Cantor português vence Eurovision com qualidade musical e torcida de famosos
Acompanho o festival Eurovision há nove edições. A cada ano, muda o país-sede e mudam os artistas, mas uma coisa permanece a mesma: o nível rasteiro das canções concorrentes.
Concebido na década de 1950 como mais uma forma de promover a integração entre os países europeus, o evento logo se consolidou como um celeiro de músicas bobas.
A razão para isto é simples: o voto popular. Ganha o candidato que conseguir ser entendido por mais gente, embalado por um refrão pegajoso. Assim, o inglês é a língua dominante nas letras, independentemente do idioma falado no país de origem. Abundam as onomatopeias e as rimas pobres.
Por outro lado, as apresentações são espetaculares. O palco gigantesco costuma ser ocupado por bailarinos, fogos de artifício, o escambau. Nos últimos tempos, telões de LED criam universos inteiros em cena.
Tudo isto foi jogado para escanteio por Salvador Sobral, o português de 27 anos que venceu o Eurovision 2017 neste sábado (13), em Kiev, na Ucrânia. A canção "Amar Pelos Dois", composta por sua irmã Luisa, é sutil e delicada, com um óbvio parentesco com a bossa nova. E a letra é em português.
Salvador se apresentou sobre um pequeno círculo, longe do palco e perto da plateia. O maior efeito especial foi ele mesmo, que fez caretas e se contorceu como se estivesse sentindo dores atrozes.
Será que não estava mesmo? São cada vez mais intensos os rumores de que ele tem sérios problemas cardíacos e estaria na fila de um transplante de coração. Por enquanto, a explicação oficial é que Salvador estaria se recuperando de uma cirurgia que lhe removeu duas hérnias. Mas o fato é que sua irmã o substituiu em alguns ensaios técnicos, para poupá-lo.
"Amar pelos Dois" é de uma qualidade tão superior ao resto da concorrência que se destacou com facilidade. Desde sexta-feira (12), era apontada como favorita pelas casas de apostas britânicas.
E conquistou defensores de peso nas redes sociais. A escritora J. K. Rowling, criadora da série Harry Potter, soltou um tuíte onde torcia em português (ela foi casada com um luso e fala um pouco da nossa língua). Caetano Veloso chegou a postar um vídeo dizendo "eu quero que Salvador Sobral ganhe."
Ganhou mesmo, com o maior escore (785 pontos) de toda a história do festival. Venceu no voto popular e em muitos dos 42 júris especializados, um de cada país concorrente. E ainda levou o prêmio Marcel Bezençon, dado pela organização do festival antes da grande final: melhor intérprete, escolhido pelos comentaristas presentes. Luisa Sobral ganhou outro, pela melhor composição, votado pelos compositores das canções candidatas.
Eurovision voltou a ter uma certa relevância com o advento da internet e da TV paga. Em 2014, o festival foi manchete no mundo inteiro com a vitória da cantora barbada Conchita Wurst, representante da Áustria. Em 2016, venceu uma canção de tons políticos: 1944, da ucraniana Jamala, sobre o massacre dos tártaros por Stálin na Segunda Guerra Mundial –e uma crítica velada à invasão da Crimeia pelos russos.
Mas ninguém esperava pelo que aconteceu este ano. Uma música despretensiosa, com arranjo de cordas, sem pirotecnia mas cantada com emoção, levou o prêmio máximo para Portugal, um país que nunca havia vencido antes. Tomara que a moda pegue.
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