Diretor de 'Batman' explica final do filme e seus paralelos com a realidade
Matt Reeves diz que nem todos os aspectos do final foram intencionais
Matt Reeves diz que nem todos os aspectos do final foram intencionais
ALERTA: Esta entrevista contém spoilers sobre o final do filme "Batman".
Seria possível entender o final de "The Batman" como uma vitória: nosso herói (Robert Pattinson) consegue deter o massacre homicida do Charada (Paul Dano) e o coloca atrás das grades, além de encontrar um novo senso de propósito ao ajudar na reconstrução de Gotham City.
Ou a conclusão pode ser vista como um desastre, com Gotham inundada e arruinada, o Pinguim (Colin Farrell) assumindo uma posição de poder no submundo criminoso da cidade, e Selina Kyle (Zoë Kravitz) deixando o Batman e escapando da cidade em uma motocicleta.
Matt Reeves, o diretor e um dos roteiristas de "Batman", explicou que certas ambiguidades do filme eram intencionais, especialmente porque o personagem-título decide reconsiderar a abordagem que usa para combater o crime.
"Como fã, sinto a mesma coisa", disse Reeves em uma entrevista recente. "Há uma parte de você que deseja ver alguém conseguir sua vingança –é a realização de um desejo profundo. O importante era trazer a audiência conosco e levá-la a questionar esse desejo de vingança, fazê-la questionar se aquilo era certo, se aquilo era o que deveria realmente ser feito".
Também existem aspectos do final do filme que Reeves disse não terem sido completamente intencionais, como a maneira assustadora pela qual a história parece oferecer um paralelo com a invasão do Congresso americano por desordeiros em 2021, e outros eventos.
Nos trechos editados de nossa conversa que vêm abaixo, Reeves fala sobre o que queria dizer em "Batman", sobre coisas que ele antecipou inesperadamente e sobre o que acontece a seguir para o Vingador Mascarado.
Você disse que queria que o filme contasse uma história na qual o personagem teria de examinar as motivações para aquilo que faz. Como é que você vê essa intenção se desenrolando em "Batman"?
Eu queria que ele se visse forçado a confrontar a si mesmo. Li muito sobre a ideia de viver por trás de uma máscara e sobre os diferentes caminhos que uma pessoa pode tomar. Quando você é anônimo, existe uma sensação de poder que se faz sentir, uma espécie de falta de obrigação de prestar contas, mas o anonimato também pode conduzir a uma generosidade de espírito –a um lado mais leve. Eu queria que o Batman tivesse de buscar se afastar disso múltiplas vezes, até que por fim esse aspecto se tornasse inegável.
Isso explica por que o Charada –outra figura mascarada e anônima– acredita ter a mesma missão que o Batman, e o fato de ele se sentir tão magoado quando o Batman o rejeita?
Nós já vimos versões em que o Batman se sente acuado por se sentir roubado de seu anonimato, e o dilema é sobre como ele pretende sair dessa. Era algo que em nossa opinião já tinha sido feito, e eu queria mexer com isso porque é a coisa óbvia –oh, ele [o Coringa] sabe quem o Batman é, mas acabei desistindo. Ele não sabe quem o Batman é. Estamos falando de uma história de amor. É disso que se trata. Ele o ama.
Naquela cena [em que o Batman interroga o Charada], foi sobre isso que conversamos. Você chega lá esperando encontrar amor. Ele o inspirou. Mas quando na verdade fica provado que não é esse o caso, você se sente devastado. E mais tarde, ao perceber que ele não é assim tão inteligente quanto você imaginava, você enfim volta a ter poder.
Um ponto central do grande plano do Charada é que se trata de um plano violento, cujo foco é uma eleição, e cujos passos finais ele não precisa realizar pessoalmente –se ele colocar ideias suficientes em circulação no mundo, seus seguidores mais desorientados, que se reúnem e trocam informações em comunidades online, executarão a missão para ele. O resultado disso tem um efeito diferente, para você, em um mundo posterior ao 6 de janeiro de 2021 [o dia da invasão do Congresso americano]?
O roteiro foi escrito muito antes disso. Eu não desejaria ser assim direto porque, em minha opinião, isso seria uma forma de exploração. Queria fazer algo que sentia que poderia ecoar na maneira pela qual vivemos, e quando as coisas começaram a se alinhar de uma determinada maneira foi um choque para mim. O 6 de janeiro aconteceu e estávamos bem no meio da filmagem. Ficamos todos realmente incomodados, e além disso era incômodo o modo como certas coisas ressoavam. Obviamente, existem diferenças, mas as ressonâncias também existem.
Quando eu estava escrevendo o roteiro, pensei muito na mídia social. Sabemos que um algoritmo conduz as pessoas em determinada direção e rumo àquilo que mais as provoca, e isso muda dramaticamente a maneira pela qual as pessoas percebem o mundo ao seu redor. E mudou muito as coisas na pandemia, quando, literalmente, as pessoas viviam por meio de seus computadores –uma comunidade virtual onde coisas podem se espalhar entre as pessoas, e inflamar as pessoas, deflagrar suas paixões. Meias-verdades e completas mentiras e até coisas que são absolutamente verdadeiras mas ainda assim inflamatórias.
Depois que aconteceu a invasão do Congresso, houve alguma discussão sobre tirar do filme essa parte da trama?
Bem, o problema era que aquilo tinha uma posição muito central na história. Todos nos entreolhamos e chegamos à conclusão de que, em última análise, havia diferença suficiente para manter a história como parte da trama. E, além disso, era uma parte muito importante de nossa narrativa.
Houve momentos em que estávamos filmando e o elenco e eu nos olhávamos como se estivéssemos comentando o quanto aquilo era estranho. Lembro-me do dia em que Jayme Lawson [que interpreta Bella Reál, a prefeita eleita] discursa dizendo que precisamos reconstruir não a nossa cidade, mas a fé das pessoas em nossas instituições. E isso depois de tudo que tinha ocorrido. Foi uma das coisas que me fez parar e pensar que, uau.
Eu estava realmente interessado em descobrir se aquilo era algo que seria aparente para uma audiência, quando fizemos nossas exibições de teste para todos aqueles fãs do Batman, e na verdade não aconteceu, o que também serviu para me reassegurar.
Há um diálogo de Batman, "eu sou a vingança", usado na promoção do filme quase como um bordão, mas ele mais tarde ouve as mesmas palavras vindas de um dos seguidores do Charada. A lição dele é a de que precisa transcender isso –a de que, para as pessoas de Gotham, ele precisa ser um herói verdadeiro?
Quando eu estava estudando os quadrinhos e "Batman: The Animated Series", o discurso de Kevin Conroy sobre "eu sou a vingança; eu sou a noite" realmente me afetou. Ele está fazendo aquilo para reagir ao que foi feito a ele, e portanto decidiu que contra-atacaria. É uma forma de vingança, mas aquela vingança não é suficiente. Ele precisa se tornar mais, e essa é a mensagem do filme como um todo. Quero que ele avance de alguém que projeta vingança para alguém que comunica às pessoas que, em meio a toda aquela escuridão, existe esperança. Era essa a trajetória que eu desejava para ele.
Você parece claramente ter preparado o terreno para uma possível continuação. Já está pensando sobre para onde a história deveria se encaminhar, a seguir?
Com certeza. Deixamos aquele mundo em uma situação muito específica, no final da história. A corrupção exerce um domínio muito forte sobre Gotham, há muito tempo. Os eventos do filme ajudaram a criar o primeiro vislumbre de esperança que a cidade teve em pelo menos 20 anos, e também puseram fim ao vácuo de poder que imperava. Ou seja, criaram um dos momentos mais perigosos que a cidade experimentou em mais de 20 anos. Para onde vai a história é algo sobre o que pensei muito.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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