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Para as mulheres africanas que amam Diana, 'The Crown' tem algo de pessoal

'Para nossas mães, Diana era como Beyoncé', diz rapper queniana

Príncipe Charles (Josh O’Connor) e Diana (Emma Corrin) em cena da série “The Crown”

Príncipe Charles (Josh O’Connor) e Diana (Emma Corrin) em cena da série “The Crown” Des Willie/Netflix

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Tariro Mzezewa

Atenção! Contém spoiler da quarta temporada.

A mais recente temporada da série "The Crown" foi uma montanha-russa emocional para Aulbright Nyih. Inicialmente comovida por ver a princesa Diana na tela, quando chegou o terceiro episódio ela foi levada às lágrimas ao ver retratada a bulimia da princesa.

Nyih em seguida começou a amaldiçoar o príncipe Charles, quando ele e seus assessores tentaram impedir Diana de ver seu filho. E quando o príncipe começou a sentir ciúmes da popularidade de Diana, a vontade de Nyih era jogar alguma coisa na televisão.

“Eu chorei muitas vezes, assistindo a esta temporada”, diz Nyih, estudante de odontologia em Dublin. Ainda que Nyih tenha nascido depois da morte de Diana, que aconteceu em 1997, a mãe dela, que é camaronesa, falava da princesa como se a conhecesse pessoalmente.

Uma piada constante entre as mulheres da geração Z e da geração milênio que têm mães africanas é que a princesa Diana sempre foi a melhor amiga delas. "Todo mundo sabe que as mães africanas amam Diana", diz Wangechi Waveru, uma rapper queniana cuja mãe também era fã de Diana. "Para nossas mães, Diana era como Beyoncé."

A postura de Diana, o cuidado dela com seus filhos, seu trabalho de caridade e sua devoção ao continente africano, que ela visitou diversas vezes –tudo isso atrai as mulheres que continuam a sentir uma forte conexão para com a princesa, assim como atrai suas filhas. Algumas mulheres africanas levam o nome da princesa. Uma busca pelos termos “mães africanas e Diana” na mídia social resultou em centenas de resultados.

Muitas das mulheres que adoram Diana vêm de países que um dia foram colônias britânicas, e cresceram durante ou logo depois de períodos de domínio colonial opressivo –o que pode dificultar compreender por que elas veem a família real da antiga metrópole como algo positivo. Mas todas as mulheres entrevistadas para este artigo dizem que elas e suas mães encaram Diana como indivíduo, e não a consideram maculada pelo passado colonial.

Minha mãe, que viveu a maior parte de sua vida na Zâmbia e em Zimbábue e é fã leal de Diana desde a década de 1980, disse que a nova temporada da série confirmou muito do que ela já acreditava sobre a família real –especialmente que a frieza com que seus integrantes tratavam Diana causou depressão à princesa. Ela abandonou a série na metade da temporada, porque considera o desempenho de Emma Corrin no papel da princesa como real demais.

Depois do casamento com o príncipe Charles, Diana é retratada em "The Crown" como jovem, ingênua e isolada no Palácio de Buckingham, enquanto seu marido prefere a companhia da amante, Camilla Parker Bowles. À medida que a temporada avança e a fama de Diana cresce em todo o mundo, ela vai se tornando cada vez mais solitária e desamparada em sua vida pessoal, e Charles (Josh O’Connor) e a família real ou a ignoram ou a criticam. A temporada despertou reações fortes tanto dos fãs quanto dos críticos da família real.

Mas para as mulheres africanas de diversos países e para as filhas a quem elas transmitiram seu amor pela antiga princesa de Gales, a recriação da vida solitária dela como membro da família real repercute de modo pessoal. Sarah Nsibirwa, farmacêutica na Pensilvânia e originária de Uganda, diz ter assistido à primeira metade da temporada com sua filha de 29 anos, e a segunda com sua filha de 26 anos, em quatro dias.

"Para qualquer mulher que tenha passado pela experiência de descobrir que seu marido não é fiel ou que conheça alguma mulher que tenha passado por isso, assistir ao que aconteceu com Diana tem um lado pessoal", diz Nsibirwa. "Todas compreendemos o quanto custa manter um sorriso no rosto enquanto estamos queimando por dentro."

Mesmo com o conhecimento de que os criadores da série tomaram algumas liberdades criativas, para as fãs da princesa na África e entre as integrantes da diáspora africana, acompanhar "The Crown" era como assistir a uma amiga próxima sofrendo abusos e trauma.

"A negligência emocional que ela sofreu era claramente perceptível", diz Diana Umana, compositora e descendente de primeira geração de imigrantes africanos –seus pais são da Nigéria. "O número de vezes em que ela ligava para Charles e ele não atendia. A insistência deles em mantê-la separada do filho. Tudo que ela estava sentindo era completamente normal, mas todos a manipulavam, de Charles e Camilla aos seus assessores e a rainha."

