Perseguição do governo Bolsonaro à TV Globo vai se tornando mais explícita
Práticas comerciais disseminadas por todo o mercado são investigadas apenas na emissora
Não é de hoje que o governo federal tenta impor algum controle à mídia. Enquanto o PT esteve no poder, volta e meia os parlamentares do partido apresentavam um projeto de lei que visava a “democratização” dos meios de comunicação, um eufemismo para uma forma de censura.
Lula também tentou enfraquecer a Globo incentivando o crescimento das maiores concorrentes da emissora, a Record e o SBT. Ironicamente, hoje ambas apoiam Bolsonaro entusiasticamente.
As táticas empregadas pelos governos petistas eram mais sutis, e deixavam margem para interpretação. Já o atual nunca escondeu, desde antes da eleição de 2018, que faria tudo para calar os veículos que enxerga como inimigos. E vem fazendo.
Uma das primeiras medidas adotadas foi o redirecionamento da publicidade federal para órgãos simpáticos a Bolsonaro. Sites de extrema-direita e baixa audiência receberam quinhões generosos, enquanto a Globo e a Folha, líderes em seus segmentos, ficaram à míngua.
O presidente também prometeu “rever” a concessão da Globo, que vence em 2022. Só que ele não tem o poder de tirar essa concessão com uma simples canetada. A questão teria que passar pelo Congresso, e uma parcela imensa do público não iria gostar de perder seu canal favorito num ano de eleição.
Ciente disso, Bolsonaro tenta atingir a emissora de outras formas. Anunciou uma devassa nos balanços e no histórico fiscal de todas as empresas do grupo Globo. Qualquer irregularidade pode servir de pretexto para uma medida mais drástica.
Enquanto isso, a Receita Federal começou a investigar os atores e jornalistas contratados como pessoas jurídicas, fora das regras da CLT. A prática é comum em todas as emissoras de TV e nas agências de publicidade, e a reforma trabalhista do governo Temer foi feita, entre muitas outras coisas, para tornar o empregador que a pratica mais seguro contra eventuais processos de “ex-PJs”.
Mais de 40 profissionais da Globo já foram notificados pela Receita, que os acusa de “associação criminosa”. Esta semana, talvez para não deixar tão evidente que a Globo é o alvo preferencial, dois âncoras da Record, Adriana Araújo e Reinaldo Gottino, também foram autuados.
Esse cuidado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica ainda não tomou. Até o momento, o Cade proibiu apenas a Globo de assinar contratos que incluam incentivos como a BV, ou bonificação por volume.
O que é a BV? É um repasse, que um veículo faz às agências de propaganda e aos birôs de mídia que trazem muitos anúncios para ele. Quanto mais anúncios, maior o repasse. Foi criado na década de 1960 justamente por executivos da Globo, para moralizar o mercado: até então, os veículos tentavam atrair as agências com subornos em dinheiro e os mais variados presentinhos.
A BV foi regulamentado pela legislação na década de 1970, e se espalhou por todo o universo de comunicação. Hoje é raro o veículo que não pratica alguma forma de BV –inclusive os gigantes da internet, como o Facebook e o Google.
Quem mais perde com a proibição da BV, aliás, são as agências, que ainda têm nele uma de suas principais formas de remuneração. Mas por que será que apenas a Globo está na mira do Cade?
Porque o governo Bolsonaro quer destruir a emissora, assim como pretende tirar do caminho qualquer empresa ou indivíduo que perceba como obstáculo ao seu projeto de poder. É por isto que a reação dos demais players do mercado deveria ser mais vigorosa, inclusive entre os concorrentes diretos da Globo. A mesma sanha persecutória pode se voltar contra eles a qualquer momento. Não existe país democrático sem uma mídia forte e independente, e vice-versa.
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