Jennifer Lopez em seu escritório em Los Angeles Chantal Anderson - 21.dez.21/NYT

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Nicole Sperling
Los Angeles
The New York Times

É claro que a lareira está acesa na casa de Jennifer Lopez. É um dia de chuva, pouco antes do Natal, e sua casa em estilo espanhol em Bel Air está decorada como seria de esperar: guirlandas de pinho por sobre a lareira, rosas alaranjadas na mesa de café, uma árvore de Natal cujos ramos parecem ter sido aparados por um profissional, na sala de estar.

É como uma página do catálogo da Restoration Hardware, e isso inclui a estrela, vestida em uma versão elegante do uniforme que quase todo mundo adotou para trabalhar em casa: um suéter bege espesso, calças de moletom cor de creme, botas Timberland com detalhes dourados.

O cabelo de Lopez está preso em um coque, e sua pele impossivelmente macia exibe apenas um leve traço de maquiagem. Os gigantescos brincos de diamantes que ela traz nas orelhas são o único indicador aparente de seu status como uma das mulheres mais famosas do planeta.

O que faz com que o observador imagine: será que alguma coisa acontece por acaso, na vida de Jennifer Lopez? É uma questão que merece ser ponderada, especialmente quando seu (de novo) namorado, Ben Affleck, aparece para um beijinho rápido e uma conversa sussurrada, ao lado de uma gigantesca casa de pão de mel cuja cobertura traz como decoração as palavras "Família Affleck-Lopez".

Afinal, estamos falando de uma mulher que navegou com sucesso as águas traiçoeiras da celebridade por quase três décadas, passando por rodada após rodada de romances e separações públicos, e que se reconstruiu múltiplas vezes, de dançarina a cantora, e depois disso atriz e produtora. Aos 52 anos, idade em que a maioria das estrelas de cinema se veem relegadas ao purgatório sexista e etário de Hollywood, ela parece ser mais relevante do que nunca.

Seu novo filme, a cintilante comédia romântica "Case Comigo", cuja estreia foi muito postergada pela pandemia, estreará nos cinemas e no serviço de streaming Peacock no fim de semana do Dia dos Namorados americano, em 14 de fevereiro —no Brasil, a estreia nos cinemas deve acontecer dia 10. No filme, Lopez interpreta uma superestrela bem parecida com J.Lo, que batalha para conduzir sua vida amorosa em meio aos dilemas da vida dos megafamosos.

Você conhece alguma história parecida? Ela interpretará ainda outra noiva em "Shotgun Wedding", que deve sair na metade do ano, e em seguida deixará de lado os vestidos delicados e fará o papel de uma assassina mortífera em "The Mother", filme em produção para a Netflix que ela planejava terminar de rodar nas Ilhas Canárias depois do feriado natalino.

Em algum momento, o serviço de streaming, que no ano passado assinou um contrato de produção com a Nuyorican Productions, a companhia de Lopez, também lançará um documentário que acompanhou sua vida no ano em que ela completou 50 anos, e no qual todos os mundos que ela habita pareceram convergir: reconhecimento por seu talento como atriz pelo trabalho em "As Golpistas" (ela conquistou sua segunda indicação ao Globo de Ouro e uma indicação ao SAG Award), uma turnê internacional de shows em 2019 e o show de intervalo do Super Bowl de 2020.

O ano, ela disse, "quando tudo pelo que trabalhei no cinema, na música e na moda começou a dar certo". "Case Comigo", uma ideia em que Lopez começou a trabalhar anos atrás com Elaine Goldsmith-Thomas, antes sua agente e hoje sua sócia de produção, serve de alguma maneira como explicação do que é existir sob os holofotes, como acontece com Lopez, algo que ela define como "uma vida muito específica".

E o filme também representa uma aposta arriscada em que ela conseguirá reanimar um gênero que foi praticamente abandonado tanto pelos estúdios quanto pelas estrelas de comédias românticas do passado.

