Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

Matthew McConaughey lança memórias e diz que foi solteiro que 'raramente tomava banho sozinho'

Casado com a brasileira Camila Alves, ator lembra como conseguiu primeiro papel

Matthew McConaughey fotografado remotamente

Matthew McConaughey fotografado remotamente Devin Oktar Yalkin-14.set.2020/The New York Times

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Você se surpreenderia ao descobrir que, há mais de 30 anos, antes de ele chegar ao sucesso em "Jovens, Loucos e Rebeldes", Matthew McConaughey escreveu um poema no qual prometia que um dia se tornaria escritor? O texto dizia: "Acho que vou escrever um livro / Um livro sobre minha vida. / Será que alguém vai se interessar / Pelos meus prazeres e problemas?"

Isso aconteceu em 1989, quando ele não estava ciente das reviravoltas que o aguardavam –os prêmios que conquistaria como ator, a mulher e filhos que um dia teria, os dramas densos e as comédias românticas banais que faria. Mas McConaughey já tinha certeza de que viveria uma vida digna de registro.

Agora o poema em questão, na caligrafia complicada do autor, aparece no começo de "Greenlights", a autobiografia de McConaughey que a editora Crown lança nesta terça-feira (20). O livro oferece um retrato de toda vida que McConaughey acumulou, de sua criação em uma tumultuosa família texana à sua ascensão como o astro másculo e sereno de "Magic Mike", "True Detective" e "Clube de Compras Dallas".

Para isso, "Greenlights" está repleto do entendimento singelo que McConaughey extraiu de seus problemas, jornadas e da ocasião em que terminou preso por estar tocando bongô nu. Ele fortalece suas recordações com os ditos e máximas que registrou durante décadas em seus diários, e que continuam a rolar naturalmente em sua conversa.

É um livro que passa o tempo se avaliando, avaliando as razões para que ele exista, mais ou menos como o autor mesmo parece fazer. McConaughey diz que começou o projeto com uma mistura de entusiasmo e cautela, pensando em usar sua celebridade como oportunidade de contar sua história ao seu modo idiossincrático.

"Carrego sempre o capital de ser McConaughey, não importa como as pessoas me vejam", diz o ator, em uma conversa por Zoom no mês passado. Durante a conversa, ele estava no escritório que mantém em sua casa em Austin, Texas; seus cabelos estavam penteados para trás e ele vestia uma camisa de flanela com alguns botões desabotoados, contemplando a câmera por trás de óculos de armação escura.

"Se fosse um livro de memórias" –ele pronunciou a palavra "memoir" à maneira francesa–, "isso significaria que a editora conseguirá vender algumas cópias". Mas o que ele esperava produzir, diz o ator, era um livro "no qual as palavras da página ainda fossem dignas de compartilhamento mesmo que o autor fosse anônimo, e ao mesmo tempo em que esse fosse um livro que só McConaughey poderia ter escrito."

Como o sujeito de barba por fazer que nos acostumamos a ver na plateia de lutas da WWE (a luta livre televisiva) ou filosofando em comerciais de carros de luxo, McConaughey alterna desinibição e seriedade. Sente-se confortável ao se referir a si mesmo na terceira pessoa, e descarta qualquer insinuação de que tenha feito sucesso em sua profissão meio por acaso.

Ele me disse que sabe que há pessoas que acreditam que "caramba, McConaughey consegue tudo por sorte –o cara não encontra nenhum obstáculo, nunca foi atropelado ao tentar atravessar a rua". Ele diz que escreveu "Greenlights" em parte para corrigir essa percepção, e para demonstrar quanto esforço foi necessário para que ele chegasse até onde está.

Ele quer que os leitores olhem para além de seu nome em letras garrafais na capa e se concentrem na mensagem fundamental do livro. Ninguém está imune a dificuldades, ele diz, mas McConaughey está disposto a compartilhar as lições que "me ajudaram a passar pelas coisas difíceis, ou, como eu digo, a me relacionar com o inevitável, o mais cedo possível e da melhor maneira possível para mim".

Codificar aquilo em que acredita e registrar suas lições no papel foi um teste. O desafio seguinte surge com o lançamento de "Greenlights" em um mundo cada vez mais incerto e cada vez menos interessado em sistemas de valores –um mundo no qual, como milhões de outros americanos, o ator e sua família passaram os últimos meses "tentando correr da Covid", em suas palavras. "Continuo testando e atualizando minhas filosofias praticamente a cada dia", ele diz. "E com certeza posso melhorar quanto a muitas delas."

