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Krishna Mahon
Descrição de chapéu Sexo casamento

Trisal, poliamor ou escapadas: A felicidade também existe fora da monogamia

No baile monogâmico, você dança conforme a música ou inventa passos?

Obra de Thany Sanches - Instagram/thanysanches
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Venho de uma linhagem de monogâmicos não praticantes. Tipo o cristão que diz que é cristão, mas não vai à igreja e, no dia a dia, iria deixar Jesus com os cabelos em pé.

No começo do século passado (1900 e pouco), numa viagem de navio, minha tataravó espanhola, com minha bisa criança e a sogra (repito: com a sogra), conheceu um italiano, se apaixonou, ficou noiva e não voltou mais para a Espanha. Mary del Priori diz que a gente tem a foto do avô europeu no porta-retrato e da avó escrava na gaveta. Infelizmente, essa é a realidade de muitas famílias, e da minha também. Mas que fique claro que meu DNA é que nem a ONU, tem de tudo, tipo o símbolo que une mais brasileiros que a bandeira atualmente: o vira-lata caramelo.

Nessa floresta genealógica tem mais gente que não presta do que santo. Sim, não é uma árvore porque são inúmeros casamentos e filhos de cada um deles, o que para mim é tudo família —exceto um galho que não se engajou na delícia dos laços do afeto, para o azar deles.

Só que nenhum nunca questionou a monogamia; e, se alguém questionasse eles, provavelmente responderiam como o Chicó do "Auto da Compadecida": "não sei, só sei que foi assim". Ela veio compulsória, veio porque veio (imposta), como todas as convencionalidades, por pura pressão social, sem que ninguém imaginasse que era possível outro formato de relacionamento. Eu mesma só entendi que as pessoas podem ser felizes em outros modelos há pouquíssimo tempo.

Só que em todas as gerações que tenho notícias tinha alguém mais fiel ao próprio desejo e à liberdade que ao "conje", escapando vez ou outra às escondidas, numa tentativa de cuidar dos sentimentos do parceiro. Quando te perguntam "tô bonita?" você vai mandar um "credo" ou mentir para preservar o coraçãozinho alheio? Aprendemos a mentir desde cedo e, em alguns casos, há uma ética envolvida, repare.

Quando reclamei que transava pouco com meu marido inglês, com quem fui muito feliz por 7 anos, minha avó perguntou "pouco quanto?" Disse que tinham sido 10 vezes em 1 ano, e não deu tempo nem do espanto, porque ela já esbravejou (como um "ato reflexo") que "perereca tem prazo de validade e você está casada com seu melhor amigo. Separa logo!" Enquanto vovô, na mansidão mineira, sugeriu: "costura pra fora… Vocês nem brigam… Separar pra quê se são felizes?"

Só nos últimos anos comecei a ler um monte de depoimentos sobre a não-monogamia, relacionamentos abertos, trisal, poliamor. Daí, apresentando o SexPrivé Club, todo sábado na Band, meus horizontes expandiram bem, porque pude ver de pertinho, olhando nos olhos, um monte de gente feliz em formatos que antes não me pareciam tão longevos.

Não sei se pelo machismo do patriarcado, que torna só as mulheres posse, deixando os homens mais livres, mas nunca fui ciumenta ou possessiva. Mesmo assim, até pouco tempo não imaginava que me adaptaria facilmente à não-monogamia, apesar da floresta genealógica safada (ou livre, como quiser chamar) que contei. O que me intrigava era como passar a arrebentação do começo.

Explico: quando a gente se apaixona, fica cracuda do krush, né? Querendo mais uma dose a todo custo. Mais que monogâmico, fica monotemático, o ser amado não sai da cabeça. Nos meus poucos (porém longos) relacionamentos, só depois de um bom tempo (3 anos? Não me recordo com exatidão do tempo certo, e pode ser que tenha variado em cada relacionamento) que vem um sossego, que me permite olhar pro lado, que meu desejo pode passear por outras bandas, mesmo que 99% do tempo só no imaginário, sem ir para as vias de fato.

Amo profundamente meu marido, aliás amo muito mais hoje que no começo. Chegamos num ponto gostoso de maturidade na relação, que não tinha experimentado nem com ele nem com outro, uma segurança sobre o amor em si, uma gratidão pelo amor já vivido, com uma sensação de que vamos nos amar para sempre, seja em que formato for: junto, numa relação aberta, separado, ou mesmo casados com outras pessoas. Digo isso sabendo que a Krishna de alguns anos atrás acharia isso estranhíssimo, mas a minha versão atual, que passou pela última revisão, desconfia que o amor do bom (não o malhado) se transforma mas não morre.

E, curiosamente, quando achei que eu tava prontinha para a não-monogamia, descobri na semana passada, enquanto falava com um amigão –não-mono convicto, do tipo que já começa as relações estabelecendo regras bem diferentes, que questiona posse/ciúme–, que ele tinha se apaixonado e tava contemplando a possibilidade da monogamia. Meu cérebro bugou. Até tu, Brutus?

Talvez o ideal seja ajustar a rota, como quem ajusta uma dança, às vezes acelerando por conta do coração e do fogo no rabo, se permitindo ficar viciado no krush e não querendo saber de mais ninguém, outras vezes descansando as pernas um tiquinho, admirando o baile e até quem sabe o krush dançando com outra? Eita, aí já foi demais, meu coraçãozinho num guenta, rs.

A Phoda Madrinha deseja que a gente encontre parceiros de dança que encaixem gostoso, que se permita descansar quando cansar, que dance sozinho, mas que não deixe de ir para o baile da vida, que nem minha tataravó.

Krishna Mahon

Jornalista e cineasta indicada ao Emmy, é apresentadora do SexPrivé Club da Band. Foi produtora da Discovery e diretora de conteúdo do History.

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