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'Agents of S.H.I.E.L.D.': os bastidores do emotivo final da série

Após sete temporadas de sucesso, final 'acompanha' realidade de 2020

Chloe Bennet, Clark Gregg, Elizabeth Henstridge, Henry Simmons e Iain De Caestecker - ABC
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Jennifer Vineyard

Atenção: a entrevista abaixo tem “spoilers” sobre o episódio final da série “Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.”.

Quase oito anos atrás, o casal de roteiristas Jed Whedon e Maurissa Tancharoen marcou uma reunião em um restaurante de sushi em Brentwood com Joss, o célebre irmão mais velho de Jed, e dois executivos da Marvel Television. Os irmãos Whedon e Tancharoen já tinham colaborado no musical "Dr. Horrible’s Sing-Along Blog" (com a ajuda de outro dos irmãos Whedon, Zack), e escreveram "Dollhouse", série que terminou cancelada rapidamente pela Fox TV.

A nova ideia deles era uma série de TV que se passaria no Universo Marvel, sobre a S.H.I.E.L.D. (sigla em inglês para divisão de segurança estratégica de intervenção, fiscalização e logística), cujas funções eram investigar o paranormal e o sobrenatural. O orçamento da série proposta seria uma fração do investido nos filmes da Marvel, mas ela teria como personagem central um dos personagens dos filmes, o agente Phil Coulson (Clark Gregg).

"Sabíamos que a série teria os personagens como foco, e levaria o público a conhecê-los aos poucos, com a lenta construção de uma equipe que se torna uma família", disse Jed Whedon, que supervisionava a série, com Tancharoen e Jeffrey Bell.

A produção resultante, "Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.", teve sete temporadas de sucesso na rede de TV ABC, encerradas nas últimas semanas com um complicado episódio final de duas horas de duração. Isso não parecia muito provável, depois de uma estreia não muito positiva em 2013.

Alguns críticos queriam conexões mais vistosas com os filmes da Marvel –onde está o Homem de Ferro?– e a série tinha de operar à sombra dos filmes: a existência de magia só pôde ser mencionada depois de ser revelada em "Dr. Estranho", filme de 2016; e os "life model decoys", uma espécie de androide, não podiam ser mostrados antes que um androide aparecesse como personagem em "Vingadores: Era de Ultron".

Mas depois de algumas temporadas, a série começou a se reinventar, com personagens saracoteando pelo tempo, espaço e realidades alternativas. Quando os roteiristas puderam se libertar da cronologia e das restrições narrativas impostas pelos filmes (eles até ignoraram algumas delas), o sucesso da série começou a crescer. "Fomos autorizados a inventar histórias", disse Jed Whedon. "Foi libertador."

Na temporada final da série, os agentes da S.H.I.E.L.D. saltavam de década a década, com uma parada pelos anos 1980 para um momento de pura alegria nerd: ver o agente Coulson como Max Headroom. Mas a série jamais perdeu seu centro emocional: o relacionamento entre os agentes Fitz (Iain De Caestecker) e Simmons (Elizabeth Henstridge), que cruzaram a galáxia mais de uma vez para ficarem juntos, mas sempre terminavam separados.

No episódio final, eles por fim se reúnem, quando Fitz ajuda a equipe a salvar a S.H.I.E.L.D. e a Terra da conquista por uma raça alienígena. Em entrevista por telefone, Tancharoen e Jed Whedon discutiram o final de "Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.". Abaixo, trechos editados da conversa.

*

Dois anos atrás, vocês criaram um episódio final da temporada cinco que poderia servir como conclusão da série, caso ela fosse cancelada. Como isso afetou o planejamento para o final real?
Tancharoen - É estranho, porque nossa sensação é a de que já nos despedimos da série diversas vezes. Nós concluímos as histórias de todo mundo, com laços de fita e tudo, no final da temporada cinco.
Whedon - Queríamos que agora fosse diferente, que não fosse uma nova despedida. Nós decidimos priorizar a sensação de nostalgia, a sensação de ir adiante enquanto a vida muda ao seu redor. É uma sensação de perda. Vidas mudam. Caminhos se separam. Há aquele anseio, nostalgia e conexão com gente com a qual você passou tanto tempo.
Tancharoen - Não estava trabalhando só com minha família da série, mas com minha família real. Meu pai estava lá desde o começo, trabalhando na parte de transporte. Meu irmão (Kevin Tancharoen) dirigiu mais de uma dúzia de episódios. Tenho muitas lembranças de minha filha sentada no colo da produtora Megan Thomas Brandner, e de ver meu marido conversando com meu irmão, definindo uma tomada, e meu pai por perto, na área técnica. Muita coisa de nossa experiência pessoal vaza para aquilo que estamos tentando dizer. Levar os personagens um ano adiante no futuro também intensifica a sensação agridoce, porque fica claro que eles seguiram adiante. Estão se ajustando às suas novas vidas.
Whedon - No último dia, nós fomos assistir à última cena e Chloe Bennett tinha lágrimas nos olhos. Ela começou na série (como Skye/Daisy/Quake) aos 20 anos, cresceu com ela, e o fim estava chegando. Foi um momento muito agridoce. Todos ficamos com vontade de chorar.
Tancharoen - Não tínhamos ideia de que estávamos prevendo o futuro próximo, com o distanciamento social, as conversas virtuais em Zoom entre os personagens. Tudo isso foi concebido antes de 2020, é claro. Se estivéssemos desenvolvendo a temporada final agora...
Whedon - Teríamos uma história sobre vírus. O tom seria diferente.