Na forma pela qual "Greenlights" conta sua história, a juventude de McConaughey foi dominada por Jim, seu pai, um ex-jogador de futebol americano universitário e profissional que depois se transformou em vendedor de encanamentos e foi casado três vezes, e se divorciou duas vezes, de Kay, a mãe do ator.

O primeiro capítulo do livro dramatiza uma cena de 1974 na qual McConaughey assistiu a uma briga furiosa do casal –sua mãe quebrou o nariz de seu pai batendo nele com um telefone, enquanto ele usava um vidro de ketchup para contra-atacar—, que terminou com os dois fazendo sexo furiosamente no chão da cozinha.

Parece brutal. No entanto, como diz McConaughey, "essa é a realidade, mas existe humanidade nessa realidade". Jim era duro com os filhos, igualmente, mas McConaughey, o mais novo de três irmãos, diz que "não trocaria os valores que meus pais instilaram em mim por levar menos surras do que levei". Ao refletir sobre seus pais, McConaughey afirma que "o amor deles era real". (Poucos dias depois de o ator começar a filmagem de "Jovens, Loucos e Rebeldes" (1993, Jim morreu de um ataque cardíaco, enquanto fazia sexo com Kay.)

Kay McConaughey tem 88 anos, e disse em um email que quando Matthew era criança, ela não esperava que ele se tornasse artista. "Esse assunto jamais surgiu, na verdade", ela disse. "Achava que ele se tornaria advogado."

Mesmo assim, ela conta que sempre via o filho "anotando coisas em pedacinhos de papel, coisas que alguém tinha dito, ou o que ele pensava sobre o que as pessoas diziam, ou sobre seu modo de ver a vida".
Tendo lido "Greenlights" e visto como o ator retrata seu relacionamento com Jim, Kay McConaughey escreveu que "nosso caso de amor foi tumultuado e apaixonado, mas eu gostaria que ele tivesse escrito mais sobre o amor entre o pai dele e eu, nosso afeto, nosso compromisso um para com o outro."

Matthew McConaughey relata como ele conseguiu o papel que lhe valeu fama, como o cafajeste simpático Wooderson em "Jovens, Loucos e Rebeldes"; ele descobriu que o diretor de elenco do filme, Don Phillips, estava em um bar em Austin, e foi até lá e usou seu charme para conseguir uma audição. Poucos anos mais tarde, o ator, que ainda não era garantia de sucesso de bilheteria, montou uma campanha bem-sucedida para convencer o diretor Joel Schumacher a escalá-lo para um dos papéis principais em "Tempo de Matar".

Para McConaughey, histórias como essas ilustram que ele não se satisfaz em permitir que a vida aconteça e o arraste. "Sempre foi óbvio para mim que não tenho uma atitude de laissez-faire", ele diz. "É um estado de ser em que trabalho todos os dias, continuamente, e consegui-lo requer esforço."

Colegas que o conhecem há muito tempo dizem que a coisa vai ainda além. A despeito da imagem de desmazelo simpático que McConaughey projeta, eles o veem como alguém que está perpetuamente se preparando para as oportunidades, e que se orienta ativamente na direção delas.

Como me explicou seu amigo Richard Linklater, que o dirigiu em diversos filmes, entre os quais "Jovens, Loucos e Rebeldes", as pessoas "costumam subestimar a determinação envolvida naquilo que Matthew faz. Ele é muito bom em ir do ponto A ao ponto B e ponto C. Ele tem um plano, e é corajoso e descarado o bastante para colocá-lo em prática".

O ponto da história que ele relata sobre a audição para "Jovens, Loucos e Rebeldes" não é que McConaughey simplesmente estava no lugar certo, na hora certa, disse Linklater: "Ele não foi descoberto em um bar –ele abordou o cara que estava escalando o filme porque sabia que ele estava lá para isso. Matthew está sempre pensando diversos lances à frente."

Em "Greenlights", McConaughey nos relata as origens de diversos de seus personagens mais conhecidos, mas não fala de toda a sua carreira filme por filme. E tampouco divulga detalhes especialmente maliciosos de sua vida pessoal quando ainda era solteiro, excetuado um parágrafo em que escreve: "Eu usava roupas de couro. Dirigia um Thunderbird. Tomava muitos banhos durante o dia, raramente sozinho. Eu aproveitei".

McConaughey diz que embora cenas como essas costumem ser um ingrediente básico das memórias de celebridades, ele sentiu que inclui-las "seria de mau gosto e uma exibição de maus modos –é por isso que os quartos têm portas".

Mas ele conta sem hesitação duas histórias em que acordou depois de sonhos eróticos –sim, com as consequências previsíveis–, nos quais ele se viu "boiando de costas no rio Amazonas", cercado por criaturas da selva e por "pessoas tribais africanas alinhadas ombro a ombro na crista à minha esquerda". Ele interpretou essas visões como uma exortação inconsciente para ir ao Peru, onde mergulhou no Amazonas, e ao Mali, onde participou de um combate contra um campeão local de luta livre.

