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Cena do filme "Sorria" (2022) Paramount/Divulgação

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The New York Times

Sorrisos iluminaram um cantinho do Bronx recentemente, quando o New York Yankees derrotou o Boston Red Sox, jogando em casa, por apertadas cinco corridas a quatro. Durante o jogo, no mês passado, um dos espectadores na arquibancada, por trás da "home plate", parecia encantado, exibindo um sorriso largo a ponto de chamar a atenção das câmeras, resultando em uma imagem que circulou amplamente na mídia social.

Mas o sujeito não era um torcedor do Yankees. O esquisitão sorridente era parte de uma ação promocional de "Sorria", um filme de terror intensamente assustador. Agora em cartaz, "Sorria" traz Sosie Bacon como uma terapeuta que encontra uma força maligna que se alimenta de traumas relacionados ao suicídio e se manifesta nos seres humanos em forma de um sorrisinho sinistro que se transfere de pessoa a pessoa, ao modo de "Corrente do Mal".

Jeannette Catsoulis, em sua crítica do filme no The New York Times, o definiu como "um trabalho de precisão milimétrica", no qual sorrisos exercem a função de "feridas que sangram e não podem ser estancadas". O filme estreou com força nos cinemas dos Estados Unidos, faturando US$ 22 milhões (R$ 114 mi) no primeiro final de semana.

Parker Finn, o diretor de "Sorria", disse em uma entrevista por vídeo recente que é fascinado por sorrisos sinistros, ainda que nem tanto por causa do seu aspecto arrepiante. Filmes de terror vêm usando esse recurso desde sempre. Se você ficar até os letreiros de "Pearl", o novo filme de Ti West, verá Mia Goth mantendo um sorriso maníaco no rosto por tanto tempo que chega a doer.

O que torna um sorriso assustador o suficiente, para que um filme seja construído em torno dele, disse Finn, é aquilo que ele esconde. "Andamos por aí carregando traumas e, para não deixar pessoa alguma entrar, usamos um sorriso como máscara", ele disse. "Eu queria que o sorriso fosse uma máscara para esconder as verdadeiras intenções do mal".

Finn, 35, cresceu em Akron, Ohio, filho de um pai cinéfilo que o incentivava a vaguear pelos corredores de uma locadora de vídeo em busca de fitas VHS esquisitas. Finn disse que, ao fazer "Sorria", seu primeiro longa-metragem, o que o atraía eram filmes de terror sobre uma "lenda urbana que você sempre conheceu inerentemente, e que sempre chega a você completamente estabelecida" –como os contágios demoníacos que motivam os atos sangrentos em filmes de terror japoneses como "Ring – O Chamado" e "A Cura".

Ele também se baseou em filmes que misturam melodrama e terror, como "O Bebê de Rosemary" e "A Salvo". "Eu estava interessado em explorar qual seria a sensação de ter sua mente se voltando contra você, e qual seria a sensação de ser perseguido por um mal desconhecido, que você não é capaz de definir e do qual não pode escapar", ele disse.

"Sorria" não empregou um consultor de sorrisos, mas Finn disse que ele mesmo cumpriu essa função, de certa forma, ao pedir ao elenco –e não ao pessoal de efeitos digitais— que criasse sorrisos assustadores. Nos ensaios, os atores ficavam a alguns metros uns dos outros, contorcendo os lábios, intensificando seus olhares e opinando sobre os esforços dos colegas até que desenvolvessem os sorrisos mais arrepiante que seus rostos podiam manter. "Tenho certeza de que parecíamos ridículos", disse Finn.

A fórmula que funcionou melhor foi um sorriso desconfortavelmente largo, que expunha completamente os dentes e era mantido por tempo tão longo que parecia congelado e desumano. O verdadeiro truque está no olhar, disse Finn, especificamente um "olhar morto, fixo, e em total descompasso com o sorriso", mantido sem piscar –"um rosto humano que empurra aqueles que o veem para o sobrenatural".