Se vocês estivessem desenvolvendo a série agora, teriam feito mais referência ao sexismo e racismo das décadas de 1930 e 1950, que os personagens encontraram ao viajar a esses períodos em uma das temporadas?
Tancharoen - Haveria mais oportunidade de fazer isso, com Mack (Henry Simmons), obviamente. Mas pudemos transformar essas questões em metáforas e tratar delas com as viagens no tempo, e tendo Deke (Jeff Ward), um homem que vive fora do tempo, para comentar o quanto a injustiça racial e social é absurda. A descoberta do que era privilégio branco, por ele, foi muito divertida de conduzir. Quando propusemos a série inicialmente, todos queríamos que refletisse o mundo em que vivemos e aquilo que ele aspira a ser –um mundo repleto de diversidade, onde homens e mulheres estão em pé de igualdade na hora de combater pela boa causa. Isso sempre foi evidente na série, diante das câmeras, por trás das câmeras, e também em nossa narrativa. Era uma série sobre amor e esperança, repleta de rostos bonitos e diversos.

Perder Iain De Caestecker para outras produções quis dizer que ele esteve ausente por boa parte da temporada. Como vocês resolveram o problema? Vocês chegaram a se preocupar por estarem mantendo Fitz e Simmons separados demais?
Whedon - No final da temporada seis, já sabíamos que teríamos muito pouco Fitz. Por isso adotamos a ideia da viagem no tempo, sabendo que isso criaria um quebra-cabeças bem difícil de montar. Para Fitz, uma das coisas que justificam a situação é que, para ele, apenas um instante passou. E sabíamos que seria uma injeção de adrenalina para a produção e os atores poderem trabalhar em períodos diferentes e contar histórias baseadas na história da S.H.I.E.L.D..
O problema é que são tantos detalhes! E com as histórias sobre viagens no tempo, qualquer meada solta pode se transformar em problema, transformar melhores amigos em inimigos e causar guerra na sala dos roteiristas (risos). Um par de especialistas em viagens no tempo produziu diagramas para que conseguíssemos compreender a coisa, e manter a consistência com o Universo Marvel e tudo que tínhamos feito no passado. A resposta resumida é que resolvemos parte do problema.

A mudança nas linhas do tempo da série bastou para acomodar os acontecimentos de “Vingadores: Guerra Infinita” e “Vingadores: Ultimato”? A série se reenquadrou aos filmes Marvel, no fim? Eu realmente me atrapalhei com a sequência do tempo.
Tancharoen - É isso que fazemos com os espectadores. Eu mesma ainda estou meio confusa.
Whedon - Parte do que fizemos com a viagem do tempo em “Ultimato” indicava que existiam outras linhas do tempo nas quais outras aventuras estavam acontecendo. Estamos seguindo a regra dos multiversos. A única forma de alguém sobreviver a Thanos nos filmes é ir para o reino quântico, e nosso plano original era mencionar isso –porque usamos o reino quântico para movimento entre uma e outra linha do tempo. Mas isso foi cortado por motivos de tempo.
Tancharoen - Fica bem claro que Fitz e Simmons agora vivem a vida que queriam, aposentados e criando sua filha.
Whedon - Quanto a todo mundo, eles estão em uma nova jornada, o que permite que a audiência decida o que deseja que aconteça a seguir.
Tancharoen - Aquela imagem emblemática, do final de Coulson, voltando para o que quer que o aguarda? Me faz chorar. Há tantas linhas derivadas que poderiam acontecer, com Quake no espaço, Souza e Kora...
Whedon - Todas as aventuras em Kitson. As histórias vão continuar. Penso nisso como aquele “fade” final de uma canção que você ama, que permite que a gente continue a cantá-la em nossas cabeças.

Presumo que Deke continue a usar seu conhecimento do futuro, cantando canções dos anos 1980 antes que elas sejam compostas? Não vemos como ele se sai, em sua linha do tempo alternativa.
Whedon - Chegamos a falar em uma cena que mostre o que ele está fazendo, mas isso prejudicaria o desenvolvimento emocional. Ele estaria cantando “Money for Nothing” no Madison Square Garden, mas para uma operação da S.H.I.E.L.D..
Tancharoen - Teria sido a nossa cena ideal para rodar os créditos.

Algum outro desejo não realizado? Um episódio musical, quem sabe, já que Jed compõe música e Chloe Bennet era uma cantora pop?
Tancharoen - Se esse seria o nosso maior desejo? Sim. Se houvesse uma temporada oito, o elenco todo adoraria a oportunidade, e todos eles sabem dançar.
Whedon - E Quake é capaz de controlar vibrações. Mas realizamos muitos outros desejos. Nesta última temporada, enfileiramos um monte de tubarões a cada episódio e pulamos sobre todos eles.

Ao contrário do que aconteceu com os agentes da S.H.I.E.L.D., essa não será a última missão de vocês juntos, certo?
Tancharoen - Não, a não ser que a gente se divorcie. (Risos.) O que pode acompanhar bem o tema de 2020 –tudo desaba!

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

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