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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

Atriz de 'Mulher-Hulk' diz que nunca quis fazer um personagem dessa escala

Tatiana Maslany, de 'Orphan Black', vira super-heroína em nova série da Disney

Tatiana Maslany Amy Harrity - 03.ago.22/The New York Times

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Alexis Soloski
The New York Times

A Mulher-Hulk nasceu em 1980, em uma história em quadrinhos intitulada "A Selvagem Mulher-Hulk". Dotada de resistência sobre-humana e retratada em um painel central sensacional, ela tinha dois metros de altura (com os pés verdes descalços, e muito mais usando saltos). Seus bíceps pareciam melões, sua pele tinha a cor de uma azeitona, a proporção entre cintura e quadril que ela exibia era digna de uma modelo de lingerie. E no quesito força bruta... a ênfase claramente deveria ser no "bruta".

Como a mais recente personagem da Marvel a saltar das páginas para as telas, a heroína protagoniza "Mulher-Hulk: Defensora de Heróis", uma comédia maluca com episódios de meia hora de duração já disponivel no serviço de streaming Disney+, na série. O personagem título é interpretado por Tatiana Maslany, 36, atriz premiada com o Emmy e mais conhecida por "Orphan Black", uma série de suspense muito elogiada pela crítica, mas que também fez papéis de destaque no teatro e em diversos filmes independentes. Maslany descreveu a personagem Mulher-Hulk –gigantesca e muito verde– como "talvez estranhamente, o papel mais próximo de minha experiência pessoal que já interpretei".

Nossa conversa aconteceu em uma recente manhã de quarta-feira, e Nova York parecia ter se transformado em uma estufa escaldante. Maslany, que tinha chegado de avião de Los Angeles, onde mora com o marido, o ator Brendan Hines, sugeriu uma caminhada pela Ponte de Brooklyn. Era um percurso que ela fazia quase todos os dias de bicicleta, quando estrelou na adaptação de "Network" dirigida por Ivo van Hove na Broadway. A jornada a ajudava a se acalmar, permitia que desse vazão à sua inquietação e intensidade, e facilitava incorporar a personagem, no caminho de ida, e deixá-lo de lado na volta para casa.

"A energia necessária para me expor diante de outras pessoas é realmente difícil de modular, para mim", ela disse, desviando o passo para evitar pisar em um chocolate derretido pelo sol. "Ao mesmo tempo, é um lugar muito vivo no qual estar".

A vivacidade de Maslany pulsa, em pessoa, e se manifesta em um espírito lúdico, atento e intenso. Sem o benefício de imagens geradas por computador, ela é 38 centímetros mais baixa que a Mulher-Hulk –uma mulher-navalha, pequenina e afiada. A atriz me mostrou uma tatuagem em seu braço, um desenho aleatório de uma criança rascunhado por seu marido. "É um bebezinho marrento", ela disse, em tom de aprovação.

Naquela manhã, ela estava de calções amarelos de ciclismo e usava uma camiseta com uma imagem de uma bicicleta cross. Seu cabelo loiro, meio encaracolado, estava meio preso e meio solto –o perfeito retrato de uma irmã caçula chique. Ninguém pareceu reconhecê-la na ponte –o que talvez se deva à sua capacidade de desaparecer no personagem. Em "Orphan Black", ela interpretou uma dúzia de clones que eram diferenciadas pelos cabelos e pela maquiagem, mas também pela extraordinária mobilidade expressiva do rosto de Maslany. E embora Hollywood estabeleça certas expectativas sobre o comportamento e aparência de suas atrizes, Maslany raramente se curvou a elas, nas telas ou fora delas. "Jamais fiz o papel da gostosa", ela disse.

Mas a Mulher-Hulk é gostosa. E também é o alter ego de Jennifer Walters, uma recatada advogada que defende causas sociais e tem uma vida amorosa chocha e uma predileção por roupas de trabalho sem graça. Quando Jen recebe uma transfusão acidental de seu primo Bruce Banner (o Hulk original da Marvel, interpretado por Mark Ruffalo), ela de repente se torna a Mulher-Hulk. Se o Hulk de Bruce é um verdadeiro bloco de concreto –ou, nas palavras de Maslany, "um rato de academia viciado em esteroides e sarado ao ponto da caricatura"—, a transformação de Jen, desencadeada pela raiva, parece diferente. Apenas alguns músculos ganham volume. Os seios dela –que não são músculos!– também crescem. Sua cintura se afina. Seu cabelo se alisa.

"Ela se transforma no estereótipo do corpo ideal feminino, embora sem deixar de ser alta demais e verde demais", disse Maslany. (É um detalhe que não escapou aos espectadores do trailer de "Mulher-Hulk: Defensora de Heróis", que criticaram as proporções voluptuosas da personagem).

