'Um Lugar ao Sol' promove rara abordagem sobre adultos com deficiência
Personagem com Down convoca sociedade a pensar na autonomia dessas pessoas
Em 2006, o autor Manoel Carlos levou ao horário nobre uma personagem com Down, em "Páginas da Vida", vivida por Joana Mocarzel, hoje com 22 anos. Outras novelas também se propuseram a inserir crianças com deficiência em cena, a fim de levantar a discussão e a reflexão sobre inclusão e preconceito.
A proposta que agora traz Samanta Quadrado à novela "Um Lugar ao Sol", de Lícia Manzo, parte de outro ponto de vista. A ideia da personagem que entrou na trama no capítulo de terça-feira (28) é promover o debate em torno da autonomia a ser dada a pessoas com deficiência quando adultas, assunto de que nunca se fala.
Mãe de Clara, 23, uma jovem com deficiência --ou "especial", como ela mesmo menciona--, a autora está plenamente em seu lugar de fala e experimenta na vida real esse momento em que é preciso dar asas a a quem se encontra nessas condições.
Na cena que apresentou Samanta ao telespectador, soubemos que ela quer morar sozinha, longe dos pais, contando com o apoio do pai, Paco (Otávio Muller), mas não da mãe, que ainda não apareceu na história.
Com a surpresa que ilustra a solene ignorância de todos nós sobre o tema, Nicole (Ana Lúcia Baird) questiona o namorado se isso seria seguro, e ele lhe dá uma aula sobre o assunto, com possibilidades muito plausíveis.
"Antigamente, quem tinha Down não podia morar sozinho", diz Mel, personagem de Samanta. "Antigamente não podia nada: não podia namorar, não podia casar...", responde o pai.
"Isso é preconceito. Eu sei arrumar a casa melhor que meu pai e ele não tem síndrome nenhuma", continua Mel.
"Você é que não sabe, eu tenho, sim, é coisa que não foi descoberta pela ciência", ele ri, trazendo humor ao diálogo.
Paco explicará a Nicole que a mãe da menina "engrossa o coro da incapacidade" sobre a vontade da filha morar sozinha. "Mas eu não", conclui.
E conta que ele e um grupo de pais resolveram inaugurar o primeiro empreendimento para "pessoas especiais", como diz em cena, onde a zeladoria funcionará como um apoio a esses moradores.
A ideia existe de fato na prática, no Brasil, e inspirou a autora a escrever sobre o assunto na novela. Trata-se do Juntos Podemos Morar Sozinhos. Há ainda um documentário sobre o assunto, "Life Animated", em que um grupo de jovens vive em um empreendimento imobiliário desse tipo.
O tema está só começando. E promete encontrar argumentos para contribuir com a inclusão social, tornando-se mais um tema pertinente no enredo de "Um Lugar ao Sol".
Nota de rodapé: Após a conclusão deste texto, algumas pessoas alertaram a coluna que embora o termo "especial" tenha sido usado por tanto tempo para designar pessoas com deficiência, a palavra denota preconceito e inadequação. A coluna então consultou Lícia Manzo sobre o uso da terminologia, porque a autora, mãe de uma jovem nessas condições, havia usado a palavra "especial" quando se referiu ao episódio em entrevista a esta colunista.
Ela então explica que sua filha, Clara, tem 23 anos. "E com certeza não se ofenderia de ser chamada de pessoa especial, ou pessoa com deficiência. Vale para ela o acolhimento, afeto, respeito com que é recebida."
Além disso, Otávio Muller usa o termo "pessoas especiais" no diálogo com Ana Baird, ao se referir à ideia de um empreendimento imobiliário para contemplar o sonho da filha e de outros adultos com deficiência.
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