A ciência confirma a posição dele. Nathaniel Helwig, professor associado de psicologia e estatística da Universidade de Minnesota, disse em um e-mail que o tipo de sorriso que Finn descreve "desafia nossas expectativas do que um sorriso deveria ser, e isso adiciona um certo valor de choque". Ele acrescentou que, dependendo dos aspectos físicos —forma da boca, calor dos olhos, dinâmica espaçotemporal, linguagem corporal— um sorriso pode ser percebido como sinistro por algumas pessoas, mas não por outras.

Em um estudo conduzido na Feira Estadual de Minnesota, em 2017, Helwig e outros pesquisadores descobriram que os entrevistados tinham reações positivas a sorrisos com largura média e com menos dentes aparecendo; os sorrisos com larguras e ângulos extremos tiveram as classificações mais baixas, e sorrisos com a boca aberta sinalizavam medo ou desdém.

Não é de admirar que filmes de terror adorem sorrisos. Em "O Homem que Ri" (1928), o personagem aristocrata de Conrad Veidt foi condenado a rir para sempre, em um ricto que faz com que os músculos de seu rosto se contraiam como se para uma careta. Em "O Iluminado" (1980), Jack Nicholson cumprimenta Shelley Duvall, do outro lado da porta, com um sorriso, um machado e a expressão "here’s Johnny". E o sorriso desesperado e choroso que Betty Gabriel dirige a Daniel Kaluuya sinaliza uma reviravolta sinistra na trama de "Corra!" (2017).

E, claro, há os sorrisos que ostentam a promessa inerente de que aquele que os ostenta é um sujeito amistoso —em palhaços como o Coringa, bonecos como Chucky e bonecos de ventríloquo como aquele que inferniza Anthony Hopkins em "Magic" (1978).

O cineasta Jeff Wadlow disse que os sorrisos malévolos em seu filme de terror "Verdade ou Desafio" (2018), um thriller sobrenatural sobre uma versão assassina da popular brincadeira do jogo da verdade, foram inspirados pelos filtros do Snapchat que dão aos usuários características faciais exageradas, por exemplo olhos e sorrisos caricaturais e distendidos.

Esses efeitos "mexem com a capacidade do cérebro para entender o que está acontecendo com a pessoa para quem você está olhando", disse Wadlow, cujo novo filme, "A Maldição de Bridge Hollow", entra em cartaz no serviço de streaming Netflix em 14 de outubro. "Não é diferente do que acontece quando alguém está chorando, por exemplo, mas diz que te ama. Fica difícil entender".

Ao avaliar um sorriso, há considerações psicológicas a fazer. Você conhece a pessoa que está sorrindo? Já a viu sorrir? Em que estado de espírito você está? Em que estado de espírito a pessoa parece estar? Lisa Feldman Barrett, autora de "How Emotions Are Made: The Secret Life of the Brain", disse por email que, no cinema, o contexto importa.

"Os movimentos musculares do rosto não têm nenhum significado psicológico inerente", disse Barrett, psicóloga e neurocientista que já colaborou com o The New York Times. "Os movimentos que criam um sorriso se tornam significativos dentro de um conjunto de outros sinais".

Em um filme, ela disse, esses sinais podem vir da música, dos acontecimentos que surgiram antes na linha de tempo da história, dos comportamentos de outros personagens e "da incerteza sobre o que vai acontecer a seguir".

Se Finn estiver considerando uma continuação de "Sorria" que explore essas contradições inerentes, parece que ele talvez já tenha uma ideia, e ela começa por um retrato instantâneo.

"Se você parar para ver um grupo de pessoas tirando uma foto, o interessante é a maneira pela qual elas estampam grandes sorrisos em seus rostos, e logo que a foto é tirada os sorrisos desaparecem", ele disse. "Essa é uma coisa muito estranha que os seres humanos fazem".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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