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Olivia Colman: 'Estou ligeiramente apaixonada pela rainha, no momento'

Estrela de 'The Crown' fala sobre seu duelo com Gillian Anderson nas telas

Olivia Colman em cena da quarta temporada de 'The Crown'

Olivia Colman em cena da quarta temporada de 'The Crown' Des Willie/Netflix

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Emanuel Levy
Financial Times

"Eu na verdade não conheço essas pessoas. Estamos criando um drama com base na realidade –alguns dos fatos nós conhecemos, e o resto vamos inventando." Olivia Colman, 46, está falando de sua casa, na zona sul de Londres, sobre a temporada quatro da série "The Crown", que chegou à Netflix em 15 de novembro.

Depois de assumir na terceira temporada o papel da rainha Elizabeth 2ª, antes interpretado por Claire Foy, Colman conquistou um Globo de Ouro pelo seu trabalho, e desta vez os críticos apontaram que ela interpreta a rainha com muito mais ataque.

A série continua a cativar sua enorme audiência, com grandes mudanças de elenco a cada dois anos e diálogos aguçados que soam reais mesmo que sejam ficção. A atual temporada vê a chegada de dois novos personagens importantes: a jovem Diana Spencer (Emma Corrin), muito ansiosa por se tornar princesa, e Margaret Thatcher (Gillian Anderson), uma primeira-ministra conhecida por seu relacionamento difícil com o Palácio de Buckingham. A temporada cobre os 11 anos de reinado de Thatcher (1979-1990).

Fica bem claro que Colman apreciou a oportunidade de explorar o relacionamento entre duas mulheres muito diferentes e muito teimosas, tal como roteirizado por Peter Morgan, criador da série (e roteirista do filme “A Rainha”, de 2006). Colman diz que “a primeira impressão seria a de que Elizabeth e Thatcher deveriam se dar bem”, ela diz. "As duas têm a mesma idade, a mesma energia, a mesma devoção aos seus pais, a mesma ética de trabalho. Mas isso não acontece, o que, creio, torna a série mais interessante. Não surge a bela amizade que a rainha no começo esperava que existiria."

Porque as atitudes das duas contrastam a tal ponto, o imperativo constitucional de que a rainha mantenha o silêncio sobre política é testado ao máximo. Na interpretação de Colman, isso se torna uma aula magna de contenção rigorosa. Ela conta que Morgan escreveu “alguns diálogos excelentes” entre a rainha e Thatcher, mas que eles às vezes eram trabalho duro para as atrizes.

"Nas cenas da sala de audiências em que contraceno com Gillian Anderson, algumas linhas eram muito pesadas. Em uma locação, tivemos de gravar todas essas cenas em sequência. Mas é incrivelmente fácil trabalhar com Gillian. De vez em quando eu me arrepiava de verdade, porque ela se tornava tão parecida com a figura real. E de repente, depois que o diretor dizia ‘corta’, ela imediatamente sorria e começava a brincar comigo", diz.

O riso é claramente importante demais para Colman. Atriz de extraordinária versatilidade, seus sucessos iniciais vieram em papéis cômicos, e isso prosseguiu com mais um papel premiado, como a madrinha cáustica da série “Fleabag”, grande sucesso na TV. Ela também foi aclamada por trabalhos dramáticos mais convencionais, na série policial “Broadchurch” e no thriller de espionagem “The Night Manager’.

Mas foi com “A Favorita”, na qual ela interpretou a espetacularmente excêntrica rainha Anne, que Colman emergiu como estrela internacional, conquistando o Oscar como melhor atriz no ano passado. O sucesso parece destinado a continuar com seu trabalho ao lado de Anthony Hopkins em “The Father”, um drama sobre demência senil que pode levá-la ao Oscar do ano que vem.

Enquanto isso, interpretar a rainha, um papel que evolui ao longo dos anos, trouxe desafios especiais. À medida que o tempo passa, há mais ansiedade por sob a fachada de calma. "Ela continua a encontrar dificuldade para se adaptar às mudanças no mundo externo. É uma preocupação constante para ela determinar se a família real está perdendo contato com a realidade, se deixou de acompanhar a passagem do tempo."

