Com histórico de omissões, os Grammys lutam por relevância
Na noite deste domingo (28), acontece em Nova York, nos EUA, mais uma cerimônia de entrega dos Grammys, a mais importante premiação da indústria musical americana. Um detalhe vem chamando a atenção: dos cinco indicados ("Awaken, My Love!", de Childish Gambino, "4:44", de Jay-Z, "DAMN.", Kendrick Lamar, "Melodrama", de Lorde, "24K Magic", de Bruno Mars) ao principal troféu, Álbum do Ano, quatro são de artistas negros.
Seria uma reação à avalanche de críticas do ano passado, depois que "25", da branca Adele, desbancou o favorito "Lemonade", da negra Beyoncé? A própria vencedora se declarou indigna do prêmio, que dedicou à concorrente.
Algo parecido aconteceu com os Oscars. Dois anos atrás, não havia um único ator não-branco entre os 20 indicados nas quatro categorias de atuação. A chiadeira foi tamanha que a Academia de Hollywood, no ano seguinte, não só deu um jeito de incluir negros e outras minorias em muitas categorias, como deu o Oscar de melhor filme a "Moonlight - Sob a Luz do Luar", um drama independente sobre um jovem negro e gay.
Acontece que a folha corrida do Oscar é bem menos polêmica que a dos Grammys. Podemos discordar muitas vezes, e as injustiças são frequentes e gritantes na premiação do cinema. Mas a da música comete tamanhas barbaridades que às vezes parece ser de outro planeta.
Nomes fundamentais para a história do rock e do pop jamais ganharam um Grammy competitivo. É o caso da banda Queen, que teve apenas quatro indicações ao longo de quase 20 anos de carreira —e que finalmente receberá o Lifetime Achievement Award, pelo conjunto da obra, na cerimônia deste domingo.
Björk, Snoop Dogg ou mesmo Katy Perry, apesar de terem sido indicados várias vezes e influenciado outros artistas e/ou vendido muitos discos, tampouco têm Grammys nas prateleiras.
O The Who, tão influente e seminal, só tem prêmios honorários. David Bowie tinha um único prêmio, pelo vídeo de "Blue Jean" em 1994, até receber quatro Grammys póstumos por seu derradeiro álbum, "Blackstar".
A própria Madonna só venceu seu primeiro Grammy em 1998, depois que sua fase áurea de sucesso dos anos 1980 já tinha passado. E o que dizer dos Beatles, que até faturaram uns Grammys na década de 1960, mas nem de longe em quantidade proporcional à importância do grupo para a cultura?
Enquanto isto, artistas irrelevantes sempre foram agraciados, por pressão das gravadoras e pelo próprio gosto conservador dos votantes, a maioria executivos do ramo fonográfico. O caso mais escandaloso foi o da dupla Milli Vanilli, eleita como a Revelação do Ano de 1990. Na verdade, eram dois modelos que não cantavam nada, só apareciam nos clipes e posavam para as fotos. Os discos eram gravados por vocalistas profissionais, sem glamour.
Os Grammys viveram seu auge nos anos 1980, quando pareciam finalmente ter entrado em compasso com o espírito do tempo. Naquela época, foram premiados não só medalhões como Michael Jackson e Lionel Ritchie, mas também a vanguarda inglesa da época, como Culture Club ou Sade.
O melhor: os prêmios revertiam em vendas. Aliás, um prêmio só pode ser considerado importante se afetar a vida do premiado —em geral, se conseguir torná-lo mais rico e famoso.
Este é o desafio do Grammy em 2018. Com a cultura pop fragmentada em nichos e com uma oferta avassaladora de conteúdo pelos mais diferentes canais, um prêmio muda alguma coisa? Ainda significa alguma coisa?
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