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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu mostra de cinema

Nando Cunha celebra espaço universal aberto aos negros pelo filme 'O Novelo'

'Única diferença entre um ator branco e um ator negro é a oportunidade', diz ator

Mauro (Nando Cunha), Cicinho (Rocco Pitanga), Zeca (Sérgio Menezes), João (Rogério Brito) e Cacau (Sidney Santiago Kuanza)
Mauro (Nando Cunha), Cicinho (Rocco Pitanga), Zeca (Sérgio Menezes), João (Rogério Brito) e Cacau (Sidney Santiago Kuanza) - Reprodução
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Campinas

Embora fale sobre a realidade de diferentes famílias brasileiras, como afirma a diretora Cláudia Pinheiro, "O Novelo", lançado na quinta-feira (25), é um filme sobre a masculinidade negra. "Essa história é sobre a gente", diz o ator Nando Cunha, 55 anos, intérprete de Mauro, o mais velho de cinco irmãos abandonados pelo pai e órfãos de mãe.

O filme é uma adaptação da peça homônima de Nana de Castro e foi eleito o melhor filme do Festival de Gramado deste ano pelo júri popular. Na mesma premiação, Cunha levou o troféu de melhor ator por sua atuação no longa.

Segundo a diretora, a peça foi encomendada a Nana por um grupo de atores brancos que queriam falar sobre as diferentes formas de se viver a masculinidade. As duas então adaptaram o roteiro para o cinema e se preparavam para dar início ao projeto, quando a trama começou a mudar, em 2017.

Neste ano, Cunha recebeu o prêmio de "Melhor Ator de Curta" em Gramado, e foi convidado pela dupla, que assistiu ao seu discurso, para protagonizar o filme --que tem cinco protagonistas. O ator conta que foi esse prêmio, mas sobretudo sua reivindicação, que lhe abriu portas.

"Eu precisei gritar quando eu ganhei o Kikito: Parem de nos olhar como atores negros e passem a nos enxergar como atores comuns que somos. A única diferença entre um ator branco e um ator negro é a oportunidade. Se você me der a mesma oportunidade, eu vou voar", disse o ator à coluna.

Foi então que a equipe de casting passou a procurar -- e encontrou-- outros 14 intérpretes negros para dar vida a Cicinho (Rocco Pitanga), Zeca (Sérgio Menezes), João (Rogério Brito) e Cacau (Sidney Santiago Kuanza).

Ao todo, foram cerca de 18 atores negros apenas para o núcleo familiar, contando as fases de infância, adolescência e vida adulta dos personagens, além do pai (André Ramiro), e da mãe (Isabel Zuaa).

"O filme quebra um paradigma de dizer que é difícil achar bons atores negros no mercado. Do pequenininho até o mais velho, que sou eu, estava todo mundo brilhando", diz Cunha.

Com tantas existências em contato, o roteiro, que não foi readaptado para o elenco negros, "tomou vida própria", segundo Cláudia. "Da força à fragilidade, da doçura à rispidez, da coragem ao medo, sempre que me expresso, física e emocionalmente, todas elas [minhas ancestrais] reverberam", falou a atriz portuguesa Isabel Zuaa, 34, mãe dos meninos na trama, sobre refletir suas vivências em sua forma de atuação.

Outro exemplo é Rocco Pitanga, o Cicinho, que no enredo vive um pai afastado do convívio com as filhas, e na vida real é o único a cuidar das meninas, que perderam a mãe ainda na infância. Já Sidney Santiago, atuante em questões relevantes à negritude, segundo o colega, atentou-se para que a narrativa não reforçasse preconceitos.

"Cada um tinha um exemplo de vivência com aquilo ali. A história do Mauro [meu personagem] é a história do meu pai, que foi pai e mãe da família dele", afirma Cunha.

O ator conheceu melhor os colegas de elenco no início das filmagens, quando Cláudia e Isabel ministraram oficinas de tricô, ofício da matriarca no filme. Embora tenha treinado, Nando reconhece não ser o melhor aluno: "Eu não aprendi como o Seu Jorge", brincou. Segundo o artista, foi dessa troca que surgiu a ligação na cena em que todos se abraçam no hospital, que não estava prevista no roteiro.

Nando Cunha nos bastidores de 'O Novelo'
Nando Cunha nos bastidores de 'O Novelo' - Divulgação

Cunha conta que esse foi seu primeiro convite após vencer o Festival de Gramado pela primeira vez, em 2017, e que "O Novelo" marca sua carreira de quase 30 anos como ator: "Foi o personagem da minha vida. É um presente que eu ganhei", diz.

Segundo ele, com Mauro foi possível mostrar que sua interpretação não se restringe ao humor, segmento em que costumava ser visto na TV. " [Pude] mostrar que não sou um ator de uma nota só, aquele ator caricato, e que posso fazer qualquer coisa. Mostrei que a gente não precisa pegar em arma para estar no cinema", celebrou.

Assim como Mauro, Cunha busca abrir caminhos e se tornar referência: "É muito importante que as pessoas saibam: é um filme de protagonismo negro. É um filme que significa o olhar para nós negros, é um filme que muda completamente os estereótipos que nos impõe sempre", diz o ator, que observa no cuidado de Mauro a força de sua própria mãe.

"Vai ser muito bom para as crianças e para os jovens negros que, quando assistirem, vão dizer 'pô, é é essa potência que eu quero carregar para mim, e não de como me vêem como bandido'", conclui.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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