E embora seu casamento (com Tobias Menzies como príncipe Philip) tenha passado por momentos turbulentos na terceira temporada, agora, ela diz, “vocês verão um rei e rainha muito mais assentados, com uma mudança de foco para os problemas que começam a surgir em seu relacionamento com os filhos adultos”. Afirmar, como ela faz, que a rainha parece ter sentido “alguma dúvida sobre sua competência como mãe, quando era mais jovem”, provavelmente é amenizar a questão.

Quanto ao outro relacionamento novo e significativo para a personagem, entre Elizabeth e sua futura nora, ela diz que “a rainha está muito ciente da juventude e da inexperiência de Diana. Ela não se parece com qualquer criatura que Elizabeth tenha encontrado no passado. Há maneiras certas de fazer as coisas: mantenha a cabeça baixa, não se queixe, chegue a um acordo, etc., mas Diana não segue as regras da família real, e isso complica muito as coisas para a rainha”.

À medida que a popularidade de Diana aumenta, seu relacionamento com Charles continua a se degradar e “por trás de portas fechadas”, diz Colman, “a rainha acompanha a deterioração de um casamento, o que ela acredita possa vir a ameaçar a monarquia em termos mais amplos”.

Colman acredita que aquilo que manteve a rainha firme durante aqueles anos tumultuosos foi o seu senso de dever inflexível. “Ela teve de se fazer recordar que havia assumido o compromisso de desempenhar aquele papel. Ela leva esse tipo de coisa a sério. Sua fé a ajuda a manter a persistência, o que significa que ela nunca está disposta a deixar alguém sem amparo”.

O senso de dever para com a vocação da pessoa é algo que Coleman mesma parece compreender e apreciar. Ela se descreve como uma atriz “bem comportada”, dizendo que “costumo fazer o que me mandam. Jamais liguei para Peter para dizer que não faria alguma coisa. Está bem, admito que às vezes eu odiava que algumas falas fossem tão longas, mas era só isso”.

Como sabe qualquer pessoa que tenha assistido a um de seus discursos em cerimônias de premiação, Colman é famosa por seu senso de humor autodepreciativo, e ele se estende a “The Crown”. Ela diz que “nesta temporada minhas têmporas começam a mostrar traços grisalhos, e minhas sobrancelhas perdem espessura. Meu envelhecimento natural deve ter ajudado um pouco na maquiagem”.

Ela encontrou tempo para curtir os cenários suntuosos da série. “Um dos maiores privilégios desse trabalho foi o acesso aos lugares mais lindos. Wilton House era um de nossos favoritos, e Somerleyton Hall foi um novo set que adorei, este ano”. Mas o melhor foi o palácio de Balmoral. “É tão devastadoramente bonito, tão amistoso”, ela diz, empolgada. “Filmar nos arredores, em todos aqueles ‘lochs’ e colinas, foi emocionante”.

Mas a passagem de Colman pelo trono está chegando ao fim. Na próxima temporada, a rainha será interpretada por outra atriz britânica renomada, Imelda Staunton, mais conhecida por seu desempenho em “Vera Drake”, de Mike Leigh, que lhe valeu uma indicação ao Oscar. “Não conversei com Imelda, e nem ousaria oferecer qualquer conselho”, diz Colman. “Ela é extraordinária e vai tornar o papel muito melhor. Fico com muita inveja de toda a diversão que ela vai ter, mas também empolgada para ver o que ela fará; provavelmente vou ficar me criticando, pensando que devia ter interpretado certas coisas exatamente como ela estará fazendo”.

Colman demonstra admiração semelhante pela monarca. “Tendo feito o papel da rainha, estou ligeiramente apaixonada por ela, agora. Acho que, entre todas as pessoas da realeza, ela tem uma humildade e um estoicismo que me impressionam demais”.

Mas Colman não diz conhecer a ranha. “Compreendo nossa versão da rainha, mas jamais ousaria dar a entender que compreendo a rainha de verdade. Podemos nos imaginar vivendo no lugar de outra pessoa, mas eu não seria presunçosa a ponto de declarar que sei exatamente pelo que ela está passando. De maneira alguma”.

E há, evidentemente, a vida depois de “The Crown”. A atriz, prolífica e muito industriosa, realizou dezenas de trabalhos em seus 20 anos de carreira, e em meio a eles encontrou tempo para ter três filhos com seu marido Ed Sinclair; agora, ela tem mais dois filmes em pós-produção. No ano que vem, ela interpretará a Sra. Niven em “Mothering Sunday”, adaptação do romance de Graham Swift por Eva Husson, e estrelará como Leda em “The Lost Daughter”, de Maggie Gyllenhaal, adaptado de um livro de Elena Ferrante: duas obras literárias que devem expor com perfeição a intensidade que caracteriza Colman.

A despeito de toda essa atividade, Colman está concluindo sua passagem por “The Crown” com sentimentos contraditórios. “Como atriz, fico empolgada por fazer muitos outros papéis, é claro, mas adorei esse trabalho, e vou sentir falta de conversar e rir com o pessoal todo no set. Nós realmente nos divertimos como nunca, e será difícil encontrar outro grupo de pessoas de quem eu goste tanto”.

*

A SUBIDA DE OLIVIA COLMAN AO TRONO

“Peep Show” (2003-2015)
Muitos fãs ainda associam Colman ao papel que primeiro chamou atenção para o seu talento, na sitcom em que ela demonstrou seu lado cômico interpretando Sophie, uma personagem que ela expandiu com sutil brilhantismo por nove temporadas, e fez dela presença regular na TV britânica.

"Chumbo Grosso" (2007)
Levando seu estilo caloroso de comédia ao cinema, Colman começou a ganhar destaque por seus papéis coadjuvantes. Um dos mais memoráveis, no começo, foi o da policial Doris Thatcher, a única policial em uma aldeiazinha sonolenta em Gloucester e uma brincalhona incapaz de resistir a piadinhas de duplo sentido.

“Tiranossauro” (2011)
O sombrio filme de Paddy Considine sobre abuso doméstico e alcoolismo marca a virada de Colman para papéis mais dramáticos. Ela demonstrou sua capacidade de expor emoções em forma bruta ao interpretar a sofrida Hannah, trabalhadora na loja de uma instituição de caridade, casada com um homem violento, e que faz amizade com um viúvo autodestrutivo.

"Broadchurch" (2013-2017)
Depois de “Chumbo Grosso”, Colman interpretou uma policial de modo mais sério nessa aclamada série policial da ITV, conquistando um prêmio Bafta e um Emmy pela complexidade emocional de seu retrato da detetive Ellie Miller, contracenando com David Tennant.

“O Lagosta” (2015)
Colman se diverte com a comédia absurda do filme de humor negro de Yorgos Lanthimos sobre um futuro distópico no qual os solteiros são transformados em animais caso não encontrem pares. Como gerente de um hotel usado para encontros românticos, ela mistura charme e sadismo em igual medida, na sua interpretação.

“The Night Manager” (2016)
Susanne Bier integrou a gravidez de Colman à linha narrativa de sua personagem, depois que ela foi escalada como a agente de inteligência Angela Burr nessa elegante série de espionagem, o que permitiu que Colman exibisse uma combinação única de profissionalismo e instinto materno que lhe valeu um Globo de Ouro.

"Fleabag" (2016-2019)
Colman uma vez mais exibe seu talento para o humor seco, como a madrinha da protagonista na série de Phoebe Waller-Bridge, fazendo de seu papel coadjuvante uma vilã inesquecível que mal consegue ocultar seu desprezo pela filha de seu parceiro.

“A Favorita” (2018)
Lanthimos voltou a recorrer a Colman para essa comédia de época na qual ela interpreta a rainha Anne, adoentada e exibindo sinais claros de desequilíbrio. Seu desempenho repleto de dores como a soberana neurótica lhe valeu o Oscar de melhor atriz.

Tradução de Paulo Migliacci.

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