Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Tony Goes

Lulu Santos tem razão: a música brasileira está mesmo na fase anal

O músico Lulu Santos, que lançou o álbum "Baby Baby", com versões de Rita Lee
O músico Lulu Santos, que lançou o álbum "Baby Baby", com versões de Rita Lee - Leo Aversa/Divulgação
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

De vez em quando, deixo meu serviço de streaming musical tocar os lançamentos da semana, sem nenhum filtro de minha parte. Mais de vez em quando ainda, descubro desse jeito algumas músicas sensacionais que vem de fora da minha zona de conforto.

 Mas, na semana passada, levei uma surra de bunda. Meus alto-falantes evacuaram, em rápida sequência, "Psiquiatra do Bumbum" (Wesley Safadão & Leo Santana), "Joga Bunda" (Aretuza Lovi feat. Pabllo Vittar & Gloria Groove)  e "Elas Gostam (Popa da Bunda)" (Psirico feat. ATTOOXXÁ), essa última já fazendo sucesso nas ruas de Salvador.

 Não sou uma pessoa moralista. Adoro letras safadas, cheias de duplo sentido --ou mesmo com um sentido só, como as de Tati Quebra-Barraco. Também sempre gostei de funk e de reggaeton, o ritmo latino-americano que está se infiltrando no sertanejo. No entanto, começa a achar que Lulu Santos estava certíssimo quando, em 19 de dezembro de 2017, tuitou que a MPB havia regredido à fase anal.


LEIA MAIS: Funkeiros lançam disco em homenagem a Lulu Santos; Anitta e Ludmilla ficam de fora


Fase anal, segundo a psiquiatria, é a segunda etapa do desenvolvimento psicossexuall do ser humano. Ocorre entre um e três anos de idade, depois da fase oral: é o período em que a criança toma consciência de seus excrementos e aprende a controlá-los. É também com essa idade que começamos a andar, falar e a entender um pouco do mundo que nos cerca.

Lulu deu o azar de emitir sua opinião no mesmo dia em que Anitta lançou "Vai Malandra", mais um hino à "derriére" feminina. A internet veio abaixo, acusando-o de preconceituoso, elitista e por aí vai. Ele precisou explicar que não tem nada contra a cantora nem contra a música que vem das periferias das grandes cidades (na verdade, Lulu foi um pioneiro na divulgação dos sons das favelas cariocas para uma plateia mais ampla).

Mas me parece que Lulu Santos tem razão. Boa parte do nosso "hit parade" está mesmo obcecada pelo bumbum. E uma parte maior ainda está produzindo letras óbvias, literais, apelativas e com erros de português.

É melhor ouvir uma estrela do "feminejo" declamando um episódio de traição de maneira direta, ainda que escrito com mão pesada, que aguentar a milionésima rima de amor com flor.

Só que a pobreza temática das nossas canções populares confirmam que, sim, a cultura brasileira voltou a um estágio primitivo. Não sabe mais andar nem falar: está de quatro no chão.

Entendo que tempos de crise como o nosso gerem músicas escapistas, que só falam de sexo e diversão. Os poucos artistas que fazem crítica política e social são relegados a nichos e/ou tachados de velhos pela turma que só quer beijar na boca.

Vou ser chamado de velho também, mas não me importo. Só não aguento mais músicas popozudas. Bunda é ótimo, mas tem uma hora em que cansa.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem