O uso forçado de contraceptivos declarado por Britney Spears é legal?
Cantora alegou, em audiência, que usa DIU contra sua vontade
Cantora alegou, em audiência, que usa DIU contra sua vontade
Entre as diversas declarações chocantes que a estrela pop Britney Spears, 39, fez a uma juíza de Los Angeles na semana passada, em seu esforço pelo cancelamento da prolongada tutela sob a qual vive, uma foi especialmente preocupante para os especialistas em leis de tutela e em direitos reprodutivos.
Ela afirmou que uma equipe liderada por seu pai, Jamie Spears, 68, que é seu tutor, a impediu de optar pela remoção de seu DIU (dispositivo anticoncepcional intrauterino), porque a equipe não queria que ela voltasse a ter filhos.
“Forçar uma pessoa a fazer controle da natalidade contra sua vontade é uma violação dos direitos humanos mais básicos e da autonomia do corpo, da mesma forma que forçar uma pessoa a engravidar ou a manter uma gravidez contra sua vontade seria”, disse Ruth Dawson, pesquisadora sênior do Guttmacher Institute, uma organização de pesquisa que defende os direitos reprodutivos.
O uso de métodos contraceptivos impostos por um tribunal é raro em casos de tutela. Mas o espectro que isso desperta –o da esterilização forçada– tem um longo e sombrio histórico nos Estados Unidos, especialmente contra mulheres pobres, não brancas e encarceradas. No começo do século 20, uma decisão da Suprema Corte autorizou essa prática, quando autorizada pelas leis do estado em questão.
Ainda que o tribunal tenha abandonado essa posição na década de 1940, e que tenha surgido um consenso, baseado em um cânone crescente de consentimento informado, de que a esterilização forçada era uma prática desumana, ela continuou a ser discretamente tolerada.
No final da década de 1970, a maioria dos estados do país já havia revogado as leis que autorizavam esterilização, ainda que acusações de histerectomias e laqueaduras tubárias em mulheres presas em centros de detenção de imigrantes continuem a surgir. Foi só em 2014 que a Califórnia proibiu formalmente a esterilização de prisioneiras sem consentimento delas.
A ausência de precedentes relevantes sobre o tema na área de tutela indica até que ponto o caso de Spears parece ser extremo. Em 1985, a Suprema Corte da Califórnia negou uma petição dos pais e tutores de uma mulher de 29 anos que tinha síndrome de Down; eles queriam forçá-la a passar por uma cirurgia de esterilização.
Tipicamente, um tutor tem controle sobre as finanças e até sobre o tratamento médico de uma pessoa incapacitada. Especialistas sublinham que a afirmação de Spears não tem comprovação. Mas se ela procede, disseram, a razão mais provável, embora altamente suspeita, para essa postura pode ser que Jamie Spears, o pai de Britney, deseja proteger as finanças da filha contra o pai de um bebê, potencialmente o namorado de Britney, que aparentemente não se entende bem com o tutor.
Se um guardião teme que seu tutelado fará escolhas financeiramente insensatas, “a solução não é decretar que a pessoa não pode procriar”, disse Sylvia Law, estudiosa de leis de saúde na Escola de Direito da Universidade de Nova York. “Isso é inaceitável”.
De acordo com especialistas em leis de tutela e guarda, os poucos casos em que um tutor, em geral um pai, solicitou ao tribunal uma ordem impondo contracepção envolviam filhos severamente incapacitados.
“Um filho nessa situação não teria a capacidade de compreender que um pênis e uma vagina são capazes de fazer um bebê”, disse Bridget J. Crawford, especialista em leis de tutela da Universidade Pace. “E esse com certeza não é o caso de Britney Spears”.
A eugenia era um dos principais argumentos em favor da esterilização forçada de mulheres. No processo Buck vs. Bell, de 1927, a Suprema Corte federal sustentou o direito de esterilizar uma mulher “mentalmente incompetente” que estava internada em uma instituição psiquiátrica estadual, e o juiz Oliver Wendell Holmes infamemente escreveu que “três gerações de imbecis bastam”.
Ainda que essa decisão jamais tenha sido formalmente revertida, em um processo de 1942, Skinner vs. estado do Oklahoma, que contestava a esterilização forçada de certos criminosos condenados, o juiz William Douglas, redigindo a opinião unânime da corte, afirmou que o direito de procriar era fundamental. “Qualquer experimento que o estado conduza lhe causará injúria irreparável”, escreveu o juiz. “E ele se verá privado permanentemente de uma liberdade básica”.
Embora Spears não tenha sido esterilizada, disse Crawford, ela está sendo impedida de ordenar a remoção de seu DIU, e isso seria o equivalente prático de uma esterilização, especialmente por ela ter declarado que desejava ter mais filhos.
Melissa Murray, que leciona direitos reprodutivos e lei constitucional na Escola de Direito da Universidade de Nova York, apontou para outro elemento enervante nas declarações de Spears, que está sob tutela do pai há 13 anos.
Murray disse que Spears, adulta, parece estar vivendo uma infância imposta pela Justiça. “É incomum que o pai dela esteja tomando com relação a ela decisões que esperaríamos que um pai tomasse com relação a um adolescente”, ela acrescentou.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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