Da Excalibur à Luminífera de 'Game of Thrones', o fascínio por espadas atravessa séculos
O rei Arthur tinha a Excalibur. Bilbo, de "O Hobbit", tinha a Sting. E Arya Stark, de "Game of Thrones", tem sua Agulha.
De muitas maneiras, essas espadas tornaram-se tão icônicas quanto seus donos. E aí vem a questão: por que, em um mundo moderno em que essas armas são tecnicamente obsoletas, as espadas ainda têm o poder de gerar tanto interesse?
Desde a publicação em 1949 do livro "O Herói de Mil Faces", de Joseph Campbell, estudiosos têm se debruçado sobre os heróis mais conhecidos da literatura em busca de padrões e traços comuns que indiquem como funciona a "jornada do herói".
Embora a maior parte desses estudos tenha girado em torno dos próprios heróis, as lendárias espadas que estes empunhavam conseguiram também seu lugar nos corações dos leitores.
Analisando a série de livros "As Crônicas de Gelo e Fogo", em que está baseada a série de TV da HBO "Game of Thrones", vemos que o autor George R.R. Martin se incumbiu da missão literária de continuar a dar destaque às espadas.
Da gigantesca Gelo, do personagem Ned Stark, à flamejante Luminífera, de Azor Ahai, Martin forneceu aos fãs uma verdadeira chuva de lâminas para ficarem obcecados.
Na oitava –e última– temporada atualmente no ar, há boas razões para acreditar que algumas das mais notáveis lâminas desempenharão um papel crucial nas batalhas. Como os fãs de "Game of Thrones" já sabem, enquanto há inúmeras espadas exibidas ao longo da série, apenas algumas delas são consideradas importantes o suficiente para receberem um nome.
Aquelas feitas do chamado aço valiriano, como a Garralonga (Long Claw), de Jon Snow, a Cumpridora de Promessas, de Brienne de Tarth, e a Veneno de Coração, de Samwell Tarly, destacaram-se na trama pela maneira como foram forjadas, por suas lâminas eternamente afiadas e por sua função como símbolos de status.
Embora um detalhe aparentemente sem importância, os produtores da série frisaram todas as vezes que essas espadas mudaram de mãos: algumas foram derretidas e forjadas novamente, outras, roubadas, ou dadas como sinais de lealdade.
Na série, os personagens que possuem uma espada feita com aço valiriano, uma das poucas substâncias capazes de matar os Caminhantes Brancos, têm uma importância grande nesta temporada final. Por isso, é importante ficar de olho em quem tem uma lâmina feita deste material, já que elas não podem ser confeccionadas novamente –porque o método para elas serem forjadas desapareceu junto com o evento apocalíptico Perdição de Valíria, que remete ao sumiço de Atlântida sob o mar.
LÂMINAS EM SENHOR DOS ANÉIS
Na série "O Senhor dos Anéis", JRR Tolkien deixa claro que todas as melhores espadas –Narsil, Sting e Glamdring– foram criadas pelos Elfos da Primeira Era, milhares de anos antes dos principais eventos da história. Mas essa tendência não começou aí.
Em "Beowulf", também de JRR Tolkien, um dos primeiros trabalhos da língua inglesa, pode-se ver essa mesma ideia em ação. No clímax da batalha contra a monstruosa mãe de Grendel, Beowulf descobre que só é capaz de cortar sua pele impermeável com a ajuda de uma antiga espada que encontra pendurada na parede.
Quando o punho da espada é avaliado mais tarde, aprendemos que suas gravuras datam de uma época em que uma raça de "gigantes" foi destruída por uma violenta inundação. Então, por que tanto apreço por todas as coisas antigas?
Não seria esperado que as técnicas de forjamento de espada melhorassem com o tempo, aprimorando assim as novas lâminas? Por que tantos desses épicos retratam relíquias antigas como sendo muito superiores às suas equivalentes modernas?
A resposta pode estar na história anglo-saxônica.