Para Goldsmith-Thomas, a decisão de Lopez de saltar de "As Golpistas", que reforçou sua credibilidade como atriz séria, para "Case Comigo", que se alinha mais com seus sucessos anteriores como baluarte da comédia romântica ("Encontro de Amor", "O Casamento dos Meus Sonhos"), faz perfeito sentido.

"Nós amamos fazer ‘As Golpistas’, mas isso não significa que filmes como esse sejam tudo que devemos fazer", ela disse. "Jennifer teve uma oportunidade de entreabrir a cortina e fazer um filme sobre o que é viver e amar dentro de um aquário, ter seus erros amplificados e crucificados em todas as plataformas, e ainda assim encontrar o seu caminho apesar de tudo que acontece.

Se adicionarmos a isso a capacidade de produzir e cantar a trilha sonora daquela jornada, seríamos tolas se decidíssemos não fazer o filme". Em "Case Comigo", Lopez interpreta Kat Valdez, uma estrela pop internacional que quer se casar com seu namorado, também uma sensação mundial (interpretado pelo cantor e compositor colombiano Maluma), diante de milhões de fãs, em um especial de televisão.

Momentos antes de dizer o grande "sim", Valdez descobre que vinha sendo traída pelo noivo e cancela a cerimônia, no palco, e decide se casar com um trouxa qualquer da audiência (Owen Wilson), que tinha nas mãos um cartaz que dizia "case comigo". É como uma mistura de "O Guarda-Costas" com "Um Lugar Chamado Notting Hill", acompanhado por uma trilha sonora de Lopez.

O filme é tanto uma fantasia pop leve quanto um vislumbre quanto a uma vida que poucos têm a sorte de levar. E os fãs obsessivos de Lopez certamente o examinarão com enorme atenção em busca de pistas sobre a psique da estrela, especialmente sobre a solidão que ela talvez sinta lá no topo, onde o casulo oferecido por todos os seus privilégios pode às vezes parecer uma jaula. E os fãs não estarão errados.

Lopez recorda a gravação de uma cena em que sua personagem volta para casa depois que a cerimônia de casamento encenada vai por água abaixo; ela está esgotada, e ainda não tirou seu vestido de noiva. Valdez liga a TV, no programa de Jimmy Fallon, mas o apresentador a insulta em seu monólogo, e ela começa a chorar. É um indício de vulnerabilidade que você nem sempre vê em Lopez, e que a atriz demorou muito tempo para conseguir expressar.

"Depois que você se queima algumas vezes, percebe que tem de ser cuidadosa. Se as coisas são muito profundas e você as expõe, alguém pode pisar no seu coração", ela disse, acrescentando um termo chulo. A diretora do filme, Kat Coiro, admira a busca de Lopez pela cena perfeita.

"Existe uma coreografia até mesmo na atuação dela", disse Coiro. Mas para que a cena funcionasse, Coiro teve de pedir que Lopez a repetisse algumas vezes, porque precisava romper sua armadura. O resultado parece muito real, ou pelo menos tão real quanto Lopez se permite ser diante das câmeras.

"Tive de lembrar a mim mesma que esse filme era na verdade um lugar seguro para expor sentimentos como esse", disse Lopez, sentada diante de sua lareira decorada. "Estão zombando de mim, e isso machuca. Meu instinto é o de agir como se não machucasse".

Lopez passou décadas tentando encontrar o equilíbrio entre aquilo que o público deseja dela e o que está disposta a dar ao público. Ela continua a amar os momentos em que pode conversar com fãs, depois de seus shows. Coiro, por exemplo, ficou espantada com o tempo que a estrela dedica a isso.

"Ela é tão onipresente que às vezes não recebe o crédito que merece", disse a diretora. "Creio que esse filme consiga mostrar um pouco disso". Quando Kat Valdez fala sobre "nunca receber prêmios, acho que foi um momento que reflete a vida dela", prosseguiu Coiro.

"Ela está no mercado há muito tempo. Tem um número imenso de fãs, e por causa desse perfil e desse destaque ela às vezes não é encarada com o respeito que mereceria". A despeito das proteções criadas para ela, administrar as percepções do público ainda é algo que Lopez tem dificuldade para fazer como gostaria.

