Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Colo de Mãe
Descrição de chapéu Agora

Não aprendi nada sobre como ser mãe em meio a uma pandemia

Não havia ensinamento nenhum sobre este momento; estou escrevendo um livro em branco, com uma estafante e difícil rotina

Fotolia
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Agora

Eu já falei nesta coluna sobre as coisas que não te contam sobre maternidade. Acredito que isso ocorra porque cada experiência materna é diferente. Com isso, quando vamos repassar nossos conhecimentos não científicos sobre a vida de mãe a outras mães a gente fala apenas do que nos tocou mais.

Cientificamente é diferente. Eu mesma, na primeira gravidez, fiz um curso preparatório para mães oferecido pelo convênio médico em Araraquara (273 km de SP), onde eu morava quando a primeira filha nasceu, que foi muito bom, pois se falava de tudo que era necessário saber sobre bebês: banho, amamentação, parto, febre, idas ao pediatra, alimentação, introdução alimentar, cólicas, sono e tantas outras coisas.

Orientada, não temi cólicas nem noites em claro, ensinei-as a dormir com bastante facilidade, tive sucesso com a amamentação, melhorei minha alimentação ainda na gravidez e consegui me perdoar pelos dois partos normais que tanto quis ter e não consegui.

Mas não aprendi nada sobre como ser mãe na pandemia. E não havia como aprender. Não há literatura médica e científica sobre isso. Não há como se indicar livros e artigos de pandemias passadas para saber como agir e o que fazer. Mesmo a gripe espanhola, a maior pandemia até agora, não traz relatos de como era a vida das mães, o dia a dia, a dificuldade com os filhos, alimentação, lazer, saúde e cultura.

Ou seja, preparei-me para todo e qualquer desafio que poderia vir com filhos (no meu caso, filhas), mas sobre pandemia, não havia nem há nada. O que existe é um livro em branco de uma rotina cada vez mais complexa para escrevermos. Passei um ano com duas filhas em casa, sem pisar em nenhum momento na escola, pois o local onde elas estudam não reabriu em 2020.

Chegamos em 2021 e a rotina escolar é a mais diversa. Uma tem ido à escola semana sim, semana não. A outra não vai. Atividades físicas fora de casa foram cortadas. Não me sinto confortável para que façam balé, natação, futebol, dança, canto, piano, violão ou o que quer que seja.

Resultado: passamos a maior parte das semanas trancados 24 horas por dia. Moramos numa casa grande, temos uma mini-horta em vasos, assim como muitas plantas e flores, o que nos preenche a rotina. Temos bichos: ma cachorra, uma gata, um peixe e 21 pássaros.

Todos temos nossas obrigações, como lavar, passar, cozinhar, cuidar da própria roupa, dos respectivos quartos, da agenda escolar —que é bem lotada, pois elas fazem outros cursos online também—, dos estudos e do trabalho (no caso dos adultos).

Mas não sei viver uma maternidade em que o acesso a eventos culturais é pelas telas. Não há shows, não há cinema (chegamos a ir no drive-in), não há atividades culturais e artísticas. Não há teatro.

Com os parques abertos, há um respiro. Andar na natureza, olhar pássaros, correr atrás de galinhas, tirar foto com cavalo, balançar, correr... Dá para observar um lago, sentar na grama, pegar patinhos na mão e tirar a máscara por um minuto enquanto se bebe água.

Mas tem sido difícil. Ser mãe em situações normais já é algo bem cansativo fisicamente e psicologicamente, mas a maternidade se torna muito mais pesada quando você é quase a única forma de nutrição cultural e psicológica de um filho —e olha que aqui em casa, a paternidade é bem presente.

Eu já sabia que a livre demanda do amor não acaba nunca e que os seis meses de amamentação exclusiva no peito são estafantes, mas dão até saudades depois de uns anos.

O que eu não sabia —e nem tinha como saber, pois não havia histórico de pandemia em anos anteriores tão próximos aos que pari— é que ser o esteio dos filhos (no meu caso, das filhas) 24 horas por dia seria tão difícil.

Dou “aulas” para que entendam o conteúdo que não conseguiram prestar atenção nas aulas com os professores, faço brincadeiras e atividades (pintura, jardinagem, exercícios físicos e dança, entre outras) para que não fiquem tanto tempo nas telas e sigo com o papel de mãe: conversar, aconselhar, contar causos, dar broncas, fazer sermão, contar história. Ou seja, um malabarismo diário para que esses tempos passem.

Sinto a adolescência da minha filha mais velha voando, passando por mim de forma acelerada. Sinto a infância da minha caçula escorrendo por minhas mãos. E eu, que sempre quis segurar o tempo, não quero mais.

Quero que tudo passe logo e passe bem. Quero que saiamos vivas e com um mínimo de sanidade mental. Quero que elas parem de perder pessoas especiais.

Quero ser uma mãe menos cansada. E eu não sei qual é o caminho em meio a este maremoto. Teremos que construir juntas, porque desistir não está e nunca esteve nos meus planos.

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem