tenta fazer a coisa certa, mas é sobejamente incompreendida por todos os lados. Os termos que ela usa são desprezados por seus colegas mais antigos, que acham que tudo não passa de modismo passageiro, e ignorados pela garotada, que clama por justiça, ou o que entende por isto, a qualquer preço.
Para complicar, um dos professores mais populares de Pembroke consegue piorar a barafunda em que já vive. De luto há quase um ano pela morte da esposa, Bill Dobson, interpretado por Jay Duplass, faz a saudação nazista durante uma aula sobre absurdismo. Para quê, não é mesmo? Claro que um aluno o fotografa com seu celular, e a imagem fora de contexto bomba nas redes sociais. Não demora para que os estudantes exijam a demissão sumária do mestre, que se recusa a pedir desculpas por um crime que não cometeu.
Criada pela atriz Amanda Peet e pela dramaturga e acadêmica Annie Julie Wyman, “The Chair” faz um retrato bem-humorado do clima reinante nos campi dos Estados Unidos, sem tomar nenhum lado nem apontar o dedo para ninguém. A série também é a primeira produção pós-“Game of Thrones” dos showrunners do blockbuster da HBO, D. B. Weiss e David Benioff –este último, marido de Amanda Peet.
Sem gags óbvias e com muitos momentos dramáticos, “The Chair” também resiste à classificação, ao abordar temas sérios com ironia e leveza. A primeira temporada tem apenas seis episódios de meia hora, que podem ser saboreados em uma única tarde. Também tem roteiros afiadíssimos e atuações estelares, tanto de veteranos como Bob Balaban e Holland Taylor como de novatas como Nana Mensah ou a garota Everly Carganilla, assombrosa como Ju Ju, a filha de Ji-Yoon.
É um drama? É uma comédia? Não importa: já é uma das melhores séries de 2021.
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