"O que eu gostaria mesmo de fazer é só cantar e dançar e atuar", disse Lopez. "Essas outras coisas todas vêm em companhia disso, e você precisa aprender como navegar –ter uma vida pública, uma vida artística e também a sua vida privada. E o que você quer é uma vida comum, como a de qualquer outra pessoa", ela disse, fazendo uma pausa. "Mas sua vida toda é esquadrinhada".

Lopez tinha acabado de me dizer isso quando Affleck apareceu. "Oi, baby", ela lhe disse. Os dois causaram sensação na internet no ano passado, ao reatar um relacionamento que tinham deixado para trás 19 anos atrás –um relacionamento tão famoso, na época, que bastava para alimentar quase sozinho a cultura dos tabloides, com os encontros glamorosos e muito públicos do casal.

Um exemplo é o infame vídeo de "Jenny From the Block", canção de Lopez em 2002, que mostra Affleck beijando o traseiro dela, envolto em um biquíni, enquanto os dois se bronzeiam num iate. Com uma mochila pendurada às costas, ele interrompe a entrevista e a arrasta para a sala ao lado. Eles voltam 10 minutos depois, mas continuam a se beijar, abraçar e sussurrar "eu te amo". Ele termina dizendo "tudo bem, meu amor, te vejo mais tarde", antes de sair.

Foi um momento peculiar. Será que foi planejado? Espontâneo? Meus pedidos para entrevistar Affleck não foram atendidos, mas lá estava ele, o namorado dedicado, dizendo palavras de encorajamento à amada diante dos olhos da imprensa.

Perguntei a Lopez sobre as conversas que os dois tiveram antes de retomar um romance que no passado teve o poder de torpedear dois filmes e colocar em risco suas carreiras. "Contato de Risco" e o subsequente "Menina dos Olhos" fracassaram já desde a estreia, em parte por causa dos problemas no relacionamento do casal.

Será que eles discutiram uma estratégia sobre como lidar com o frenesi de mídia que acompanharia seu reencontro? "Eu diria que aprendemos nossa lição da primeira vez", ela respondeu, com um suspiro. E que lição foi essa?

"Considerar o amor como sagrado", ela acrescentou, "Você precisa fazer o que o agrada o tempo todo. Mas ao mesmo tempo, aprende com o passado e faz as coisas melhor da segunda vez. Existe uma parte da história que diz, sim, estamos juntos. Mas existe outra parte que envolve não sermos tão abertos quanto éramos quando éramos jovens e estávamos apaixonados, anos atrás. Sabe?"

E quanto a tudo que ela compartilhou com o público sobre seus quatro anos de relacionamento com Alex Rodriguez, antigo astro do beisebol do New York Yankees, da presença constante dos dois juntos em eventos de tapete vermelho às fotos familiares que os mostravam em companhia de seus filhos? Os dois chegaram a tentar comprar o New York Mets, outro time de beisebol, em 2020, mas foram derrotados por um lance mais alto.

"Quando você está envolvido em alguma coisa, faz o que considera certo. Não fico me lamentando e pensando que gostaria de ter feito isso ou aquilo de outro jeito, ou imaginando que eu talvez tenha feito demais", ela disse. "Fiz o que me parecia confortável naquele momento. Fiz o que fiz. Ele fez o que ele fez. E tudo bem. O que aconteceu nada tinha a ver com o nosso relacionamento ser ou não ser público".

Uma coisa parece clara: Lopez é extremamente romântica, e apesar de três casamentos e de outros relacionamentos fracassados, continua a acreditar no destino. É essa a linha central de seu novo filme, e também parece ser a de sua vida, e ela não pretende mudar isso, pelo menos no futuro previsível.

"Não se pode viver a vida e pensar que nas coisas apenas como erros: Errei aqui. Errei lá. Não, tudo são lições", ela disse. "O que importa realmente é o que você pode extrapolar disso e vai ajudá-lo a crescer e chegar ao próximo nível de compreensão de você mesmo, de encontrar a você mesmo e de fazer as pazes com sua vida, fazer as pazes com a pessoa que você é".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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