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Sienna Miller

Sienna Miller Jingyu Lin - 7.abr.22/The New York Times

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Alexis Soloski
Nova York
The New York Times

Dois anos atrás, quando Senna Miller recebeu os roteiros de "Anatomia de Um Escândalo", uma minissérie luxuosamente produzida criada por David Kelley e Melissa James Gibson, ela os leu inteiros, na hora. "Li como um telespectador que assiste de uma vez a uma série dramática em seis episódios", ela disse.

Os produtores tinham lhe oferecido o papel de Sophie, a sedosa mulher de James (Rupert Friend), um parlamentar e ministro britânico. Sophie exigiria toda a gama de talentos de Miller –carisma, vulnerabilidade, beleza, humor. E, em uma carreira na qual ela foi quase sempre relegada a papéis coadjuvantes como namorada ou cônjuge, desta vez seu papel é claramente o principal. Mesmo assim, a atriz hesitou. "Eu tinha algumas reservas, porque a situação me parecia feia, e de alguma forma conhecida", ela disse.

No primeiro episódio, Sophie descobre que James teve um caso com uma colega de trabalho. O jornal The Maily Dail transforma a história em manchete na manhã seguinte. Para Miller, que na metade da década de 2000 passou por um escândalo quando seu então noivo, Jude Law, dormiu com a babá da filha dele, as ressonâncias eram evidentes.​

Mas da mesma maneira que uma pessoa pode se sentir compelida a tocar a cicatriz de um velho ferimento que terminou curado, a oportunidade de revisitar essas experiências do passado se tornou parte do que convenceu Miller a aceitar o papel. "De uma maneira estranha e distorcida, mas que ainda assim existe, eu me senti atraída por aquilo, por explorar a história de uma perspectiva diferente", ela disse.

Nossa conversa aconteceu em uma manhã recente de dia de semana, no restaurante de um boutique hotel no West Village de Manhattan, perto de onde Miller vive com Marlowe, 9, sua filha. Em "Anatomia de um Escândalo", que estreou na Netflix no dia 15, Sophie usa roupas elegantes em tons de dourado, creme e bege; Miller tinha escolhido uma palheta semelhante naquela manhã, usando jeans creme e um suéter bege, acompanhado por colares sobrepostos.

É claro que Miller não é Sophie. Ela é liberal e Sophie é conservadora, expressiva enquanto Sophie é reservada. Sophie interpreta um papel, o de mulher perfeita de um político, por motivos pessoais. No caso de Miller, interpretar papéis é estritamente profissional. E no entanto, existem momentos em "Anatomia de um Escândalo" nos quais a vida de Sophie parece inextricavelmente ligada à da atriz que a interpreta.

Um exemplo é a cena, em um episódio próximo do final da série, em que Sophie confronta um não exatamente antagonista. "Passei minha vida toda sendo ao mesmo tempo subestimada e superestimada", ela diz. "Se negociei com a moeda que o mundo disse ser a minha, bem, foi isso que fui treinada a fazer". Fica difícil saber quem exatamente está falando.

Os paralelos não escaparam a Sarah Vaughan, que criou o personagem Sophie em seu romance homônimo de 2018 e é uma das produtoras executivas da série. Isso "propicia um nível adicional de nuança e de significado ao desempenho dela", afirmou a escritora.

Ao gravar a série, Miller também se inspirou deliberadamente nas experiências de seu passado. "Existe uma espécie de memória muscular quanto a muitas das experiências dela, em mim. E isso estava disponível com facilidade", ela disse. Às vezes quase que disponível demais.

Friend, em entrevista por telefone, disse que Miller é capaz de se entregar tão completamente a um personagem que parece estar praticamente possuída. "Sienna parece passar por alterações físicas, ela sua, ela palpita, seu batimento cardíaco aumenta, ela mostra tremores no rosto, coisas que um ator não teria como planejar", ele disse.

Quando chegou o momento de gravar a cena na qual Sophie descobre sobre o caso de seu marido, o coração de Miller começou a bater tão rápido e com tanto barulho que o microfone de cena chegou a captar o ruído. "A sensação de que está para surgir alguma coisa sobre a qual você absolutamente não tem controle, a ansiedade de saber que você só tem uma noite de sono a separando do momento em que algo intensamente pessoal se tornará extremamente público –tudo isso é uma situação muito agoniante", ela disse.

Mas Sophie por fim lida com o acontecido de maneira diferente do que aconteceu no caso de Miller. Acrescentar qualquer coisa seria criar um risco de spoiler, mas a abordagem de Sophie quanto ao dano que sua reputação sofre não parecia uma opção viável para Miller, no passado, e por isso interpretar a narrativa de Sophie lhe trouxe uma sensação libertadora, quase terapêutica, ela disse.

"Houve uma catarse, em tudo isso", disse Miller. "Sempre que você pode trabalhar e chorar ao mesmo tempo, a sensação é estranhamente boa".

Vendo Miller interpretar o papel, Vaughan percebeu o quanto seu desempenho era sincero, a honestidade aparente de cada cena. "Não sei se isso é algo que suponho porque estou ciente daquilo por que ela passou", disse Vaughan. "Mas eu sentia haver uma raiva no trabalho dela, se bem que raiva contida".

Quando perguntada sobre de onde vinha aquela raiva, Miller respondeu que "a esta atura, aos 40 anos, passei por experiências que internalizei e posso usar —traição e frustração quanto a ter aceitado demais sem reagir, e quanto à minha falta de autoestima em determinados momentos".

Ela disse isso sorrindo, mas havia alguma coisa aguçada por sob as palavras. Gibson, a showrunner, apontou para a capacidade de Miller de sustentar mais de uma verdade emocional –fúria, resignação, divertimento irônico– ao mesmo tempo, o que oferece aos seus desempenhos uma complexidade natural. "Ela merece cada desafio", disse Gibson, "porque está à altura de todos eles".

Hoje em dia, a autoestima de Miller é maior. Foram precisas duas décadas, uma dúzia de novos papéis e o nascimento de uma filha, mas ela sabe quem é, agora, disse a atriz. O discurso de Sophie sobre ter sido tanto subestimada quanto superestimada continua. Ela diz ao seu adversário: "Muita gente acha que me conhece. Você acha que me conhece. Pode acreditar: não conhece".

O que Miller gostaria que as pessoas –aquelas pessoas que passaram 20 anos olhando para seu rosto em revistas de moda ou de fofoca– soubessem a seu respeito? Nada.

"Não dou importância a essas coisas, agora", ela disse. "Sei que tenho mais substância do que era autorizada a expressar como pessoa, e que sempre tive. E não sei o que dizer a respeito disso. Sou muito feliz, é bom ressaltar. Sinto-me muito centrada. Tenho uma filha saudável, continuo trabalhando, e sobrevivi a uma década realmente extraordinária, enquanto muita gente não conseguiu fazê-lo. Por isso, sinto um orgulho discreto quanto a esse lado da equação".

"O que eu gostaria que as pessoas soubessem?", ela disse. "Nada".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

ERRAMOS: O conteúdo desta página foi alterado para refletir o abaixo

A frase "passei minha vida toda sendo ao mesmo tempo subestimada e superestimada" foi dita pela personagem de Sienna Miller na série "Anatomia de um Escândalo", e não pela atriz, como apontava o título inicialmente. Ele já foi corrigido.

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