Umana, 28, afirma que seu nome se deve em parte à princesa e em parte aos seus pais terem decidido escolher um nome que todos tivessem facilidade para pronunciar.

Diversas mulheres afirmaram que a interpretação de Corrin para Diana, como uma jovem enigmática arremessada a um casamento para o qual ela não estava pronta, as fazia recordar suas mães, tias e outras mulheres africanas em suas vidas.

"Creio que as mulheres africanas de uma certa geração se viam sendo forçadas a casar, e imaginando que seria como um conto de fadas, mas depois descobrindo que precisavam dividir seus maridos com as famílias deles, talvez com outras mulheres, talvez com substâncias viciantes", diz Rudo Manyere, do Zimbábue, que vive em Oxford, Inglaterra, e mantém um blog. (O nome do meio de Manyere é Diana, e foi inspirado pelo da princesa.)

"Diana era diferente do restante da família real porque tinha aquele espírito rebelde”, afirma Stephanie Kalulu, que nasceu na Zâmbia e agora vive em San Diego. "Assistir à série é perturbador porque a sensação era a de que ela foi colocada em uma armadilha. Alguém permitiu que ela se casasse com aquele homem que amava outra pessoa. Ela estava condenada desde o começo."

"The Crown" também fez redespertar a forte rejeição a Parker Bowles que nasceu décadas atrás em função da narrativa simplória dos jornais sensacionalistas britânicos, que a retratavam como a amante destruidora de lares. "Quando menina, eu não sabia bem o motivo, mas compreendia que nós, como coletivo de mulheres em minha família, não gostávamos de Camilla", diz Aida Sykes, uma especialista em negócios tanzaniana cujo foco são questões de gênero e inclusão; ela trabalha em Dar es Salaam. "Lembro-me de caminhar em círculos dizendo o nome dela em voz alta, como você diz o nome de um vilão."

Mas assistir à quarta temporada da série, Sykes e outras pessoas disseram, as fez perceber o quanto o relacionamento entre Charles, Camilla e Diana realmente era complicado, e o quanto já durava a história do príncipe e Parker Bowles quando Diana entrou em cena. A cada episódio se torna claro que o verdadeiro vilão foi a família que encorajou o casamento de Diana e Charles, dizem as mulheres.

"Você sente que a culpa por tudo que aconteceu cabe à família real, e talvez eles devessem ter deixado que Camila e Charles continuassem juntos, porque as ramificações daquele relacionamento para Diana foram devastadoras", diz Sue Nyathi, escritora zimbabuense que vive na África do Sul.

O novo romance de Nyathi, "A Family Affair", conta a história de Zandile, 22, que se casa com um homem mais velho e se desilude com o relacionamento. Nyathi vê Diana em sua protagonista.

Diversas mulheres disseram que, ao assistir à série, sentiam um desejo urgente, e irrealizável, de falar com a TV e avisar Diana, como avisariam a uma grande amiga, que ela jamais será a mulher que o homem com quem está ama de verdade, e de aconselhá-la a desistir.

Para muitas das mulheres africanas e mulheres negras de todo o mundo que amam Diana, esse amor e lealdade se traduz em um amor pelos dois filhos da princesa, William e Harry. Ao assistir a "The Crown", muitas mulheres dizem ser difícil não comparar as experiências de Diana às de Meghan Markle, a mulher do príncipe Harry –diante da cobertura ininterrupta pela imprensa, das críticas constantes, da falta de apoio público da família real.

Muitas mulheres disseram em entrevistas que, porque Markle, que se tornou duquesa de Sussex, é birracial, sua experiência talvez seja ainda mais difícil do que a de Diana. "A série cristaliza que a única maneira de funcionar que essa família conhece é que todos sacrifiquem suas individualidades pelo bem da monarca, o que significa que a monarca estabelece os limites", diz Sykes.

"Ninguém pode ser mais carismático, ter um relacionamento melhor ou ter uma ética de trabalho superior à da monarca. Mas quando contemplo Harry e Meghan, percebo que eles passaram do limite, como Diana. E, como no caso de Diana, jamais existiu um mundo em que Meghan poderia durar, como parte daquela família."

E isso mostra por que Diana, Harry e Meghan se afastaram da família real. Muitas mulheres disseram sentir que, ao deixar a família, Harry acabou com a maldição que se abateu sobre os Windsor durante toda uma geração. "É como se existisse alguma linha de energia espiritual em operação, com Harry, Meghan e Diana de um lado e o restante da família real do outro, e a mesma coisa que disse a Diana que era hora de sair lhes aconselhou que agissem do mesmo modo", diz Sykes.

Tradução de Paulo Migliacci. 

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