Apesar de algumas vezes ter interpretado até quatro clones diferentes em uma mesma cena, Maslany nunca tinha se transformado dessa maneira. E o único motivo para que achasse que fica bem de verde foi ter se fantasiado de Tartaruga Ninja para ir a uma Comic-Con. Mas ela entende bem o que acontece quando o mundo passa a ver alguém de forma diferente. E mesmo que Maslany não considere seu talento como um superpoder, é isso que seus colegas veem nela. "Tatiana tem muitos superpoderes", disse Jessica Gao, a roteirista de "Mulher-Hulk: Defensora de Heróis".

Criada em uma cidade de porte médio na província canadense de Saskatchewan, Maslany nunca se interessou demais pela fama. "Na verdade, fiz o absoluto máximo para voar na direção oposta, e tentei qualquer coisa para não chegar a esse estágio", ela disse. Maslany amava atuar. Mas os elogios das celebridades a entusiasmavam bem menos. Em determinado momento, falei de uma sessão de fotos de moda que ela fez. "Estou melhorando aos poucos nessas coisas", ela disse, fazendo uma careta.

Mas a atriz se tornou razoavelmente famosa. E portanto a resistência de Jen a se tornar a Mulher-Hulk —"a ideia de me tornar uma super-heroína não me agrada", diz Jen em dado momento— parecia compreensível para Maslany. A atriz não precisou se esforçar para imaginar como se sentiria caso se tornasse uma figura pública praticamente da noite para o dia, sempre esmiuçada por conta de sua aparência e comportamento. "É um salto muito fácil para mim", ela disse.

Em eventos de tapete vermelho e contatos com a mídia, ela desempenha um papel para conseguir funcionar. "Preciso ser um personagem, porque de outra forma o custo é pesado demais para mim", ela disse.

Isso ajuda a explicar por que uma atriz que provavelmente teria jurado não fazer qualquer trabalho tão comercial quanto uma série de super-heróis decidiu aceitar o convite. "Eu nunca quis fazer qualquer coisa dessa escala", ela disse. "Mas havia algo no roteiro que parecia realmente estranho e engraçado, a ponto de me levar a pensar que eu não tinha como recusar o papel, embora não soubesse por quê". (Na verdade, ela negou que o interpretaria em pelo menos uma entrevista, mas explicou a atitude como uma questão contratual: não estava autorizada a anunciar o acordo antes que a Disney o fizesse.)

A decisão surpreendeu Helen Shaver, diretora que trabalhou com Maslany em "Orphan Black". Mas não a surpreendeu por muito tempo. "Pensei comigo mesma que, OK, essa é uma escolha louca", disse Shaver em uma conversa recente por telefone. "Mas também sei que ela tem em si esse elemento lúdico e louco. Ela está disposta a se abandonar ao humor absurdo".

As gravações começaram no segundo trimestre de 2021, em Atlanta. Para fazer o papel de Jen, Maslany criou uma versão de si mesma, embora tenha apontado que nunca usou tanta maquiagem para interpretar uma personagem supostamente chocha. ("Estou usando cílios postiços, de verdade", ela disse. "E meu rosto está inteirinho coberto de maquiagem. A história de que Jen não é atraente é absurda".) E porque Jen mantém sua consciência, mesmo como super-heroína, a Mulher-Hulk também tem muito dela, embora a transformação seja realizada quase inteiramente por meio de efeitos digitais.

Nos momentos mais sexy da Mulher-Hulk nas telas, Maslany saltita pelo cenário usando uma roupa prateada para captura de movimentos e um capacete. "Minha sensação é de sou uma criança de pijama", ela disse.

Mas Ginger Gonzaga, que interpreta Nikki, a combativa assistente legal de Jen, sempre conseguia distinguir com que versão da colega estava contracenando. "Quando ela é a Mulher-Hulk, o aspecto físico de seu trabalho muda na hora, muito rápido", disse a atriz. "Ela adota uma postura orgulhosa, um porte de estátua".

Maslany descreveu o porte da Mulher-Hulk como mais pesado, menos irrequieto, mais centrado na pélvis. "O peso da Mulher-Hulk a faz pousar de forma diferente sobre meu corpo", ela disse. "Seria o modo pela qual uma mulher se moveria caso se sentisse segura no mundo, se soubesse que ninguém é capaz de machucá-la".

Mas a Mulher-Hulk também indica uma outra fantasia, que não tem coisa alguma a ver com sangue radiativo e talvez seja ainda mais difícil de acreditar do que a premissa de ficção científica de "Orphan Black". A nova série dá a entender que uma mulher tem direito a sentir raiva e que o mundo encararia esse fato de modo positivo.

Perguntei a Maslany sobre a última vez que ela sentiu raiva. "A raiva é algo que nunca está completamente ausente", ela disse. Mas a atriz raramente se permite expressá-la em sua vida pessoal. E os ataques de raiva de Maslany não a deixam com uma aparência tão bonita –"eu adoraria se pudesse ficar com raiva mas, tipo, sem tremer ou chorar", ela disse. É exatamente isso que acontece em "Mulher-Hulk: Defensora de Heróis".

"Ela se transforma em uma versão hiperfeminina e hiperbonita de si mesma, o que pode tornar aquela raiva mais palatável", disse Maslany ao sair da ponte e se embrenhar no caos de Manhattan. "É louco. É muito louco".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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