Fabrício Boliveira diz que interpretar Simonal o deixou mais atento: 'Negros têm menos chance de errar'
Cinebiografia do músico chega aos cinema nesta quinta (8)
Cinebiografia do músico chega aos cinema nesta quinta (8)
Há 20 anos, Max de Castro, hoje com 46, estava em uma mesa contando a duas pessoas a história de seu pai, Wilson Simonal, e ouviu deles que esse nome não interessava a ninguém. “Disseram que fazer um filme sobre ele era impossível, que Simonal era um assunto maldito", lembra o artista.
O cantor, que passou a ser odiado pela classe artística por ser considerado “apoiador da ditadura”, morreu em 2000 mais lembrado pela maior polêmica que marcou a sua vida do que, talvez, pela sua música. Foi somente em meados de 2008 que tudo começou a mudar. A história foi repassada por dois livros, um musical e um documentário.
Agora, com a cinebiografia "Simonal", de Leonardo Domingues, os filhos, Max de Castro e Simoninha, 55, esperam que o legado musical de seu pai fale mais alto. Os dois, que mantêm o projeto "O Baile do Simonal" no qual resgatam sucessos do artista, afirmam que a história do longa não é nova, mas que Domingues teve mais liberdade para trabalhar no enredo e mostrar com mais clareza alguns fatos.
Eles se referem às obras "Nem Vem que Não Tem - A Vida e o Veneno de Wilson Simonal” (2009), de Ricardo Alexandre, e "Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga: Simonal e os Limites de uma memória tropical" (2011), do historiador Gustavo Alonso.
"Parece uma coisa meio definida. Assim como tem gente que acredita que a Terra é plana e que o homem não foi à Lua, tem gente que acredita que Simonal era informante do Dops [Departamento de Ordem Política e Social]. As pessoas podem acreditar no que querem, a diferença é que a gente conseguiu trazer a história dele que estava guardada há sete chaves com este filme”, diz Castro.
Com Fabrício Boliveira (Simonal) e Isis Valverde (Tereza) no elenco, o filme começa com o jovem cantor, integrante da banda vocal Dry Boys, que é descoberto pelo produtor Carlos Imperial (1935-1992) – interpretado por Leandro Hassum– e passa a brilhar com o seu jeito único “de cantar e encantar” plateias. Entre os sucessos estão "Meu Limão, Meu Limoeiro", "Vesti Azul" e "Nem Vem que Não Tem”.
O casamento de Simonal e Tereza e a relação com os filhos também são retratados no filme, que estreia nesta quinta (8) nos cinemas brasileiro. "Quem era essa mulher que segurou toda essa barra do lado dele, o tempo inteiro” afirma Castro, lembrando que o pai agia mesmo como astro e não economizada nas noitadas.
Tereza não participou dos bastidores do filme, mas a atriz Isis Valverde a construiu com a presença de seus filhos e netos. “Foi difícil construir a personagem. Estamos contando a história dele, mas foi ela quem viveu ao lado de Simonal nos momentos mais felizes e mais difíceis."
"Ela sofre muito com o machismo e sofre de bipolaridade e de transtornos de ansiedade em uma época em que ninguém sabia o que era. Ela tenta o suicídio, tem situações muito intensas e foi um desafio contar essa história do lado desse homem, sem anular a Tereza”, completa a atriz.
Castro também afirma que o longa retrata um lado humano de Simonal que nunca foi "explicado como ele foi parar na Record, o que aconteceu quando ele saiu do Maracanãzinho e chegou em casa? E quando quando saiu no jornal que Simonal tinha sequestrado uma pessoa?"
A direção musical do longa é de Castro e Simoninha, que puderam mostrar o quanto o pai passeava por outros ritmos e temas, ao fazer dueto com Sarah Vaughan (1924-1990), parcerias com Jorge Ben Jor e canções mais ativistas, como a dedicada a Martin Luther King (1929-1968).
"Nunca é tarde para mostrar o que perdemos e como podemos influenciar novos nomes. Quantos artistas teriam vindo nessa linhagem?”, questiona Castro. Simoninha tem uma visão otimista sobre o pai. “Vejo meninos de 12 e 15 anos o tratando como ídolo, as músicas dele só crescem nas plataformas digitais."
Fabrício Boliveira teve a missão de encarnar o swing de Simonal. Para a voz, a opção foi a dublagem, uma vez que o cantor tinha um estilo único e inimitável. O mesmo recurso foi usado no longa “Elis” (2016), de Hugo Prata, que teve Andrea Horta interpretando Elis.
O ator conta que viu Simonal imerso em uma sociedade totalmente polarizada, na qual havia pessoas quem era contra ou a favor da ditadura, muito semelhante com o cenário atual brasileiro. "É como se fosse uma espiral, parece que a gente sempre volta para o mesmo assunto mas, talvez, a gente deveria estar mais maduro para lidar com ele", diz Boliveira.
Essas reflexões o fizeram ter um novo olhar sobre o que é ser um artista negro ontem e hoje no Brasil. “O Simonal nos dá a possibilidade de olhar para trás, ver o que aconteceu no passado e poder caminhar por outros caminhos. Não precisamos passar mais por isso. Já deu essa história de Brasil, um país jovem, né?”, questiona o ator.
Relatos da época sempre retrataram Simonal com uma pessoa arrogante, que passou a sentir infalível por causa de seu sucesso e dinheiro. O cantor abriu a sua própria produtora para fazer tudo do seu jeito, mas não tinha tanto controle sobre as contas. Isso causou confusão com o seu contador, que o levou a pedir ajuda a um agente do governo. A história perdeu o controle e não houve perdão para Simonal.
"Um negro ocupando um lugar de sucesso, bem resolvido com sua profissão e questão social é sempre visto como arrogante", afirma Boliveira. "Já passei por isso em Nova York quando me disseram que era uma pessoa muito confiante, com boa autoestima, mas usaram a palavra ‘swagger’, que significa nada mais do que ser ‘arrogante’. Aprendi com o Simonal a ficar atento a isso. Os negros têm menos chance de errar", completa.
Talvez não fosse diferente se Simonal tivesse vivido a juventude nos tempos atuais. "Hoje ele teria o canal da internet para contar a história dele, mas, ao mesmo tempo, não seria tão feliz já que a mídia perdeu espaço para as redes sociais, um lugar vazio e confuso. Ele sofreria mais 'fake news'. Ele foi ao programa da Hebe com a cartinha embaixo do braço, mas hoje ele poderia fazer uma 'live'”, brinca Boliveira.
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