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Cynthia Nixon e Sara Ramirez em 'And Just Like That', que retoma 'Sex and the City'

Cynthia Nixon e Sara Ramirez em 'And Just Like That', que retoma 'Sex and the City' Divulgação

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Julia Jacobs
The New York Times

Durante um muito discutido "concerto de comédia" em "And Just Like That...", a continuação de "Sex and the City" lançada pela HBO, Che Diaz, um/a personagem também muito discutida, relembra a história do dia em que decidiu revelar sua sexualidade à família.

"Eu me levantei na sala e disse, família, amo vocês e quero que saibam que sou queer, não binário/a e bissexual", Che diz à plateia com uma expressão séria no rosto, antes de abrir um largo sorriso. "E eles responderam que, tudo bem, mas será que eu podia sair de frente a televisão e deixá-los assistir ao jogo?"

A cena foi parecida com a que Sara Ramirez, que interpreta Che (e, como a personagem, é não binário/a e usa pronomes neutros), enfrentou ao decidir revelar à sua família que era bissexual --mas o programa a que eles estavam assistindo era um filme de "Harry Potter", e não um jogo.

Os roteiristas de "And Just Like That..." não aproveitaram muitas outras situações da vida de Ramirez na série, segundo ele/a. Além do corte de cabelo do/a personagem (topete no alto e raspado nas laterais) e de sua origem étnica (uma mistura de mexicanos e irlandeses), "não me reconheço em Che", disse Ramirez.

Uma humorista de fala rápida e postura ousada, Che emprega Carrie Bradshaw em um podcast sobre sexo e gênero, e serve como canal para que as garotas da série original (menos uma) aprendam sobre as novas práticas culturais dos progressistas jovens de Nova York: o uso correto de pronomes, positividade quanto ao sexo e consumo de maconha via transferência boca a boca, para mencionar apenas algumas.

O mais importante é que Che estimula Miranda (Cynthia Nixon) a explorar sua sexualidade. A série, cujo episódio final foi ao ar no final de janeiro, foi criticada por seu tratamento pesado de questões de identidade e pelo desajeito ocasional de seus esforços para diversificar o elenco original, esmagadoramente branco. (Maya Phillips, crítica do The New York Times, definiu essas tentativas como "elogiáveis, mas rasas".)

Che Diaz vem sendo alvo frequente desse tipo de queixa. Um crítico, escrevendo no site Them, de notícias e cultura LGBTQ, disse que o/a personagem parecia uma "caricatura" concebida para ganhar pontos por diversidade. O Daily Beast foi além e definiu Che como "demente" e "o pior personagem da televisão".

Na mídia social, espectadores resmungavam sobre o broche "momento woke" de Che, usado como adereço de seu podcast, e sobre seus diálogos às vezes forçados. ("Me mande uma mensagem quando você quiser relaxar de novo, OK?", diz Che a Miranda em uma cena crucial.)

Também há quem tenha defendido o/a personagem, argumentando que era importante ter na série uma pessoa não binária, e questionando os motivos de tantos ataques contra Che, especificamente. "As pessoas têm problemas graves quanto a indivíduos que não se conformem às normas de gênero", disse a artista Lea DeLaria ao jornal The New York Post, acrescentando que "não acho que o problema seja da série. O problema é da audiência".

Falando por vídeo de Nova York, Ramirez, 46, disse ter se acostumado a interpretar papéis que geram críticas e debate. Por exemplo, a sexualidade da médica Callie Torres, cirurgiã ortopédica interpretada por Ramirez em "Grey’s Anatomy", drama médico criado por Shonda Rhimes, entre 2006 e 2016 costumava ser energicamente dissecada pelos fãs da série.

Ramirez, que nasceu em Mazatlán, México, e veio morar nos Estados Unidos aos sete anos, depois do divórcio de seus pais, se formou na Juilliard School em 1997 e logo conquistou papéis no teatro ("The Capeman", um musical da Broadway), cinema (na comédia romântica "Mens@gem para Você") e na televisão (na novela "As the World Turns").

Ela começou a trabalhar em "Grey’s Anatomy" não muito depois de conquistar um Tony por interpretar a Dama do Lago na produção de "Spamalot" na Broadway. Foi só depois que Ramirez encerrou sua participação em "Grey’s Anatomy" que ele/a decidiu se declarar bissexual e, quatro anos mais tarde, não binário/a.

Em entrevista, ele/a discutiu as reações dos espectadores originais de "Sex and the City" a Che Diaz e as pressões de assumir sua identidade sexual na TV antes de fazê-lo na vida real. Abaixo, trechos editados da conversa.

Você tinha 20 e poucos anos quando "Sex and the City" estreou, em 1998. Quais foram suas impressões sobre a série?
Eu tinha acabado de concluir meu curso em Julliard. Estava trabalhando profissionalmente como atriz e me apaixonando por Nova York. Assim, era o programa perfeito para aquele momento. Eu apreciava o foco em amizades, o poder da amizade e o poder da educação sexual, e também no empoderamento sexual das mulheres.

Seu primeiro papel importante na TV, o de Callie Torres em "Grey’s Anatomy", tinha um senso parecido de propósito, e empoderamento. Você se identificou com a personagem?
Fiquei realmente empolgado/a por poder fazer um papel muito empoderado, forte, mas também extremamente sensível e vulnerável. Eu me identifiquei por conta de minha criação e de alguns traumas que tive de superar. Desenvolvi uma carapaça muito dura, mas ao mesmo tempo sou muito sensível.

Como é que Callie veio a explorar sua sexualidade na série? Suas experiências pessoais influenciaram o papel?
Eu sabia desde cedo que era bissexual, desde a adolescência, e foi um processo gradual de descoberta. Por isso, viver com aquela verdade sobre mim era uma coisa; e trabalhar na TV e ir me tornando mais famosa aos poucos era outra coisa. Por um lado, eu sentia muita pressão para assumir publicamente. Por outro, imaginava se isso teria um impacto criativo sobre meu trabalho, ao infundir a personagem que eu estava interpretando com uma sexualidade mais expansiva.

Você ficou nervoso/a ao propor essa ideia de roteiro a Shonda Rhimes, a criadora da série?
Acho que senti uma mistura de conforto com relação a Shonda e de nervosismo, combinados a empolgação quanto ao desconhecido. Se ela dissesse não, seria uma decepção —mas também, em certa medida, um alívio. Se dissesse sim, seria empolgante e um terror, um grande medo de errarmos na nossa forma de retratar aquilo.

O que você quer dizer com medo de errar?
Errar com relação à comunidade —retratar alguém de uma maneira que pudesse causar mal à comunidade, que de alguma forma pudesse ser vista como imprecisa. Creio que isso veio em companhia de uma internalização do antagonismo quanto aos bissexuais. Fui condicionado/a a acreditar que só existia uma maneira de ser queer, naquela época.

Você se lembra de ter ouvido reações dos espectadores ao caminho que Callie terminou por seguir?
A mídia social ainda não tinha decolado quando comecei a explorar aquela jornada de Callie (no final de 2007), e as únicas coisas disponíveis eram salas de chat, fóruns online ou comentários em sites. Eu lia algumas dessas coisas, às vezes, e era uma mistura de opiniões diferentes, o que de certa forma é ótimo, porque você quer que as pessoas tenham opiniões. Creio que levar as pessoas a discutir é bom. Mas aprendi que ler essas coisas não faz bem, porque as opiniões são vastas e, como artista, preciso proteger o processo.

Você não se assumiu publicamente antes de sair da série. Como era interpretar uma personagem bissexual na televisão, mas continuar em conflito quanto a ser ou não aberto/a com relação à sua sexualidade pessoal?
Incrivelmente estressante. Eu tive de conviver com muita ansiedade —estava casado/a com um homem cisgênero, na época. Estava vivendo a vida de uma pessoa bissexual na vida real, mas no fundo sabia que haveria toda espécie de julgamentos sobre minha sexualidade, e era algo difícil de aceitar, enquanto ao mesmo tempo eu retratava alguém que estava no processo de se empoderar com relação a se relacionar com mulheres. Foi um período realmente interessante.

Há menos sobreposição entre você e Che Diaz. Você tem prestado atenção às críticas sobre o/a personagem ou vem tentando se distanciar disso?
Estou muito ciente do ódio que existe online, mas preciso proteger minha saúde mental e minha arte. E isso é muito mais importante para mim porque sou um ser humano real. Orgulho-me mesmo da representação que criamos.

Criamos um/a personagem que é um ser humano real, imperfeito/a, complexo/a, e que não existe para que as pessoas gostem ou não dele/a, que não existe em busca da aprovação alheia. É alguém que está lá para ser quem é.

E além disso não controlo os roteiros. Recebo positivamente a paixão com que as pessoas participam do debate sobre essa representação. Mas na vida real há muitos seres humanos que se apresentam para o debate e tentam dizer a verdade aos poderosos, de numerosas maneiras.

E cada uma dessas maneiras funciona diferentemente junto a diferentes pessoas. E Che Diaz tem sua própria audiência, à qual ele/a tem muito a dizer, e essas pessoas realmente curtem aquilo que o/a personagem faz.

Como você acha que Che responderia a essas críticas?
Michael Patrick King —o showrunner de "And Just Like That..."— e os roteiristas provavelmente teriam as melhores respostas, porque foram eles que escreveram Che Diaz. Imagino que Che tivesse algo de bobo, engraçado e cortante a dizer em resposta; algo que lembre as pessoas de que somos todos humanos; algo com uma pontinha de autodepreciação, porque acho que o/a personagem sabe que é narcisista. E talvez um pequeno lembrete de que ninguém é perfeito.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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