Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Cinema e Séries
Descrição de chapéu Cinema

'Encarcerados' retrata a rotina de medo e insegurança dos carcereiros

Baseado em livro de Dráuzio Varela, documentário estreia nesta quinta

Documentário 'Encarcerados', i Inspirado no livro do Drauzio Varella

Documentário 'Encarcerados', i Inspirado no livro do Drauzio Varella Divulgação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O documentário “Encarcerados”, inspirado no livro “Carcereiros” do médico Drauzio Varella, apresenta o sistema prisional sob a perspectiva dos carcereiros de diferentes gerações e de ex-detentos. Filmado em oito penitenciárias de São Paulo antes da pandemia de Covid-19, o longa estreia nos cinemas nesta quinta-feira (26).

Quem leu o livro que originou o filme vai ficar impressionado com a fidelidade dos diretores Claudia Calabi, Fernando Grostein Andrade e Pedro Bial à obra. O longa traz imagens internas das penitenciárias e depoimentos dos agentes sobre o dia a dia da profissão e os medos, como o de entrar sozinho nos pavilhões para abrir e fechar as celas dos presos e o risco de morrer nas rebeliões.

“O documentário se preocupa não apenas em informar, mas em propiciar uma experiência para o espectador para que ele possa ver pelos olhos dos personagens que estão contando a sua história. Nós estamos ali como documentaristas buscando contar a história dos carcereiros como se fosse do ponto de vista deles”, explica Bial.

No documentário, uma das carcereiras lembra do período em que eles foram ameaçados de morte pelo PCC, facção criminosa que atua dentro e fora dos presídios. A carcereira conta que um dia deixou a penitenciária de carro com o marido dirigindo e ela segurando uma arma para se defender caso fosse alvo de ataque. Outro agente fala que começou a agir de maneira agressiva com a família devido ao convívio no sistema penitenciário.

Paralelo às histórias dos carcereiros, o filme mostra as celas superlotadas com detentos dormindo em redes improvisadas com tecidos, o espaço insalubre e repleto de mofo. Uma das cenas marcantes do documentário é quando o carcereiro tranca a cela lotada e os presos, ao verem a câmera, ficam gesticulando com as mãos por uma minúscula janela para dizer que o local está superlotado.

Pedro Bial conta ainda um episódio engraçado que aconteceu longe das câmeras quando ele foi reconhecido por detentos jovens do semiaberto, que assistiam pela televisão ao Big Brother Brasil. “Quando eles viram o cara do BBB falaram ‘elimina eu Bial, elimina eu’ para saírem daquele confinamento. Algo absolutamente inesquecível para mim”, diz Bial.

Grostein revela que o projeto começou para ele alguns anos antes, quando criou o filme “Quebrando o Tabu” (2011), que debate a temática das drogas. Ele fala que ficou com muita necessidade de conhecer a penitenciária e entrou em contato com Drauzio.

A partir disso, o cineasta quis se aprofundar no tema e acabou descobrindo o trabalho dos agentes com um grupo de teatro na Penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos. “Eu cheguei lá e o grupo de teatro estava desativado. Em conjunto com a Claudia Calabi, eu ajudei a reativar o grupo e convivi muito tempo ali com os agentes e desenvolvemos uma relação."

O cineasta admite que na época ficou com um pouco de medo e foi procurar Drauzio, que disse que pessoas de classe média como eles conseguem ampliar a visão de mundo quando entram em contato com essas pessoas.

“Eu acho que é fundamental destacar aqui o quanto o Drauzio foi sensível para escrever esse livro, o quanto o Pedro [Bial] foi visionário de encontrar uma obra com potencial audiovisual. Eu tive a sorte de ser parceiro da Calabi em muitos trabalhos, ela tinha uma pesquisa muito ampla no sistema penitenciário."

Calabi destaca as diferenças de gravar o documentário em presídios masculinos e femininos. Segundo ela, era muito mais tranquilo gravar no presídio masculino devido ao contato com os agentes penitenciários e lideranças. Quando ela entrava na gaiola, que antecede a entrada no espaço, os presos anunciavam a sua chegada.

“Eles começam a gritar: ‘feminina’. Esse grito vai ecoando até o campo de futebol e, pelas regras do PCC, eles têm que vestir a camisa. Eu nunca ia entrar despercebida", afirma a cineasta.

Já na penitenciária feminina, Calabi diz que entrou algumas vezes, mas sentiu uma vibração diferente e foi provocada pelas detentas. Ela diz que até para fazer acordos de filmagens era mais complicado porque não tinha uma liderança. “Eu sou muito mais assediada no feminino, ouço muito mais piadas de cunho sexual ou qualquer coisa assim."

A produtora executiva Andrea Giusti fala da importância durante as filmagens de manter carcereiros seguros e manter códigos de ética importantes para eles durante o dia a dia das gravações. Ela diz que foi um desafio, mas ao mesmo tempo toda a equipe aprendeu muito com isso. “Faço minhas as palavras do Fernando de como esse projeto ampliou a visão de mundo de todos os envolvidos”, diz Andrea.

Drauzio compara a oportunidade de ter os livros “Carandiru” e “Carcereiros” adaptados para o cinema às pessoas que fazem uma única aposta e ganham muito dinheiro. Ele afirma que escreveu o livro devido a admiração que sente pelos agentes penitenciários que são jogados dentro do presídio para manter aquelas pessoas indesejáveis trancadas.

“No entanto, a convivência com esses homens me trouxe essa admiração pelo trabalho que eles fazem e pelas contradições dele. Você tem pessoas altamente generosas, outras que se envolvem na corrupção e aquelas coisas todas que a condição humana leva a acontecer”.

O médico afirma que achou o máximo quando Bial falou que queria fazer o documentário sobre o livro. Mas ele não tem o costume de se intrometer nas adaptações para cinema e TV dos seus livros porque não acha correto o autor ficar dando palpite em uma obra que vai ser feita por outro.

“Eu vi o documentário bem no começo, eu adorei. Ali está o livro, é lógico que quando a gente reconhece o livro que a gente escreveu dá sempre uma sensação muito boa de ver o que você escreveu transformado em outra linguagem."

O filme é dedicado ao agente penitenciário Roney, um dos que mais ajudaram no processo de pesquisa do documentário, que morreu em decorrência de complicações da Covid-19. "O Roney para mim era o meu Adriano [agente da série ‘Carcereiros’ interpretado por Rodrigo Lombardi]. Quando eu tinha que pensar na série, na ficção, minha inspiração direta era o Roney”, diz Calabi.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem