Christian Slater diz que retomou aulas de desenho para não enlouquecer
Ex-ídolo teen afirma que carreira de ator passou por um renascimento
Ex-ídolo teen afirma que carreira de ator passou por um renascimento
John Varriano, professor na Art Students League de Nova York, estava parado diante do cavalete de Christian Slater, estudando as linhas desenhadas pelo ator. "Você leva jeito, cara", diz Varriano. "Precisa continuar praticando, cara."
Era uma manhã de calor intenso em junho, e Slater, 51, elegante em uma jaqueta de brim branca, calças pretas e tênis verdes, acabara de chegar à sede da escola de arte, na região central de Manhattan, para uma aula sobre naturezas-mortas.
Astro de cinema nas décadas de 1980 e 1990 —“Atração Mortal”, “Amor À Queima-Roupa”, “Um Som Diferente”— , Slater agora usa óculos e sua barba rala está grisalha. Por trás das lentes, seu olhar ainda tem o velho brilho —intenso como um holofote—, que fez dele o crush das garotas incompreendidas de todo o planeta.
Em sua conversa com Varriano sobre a Nova York da década de 1970 e sobre os recortes de Matisse, o sorriso atrevido do ator também continuava visível.
Quando morava em Nova York, Slater ia à escola de arte para aulas ocasionais de desenho. Ele começou a levar as artes visuais mais a sério alguns anos atrás, por sugestão de sua mulher, Brittany Lopez, que o inscreveu em aulas de arte (aquarelas e pastéis) no Fairchild Tropical Botanic Garden, perto da casa deles em Miami.
"Estava entre um trabalho e outro, e minha mulher ficava insistindo que eu precisava fazer alguma coisa", diz Slater, com sua voz rouca. "E adorei. É ótimo. Muito meditativo e relaxante." Slater afirma que precisa fazer algo criativo em base regular, "ou enlouqueço".
Ele jamais chegou literalmente a enlouquecer, nas pausas entre trabalhos ou enquanto os fazia, mas teve uma ou duas décadas oscilantes, quando os papéis de bad boy que costumava interpretar pareciam vazar para a vida real. "Você viaja por determinadas estradas", ele diz, "e percebe que talvez não sejam as estradas em que deseja continuar viajando".
E por isso ele escolheu outros caminhos. Slater parou de beber 16 anos atrás. (Quando Varriano lhe ofereceu uma cerveja, às 11h, Slater recusou educadamente e pediu água.) Ele se divorciou, se casou de novo, e voltou a ser pai.
Depois de anos em que aceitava todo papel que lhe era oferecido ("eu trabalhava muito, mas passava tempo demais em lugares como a Bulgária", diz), Slater está passando por uma espécie de renascimento em sua carreira, graças ao seu desempenho premiado com um Globo de Ouro na série “Mr. Robot”.
"Sinto muita gratidão por estar de novo em uma situação em que as pessoas se interessam por me contratar", diz o ator. Para seu projeto mais recente, ele trocou o papel de bad boy pelo de um bom sujeito em "Dr. Death", série de distribuição limitada para o serviço de streaming Peacock, baseada em um podcast sobre crimes reais.
Slater estela como o médico Randall Kirby, cirurgião vascular que dirige um carro esporte, adora ópera e usa trajes cirúrgicos vistosos. Quando ele descobre que o neurocirurgião Christopher Duntsch (Joshua Jackson) mutilou diversos pacientes, Kirby luta para expô-lo.
"Definitivamente não é o personagem que eu interpretaria, tipicamente", diz Slater. "Tipicamente, eu seria o dr. Morte, certo? Eu seria o assassino." No entanto, Kirby, um sujeito excêntrico, mas ético, é o tipo de personagem que ele prefere, agora.
No estúdio manchado de tinta, Varriano ofereceu diversas opções como tema de natureza morta. "Talvez as flores?", diz Slater, apontando para um buquê. "Vamos tentar com isso?" Depois de arranjar as flores por sobre um bloco de madeira, Varriano adiciona um busto com cabelos encaracolados ao arranjo, e entregou a Slater os carvões de desenho. "Esse carvão é bom", diz Slater.
"Está vendo?", afirma Varriano, com orgulho. "Ele entende do assunto!" Slater traçou a linha inicial do desenho, com um gesto largo. "Bom', diz Varriano. "A primeira linha é sempre a mais difícil. Bem, a segunda, terceira, quarta e quinta são igualmente difíceis."
Ele observa que Slater desenha com a mão esquerda ("canhoto", diz Varriano, "eu não gostaria de enfrentá-lo no boxe"), e o encorajou gentilmente a reconsiderar alguns ângulos. Depois ele recua um passo. "Não vou dizer mais nada", diz Varriano.
“Não, não, cara, continue desenhando. Imagine que não há ninguém na sala". Slater ri. "Desenhe como se ninguém estivesse vendo', ele diz, borrando uma linha com o dedo mínimo.
Slater delineou o desenho por cerca de dez minutos. Ajustou o ângulo do bloco e fez uma primeira tentativa de reproduzir o padrão esférico da cabeça. Depois fez um intervalo para mostrar a Varriano alguns de seus trabalhos anteriores.
Ele apanhou o celular para mostrar sua versão de "Banhista", de Matisse, em fita azul de pintura, e depois uma "Pietá" de Michelangelo desenhada a lápis, e um retrato de sua mulher em carvão. "Ela odeia esse desenho", diz Slater.
Varriano não concorda. "Na verdade está muito bom", ele diz. "E não digo só por dizer. Entendo que ela não goste, mas e daí?" O celular voltou ao bolso do ator e Slater devolveu sua atenção ao busto. A cabeça começou a tomar forma, a linha da fronte, o nariz, as orelhas, os cachos.
Ele desenhava com gestos rápidos e precisos, com os olhos semicerrados, o queixo estendido, e um meio sorriso nos lábios. "Estou desenhando, apagando e me divertindo", diz Slater, ao acrescentar que tinha um apartamento em reforma por perto, "para eu poder começar a vir com mais frequência".
Varriano aprovou. "Você vai seguir o coelho para o labirinto, como todos nós", ele diz, alegremente. "E arruinar sua vida". Slater não via problemas na ideia. A hora passou rápido. Slater nem começou a desenhar as flores. Mas parecia satisfeito com o que tinha realizado, e manteve o desenho preso ao cavalete. Até a próxima vez.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.
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