Ser mãe é dar liberdade ao filho e ser livre também
Minhas filhas desmamaram há anos, mas eu corto o cordão umbilical aos poucos
Não sei se sou eu ou se é realmente o mundo que está girando rápido demais. Não gosto deste tipo de expressão, embora tenha acabado de usá-la, porque o mundo continua girando da mesma forma sempre: leva um dia para dar uma volta em torno de si mesmo e um ano para dar uma volta ao redor do sol.
O fato é que minha filha mais velha já se formou no ensino fundamental dois, numa clara confirmação de que o tempo voa. Outro dia, na semana passada mesmo, ela era uma garotinha que mexia em tudo na casa da avó, cantava a música do pintinho amarelinho e usava meu salto alto imitando a forma como eu falava (temos um vídeo com essa cena e ela detesta).
Enquanto a primogênita conclui uma etapa, a filha caçula articula as palavras, os pensamentos e a vida em sociedade de uma forma que nem eu mesma tenho conseguido fazer nos últimos tempos. Ela anota o telefone de amigos e parentes para conversar, perguntar se está tudo bem e para cumprimentá-los nos aniversários, numa agenda própria, que denota uma forma genuína de se importar com as pessoas.
Pisquei e elas cresceram. Olhei para o lado e já se passaram quase 15 anos desde a primeira vez em que eu segurei um bebê no colo que me fez mãe. Na realidade, aquele bebê no colo me deu o título de mãe para o mundo, pois a maternidade já estava em mim. Gestei minhas meninas no coração por muitos anos antes de parir cada uma delas.
Ver os filhos crescerem é maravilhoso e angustiante, é prazeroso e assustador. É gratificante, mas nos coloca em uma realidade paralela. Ao mesmo tempo que comemoro o fato de que elas não precisam mais de mim para comer, tomar banho, se arrumar, organizar os estudos, fazer lição de casa, cuidar da agenda escolar e tomar conta dos próprios horários, lamento o fato de que tinha planejado atividades com tinta guache em minha mente para fazer na semana que vem, quando houvesse um tempo, e, agora, passaram-se anos e ninguém mais fica tão atraído por tinta guache em minha casa.
O passar do tempo nunca me tocou de forma profunda. Não gosto de ficar contando o que eu perdi, ou seja, quantos dias já se foram, principalmente quanto penso na maternidade. Gosto de somar o que ganhei, ou seja, pensar que, com o passar dos dias, eu e minhas meninas já colecionamos muitas memórias.
Elas desmamaram há anos, mas eu mesma vou cortando nosso cordão umbilical aos poucos. Dia desses, precisei viajar sozinha, sem elas, como já fiz esporadicamente. Mas, todas as outras vezes em que precisei sair de casa para resolver problemas (desta vez também tive compromissos), eu voltava o mais rápido possível, numa tentativa de segurar o tempo e fazer com que ficássemos longe apenas por um período mínimo.
Dessa vez foi diferente. Não que eu tenha passado muitos dias fora, mas o meu olhar nessa ida foi outro. Aproveitei a paisagem (com sol ou chuva), ri, pensei em outras coisas, construí outras memórias, que compartilhei com as duas a distância.
Senti que ser mãe não significa ter minhas filhas do meu lado fisicamente o tempo inteiro, embora viajar com elas seja das coisas mais deliciosas que faço na vida. Depois de um tempo, ser mãe é deixar o filho ser livre e se tornar livre também. Levando-os na bagagem, no coração e na memória.
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