Cinema e Séries

Leonardo Medeiros, que vive Kardec nos cinemas, cresceu em família espírita: 'Sou como ele, um cético'

Longa desmistifica histórias do homem que fundou o espiritismo

Leonardo Medeiros em cena de Kardec
Leonardo Medeiros em cena de Kardec - Daniel Behr/Divulgação
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São Paulo

Veterano do cinema brasileiro, o ator Leonardo Medeiros, 54, se transformou no francês Allan Kardec (1804-1869) para contar a história do cientista e pedagogo, considerado o pai da doutrina espírita, mas que acabou fadado ao esquecimento em seu próprio país.

Nascido em uma família espírita, apesar de ter sempre se mantido cético, Medeiros afirma que estudou muito para interpretar o escritor francês Allan Kardec. "Cresci em uma família espírita e sempre fui bombardeado por informações. Sempre rejeitei a doutrina, mas acabei parecido com Kardec, já que sempre fui um garoto muito ligado à ciência, muito cético. Fiquei a vida inteira esperando um sinal, e ele nunca veio. Pode ser que isso seja um filme", brinca o ator.

Inspirado no livro "Kardec: A Biografia", do jornalista Marcel Souto Maior, o longa "Kardec tem direção de Wagner de Assis e narra a  trajetória do professor Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869) – que utilizou o pseudônimo Allan Kardec para escrever os livros espíritas. O filme estreia em 16 de maio.

Cientista e cético, ele se sentiu curioso a entender de forma racional o movimento das "mesas girantes" que tomavam toda a Europa no fim do século 19. O estudioso acabou tendo a certeza de que era possível fazer contato com os espíritos e deu início a essa discussão com a obra livro “O Livro dos Espíritos” (1857).

A personalidade de professor e cientista já era conhecida pelo ator. "Minha mãe é sobrinha do Eurípedes [o médium Eurípedes Barsanulfo, 1880-1918], claro que ela queria me aproximar das crenças dela e ela dizia que Kardec também era um cientista como eu. As pessoas confundem muito a figura dele como um místico e isso não é verdade." 

Construir o personagem não foi tão fácil, explica o ator. Havia pouca informação sobre Kardec, além do estudioso. "A gente tem muitas fotos de uma época em que não tinha sorriso nas imagens. Parecer sério era importante, e o Kardec tinha uma responsabilidade incrível, porque ele estava à frente de uma doutrina que não era reconhecida. Ele tinha que parecer severo."

A biografia de Souto Maior é a melhor referência para contar a história de Kardec, segundo Medeiros. "Essa biografia é interessante porque é imparcial. Ela não é escrita da perspectiva doutrinária ou religiosa. Ele não quer converter ninguém, fica atento aos fatos e não tem sensacionalismo. Ela coloca a trajetória dele de uma forma linear e fica compreensível que ele era um homem corajoso. Ele levantou uma bandeira sozinho e segurou uma barra tremenda. Ele teve de manter a seriedade da ciência."

À procura de mais informações, Leonardo Medeiros leu outras biografias, além da escrita por Souto Maior. Ele conta que indicaram uma biografia mais doutrinária que não lhe interessou de imediato, mas que teve um parágrafo que lhe ajudou muito. "Era um amigo descrevendo Kardec e dizendo como ele era bem-humorado e como a presença dele animava todo o ambiente. Ele era um homem sério, mas que tinha bom humor e que até contagiava o lugar que ele chegava."

Mesmo após as gravações, o ator mantém um certo distanciamento da doutrina, mas vê com bons olhos o lançamento da cinebiografia sobre Kardec. Ele diz que ficou surpreso com o filme, porque ele não é sensacionalista, não pesa a barra e não quer doutrinar ninguém. "É baseado em fatos históricos. E o espiritismo é tão importante para o Brasil, mesmo quem não é adepto respeita a doutrina. O país tem uma relação saudável com o espiritismo", opina o ator.

"Os espíritas são bons, caridosos, gostam do outro, escutam. Tem essa parte da ética que é muito bonita, não tem como você sofismar. Eles veem a morte de uma outra forma, não há desespero. Só a parte metafísica que é um pouco mais complicada para mim”, afirma Medeiros.

Visto em novelas e séries de TV, Leonardo Medeiros diz que prefere trabalhos curtos. "Para gravar novela está complicado, porque eu moro em São Paulo, tenho filho pequeno. Teria que ficar muito tempo no Rio. Acho que neguei tantos papeis, que acabaram desistindo", brinca o ator.

O ator diz ainda que teve sorte porque ter feito cerca de 60 filmes –a maioria, segundo ele, de baixo orçamento que ninguém viu. "Fiz poucos filmes como esse que tem uma retaguarda de uma grande produtora. Estou botando fé nesse filme porque estou totalmente desempregado."

Ele explica que estava participando de dois projetos, mas ambos tiveram revés por causa de cortes da Ancine. "Todo mundo me diz que sou um grande ator, mas eu queria ter a minha parte em trabalho. Se eu fosse americano eu estava morando em Beverly Hills, tenho muitos prêmios aqui e fora do Brasil."

O presidente da Ancine, Christian de Castro, publicou um despacho paralisando atividades na agência, em abril, incluindo a liberação de novos recursos para filmes e séries. A atitude é uma resposta a questionamentos do Tribunal de Contas da União, que determinou à agência que reveja a forma como fiscaliza as contas dos projetos que ela aprova.

EDUCAÇÃO E FEMINISMO HÁ 150 ANOS

Antes de usar o pseudônimo de Allan Kardec e se ajudar a disseminar a doutrina espírita, o francês Hippolyte Léon Denizard Rivail foi um professor que marcou o ensino francês. Já era autor de diversos livros e tradutor. Era adepto ao método de ensino de Johann Heinrich Pestalozzi (1764-1827) e teve de enfrentar a interferência da igreja católica nas escolas de sua época.

“Esse tipo de abordagem tem muito em Shakespeare. São assuntos tratados há muito tempo e que ainda não foram resolvidos. Um deles é o da educação, da doutrinação dentro da escola, sendo ela de um lado ou do outro. Ainda nos debatemos com essa questão, de que é uma busca de acabar com o senso crítico das crianças. O filme mostra que isso começou com o Pestalozzi, que era um mestre da pedagogia como Freire [Paulo Freire], e ainda estamos nesse debate", afirma o ator.

A mulher de Kardec, a professora Amélie Gabrielle Boudet (1795-1883), teve um papel importante para a doutrina espírita e é bem retratada no longa pela atriz Sandra Corveloni. "Estamos vivendo um momento em que a discussão do gênero está tão em alta, que foi inevitável a gente perceber que ela foi uma mulher importante. Foi uma época em que não se dava importância a elas, que ficavam meio escondidas. Mas as mulheres fortes sempre existiram, e todos envolvidos no filme tiveram esse olhar de dar a devida relevância", lembra.

"Kardec - O Filme"

  • Quando Estreia 16/5
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Leonardo Medeiros, Sandra Corveloni, Guilherme Piva, Juliana Konrad
  • Direção Wagner de Assis
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