ESPADAS E STATUS
Após a queda de Roma, os anglo-saxões se viram vivendo em um mundo repleto de resquícios da antiga glória do império. Nos antigos textos ingleses, os primeiros escritores anglo-saxões frequentemente se referiam a esses maravilhosos resquícios como eald enta geweorc, que em latim significa algo como "a velha obra dos gigantes".
A superioridade dessas espadas mais antigas reflete a percepção de que os tempos antigos foram preenchidos com uma magia que diminuiu à medida que a civilização progrediu. Elas são relíquias servindo como testemunho de um mundo mítico perdido no tempo.
Na saga que deu origem a "Game of Thrones", os habitantes do continente Westeros veem os remanescentes de Valíria da mesma maneira que os anglo-saxões olhavam para as ruínas de Roma. A capacidade de uma espada durar ao longo do tempo não é meramente uma convenção mítica.
Em comparação com outras das chamadas armas brancas, feitas manualmente, como lanças e machados, as espadas geralmente exigiam um ferreiro mais habilidoso para forjá-las, o que significa que elas eram frequentemente construídas para durar.
Além de serem mais caras de se produzir, as espadas também exigiam um treinamento maior para manejá-las corretamente, o que significava muitas vezes que elas eram reservadas para membros do alto-escalão militar ou para as pessoas mais ricas.
O resultado foi que a espada passou a estar totalmente associada ao status de seus donos. E assim também tem sido na literatura: a espada Excalibur, que o rei Arthur retira da pedra, o marcou como o legítimo rei da Bretanha.
Em Harry Potter, a habilidade de Harry e Neville Longbottom de criarem a espada de Godric Gryffindor de dentro do Chapéu Seletor os identifica como "verdadeiros grifinórios". Essas espadas tendem a ter "vontade própria", escolhendo apenas se apresentar àquelas pessoas consideradas dignas o suficiente para carregá-las.
ADAGAS FLAMEJANTES COMO A LUMINÍFERA
Digite: Luminífera (em inglês, Lightbringer), a lâmina mítica mais misteriosa de "Game of Thrones". Na 8ª temporada, Luminífera está definida para desempenhar um papel crítico, porque a sua aparência irá identificar o herói profetizado de "Game of Thrones", o "Príncipe que foi prometido", assim como a espada na pedra identificou Arthur.
Conseguimos aprender muito sobre essa arma por meio da personagem Melisandre, que a descreve como uma espada flamejante que será tirada da chama pelo verdadeiro herói de Westeros. A noção de que a Luminífera será uma espada de fogo é mais uma alusão a outras histórias.
Vimos espadas flamejantes aparecerem em contos em obras tão antigas quanto a Bíblia. Depois que Adão e Eva são expulsos do paraíso, os portões do Éden são guardados por um anjo brandindo uma espada flamejante.
A espada de fogo reapareceu nas mitologias desde então, a mais semelhante à Luminífera talvez sendo a Dyrnwyn das tradições galesas medievais, que era conhecida por se converter em chamas quando segurada por seu legítimo dono.
Talvez a Luminífera siga esse mesmo padrão e já possamos ter visto isso na tela, mas simplesmente ainda não a vimos nas mãos do seu legítimo dono. Possuir uma espada de fogo significa mais do que mero status, mas ser detentor de um poder imbuído por uma força divina. Empunhar tal espada mostra que o guerreiro é apoiado por alguma divindade.
A Luminífera não é exceção, já que podemos assumir que seu legítimo proprietário será o escolhido do personagem R'hllor, o Senhor da Luz. Seja por sua intrínseca relação com status, por evocar tempos passados, ou pela representação do divino, a espada conseguiu permanecer como um dos símbolos mais preciosos da humanidade.
Mesmo agora que o uso das espadas no mundo real diminuiu, ainda nos mantemos presos a histórias de bravos heróis que empunham essas lâminas e matam bestas em uma terra distante. Além do mais, as espadas de histórias modernas como "Game of Thrones" ainda nos encantam com as mesmas propriedades místicas daquelas escritas há milhares de anos.
Assim como Joseph Campbell argumentou em seu livro que há apenas um herói com muitos rostos, talvez exista apenas uma espada com muitos cabos –uma única lâmina destinada a nos fascinar, século após século.
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