Seções como essa iluminam o lado transcendental do autor, que é metodista praticante mas também se descreve como "um otimista místico", sempre tentando sintonizar seus controles pessoais a fim de receber novas transmissões do universo.

Essa abordagem quanto à existência faz com McConaughey esteja sempre à caça do que ele chama de “sinais verdes” –os sinais de trânsito que significam que devemos ir em frente. Por isso o título do livro, que ele prefere grafar como se fosse uma palavra só; ele acredita que identificar esses sinais verdes requer muita percepção.

Concluir que a vida depende apenas de sorte, ele disse, é se render ao fatalismo: “Deixe de pegar leve com você mesmo, McConaughey. Se isso é verdade, então atravesse todos os sinais vermelhos. Você está com as mãos no volante. Você faz as escolhas, e elas importam”.

McConaughey disse que não quer ser guru espiritual de ninguém, e que não abordou “Greenlights” como um livro de autoajuda. Os amigos dizem que sim, ele fala mesmo desse jeito, e que o livro é mais uma maneira de se expressar.

“E seu modo de querer ser ouvido em outro nível”, disse Linklater. “É outro nível de comunicação, algo que um ator não tem como encontrar em um papel”.

Linklater explicou que atores como McConaughey são vulneráveis em seu trabalho. “Eles não têm controle total”, disse o cineasta. “Mesmo os atores mais poderosos –Denzel Washington, Daniel Day-Lewis– continuam à mercê dos papéis que lhes são oferecidos. Atores precisam de outras formas de expressão”.

Às vezes, McConaughey distribui sabedoria em pílulas, pérolas como as frases de para-choque que ele reproduziu ao longo do livro, por exemplo “eduque antes de indiciar”, “sou bom naquilo que amo mas não amo tudo em que sou bom”, e “se você atingir altitude suficiente, o sol brilha o tempo todo”.

E às vezes ele se estende mais sobre algum assunto, como quando lhe perguntei de que maneira ele consegue se manter distanciado das guerras culturais tóxicas que acontecem nos Estados Unidos e cultivar fãs progressistas e conservadores simultaneamente.

“Tento ficar dentro e não fora da estrada”, respondeu McConaughey. “Para as pessoas que dizem que no meio da estrada só existem linhas amarelas e tatus mortos, eu respondo o seguinte: os tatus estão se saindo bem. Porque a esquerda e a direita se radicalizaram tanto, elas nem estão mais no asfalto. Estão no meio do deserto”.

Ele ri, e acrescenta: “Cara, prefiro me encontrar com as pessoas lá no meio”.

Colocar “Greenlights” no papel não aconteceu rápido. A editora Crown estava de olho em McConaughey desde 2015, quando um discurso que ele fez aos formandos da Universidade de Houston ganhou circulação viral. O texto foi estruturado em torno de seus aforismas (“não deixe migalhas”, “disseque seu sucesso”, “um teto é uma coisa artificial”).

Uma proposta que o ator mais tarde apresentou a diversas editoras “tinha menos história pessoal e mais lições e filosofia”, disse Gillian Blake, vice-presidente sênior e editora chefe da Crown. Mas em novas conversações com McConaughey, disse Blake, ela não precisou encorajá-lo muito para que ele voltasse uma lente retrospectiva para sua vida.

“Tivemos algumas reuniões pessoais longas, e quando alguém lhe fazia uma pergunta ele sempre respondia que tinha uma história sobre aquilo”, disse a editora. “E aí ele ia para casa e escrevia a história”.
McConaughey afirmou que já tinha se preparado para o processo de escrita ao reler os diários que mantém desde a adolescência. Ele disse que não trabalhou com um coautor para “Greenlights”, mas que recebeu muita motivação de sua mulher, Camila Alves McConaughey.

“De repente minha mulher me mandou pegar a picape, levar comida, água e tequila, e só voltar quando tivesse alguma coisa escrita”, ele recorda. “E pronto, liguei para um amigo que tem uma cabana e parti para o deserto”.

Desde então, McConaughey, sua mulher e os três filhos do casal estão vivendo uma vida protegida, nesses “tempos de Covid”, como diz o ator. McConaughey disse que usa máscaras e respeita o distanciamento social, e que se preocupa com a possibilidade de uma alta dos contágios, com a reabertura das escolas e retomada dos eventos esportivos. “Isso pode dar muito errado”, ele disse.

É um momento tanto propício quanto péssimo para divulgar um livro sobre como as experiências de um astro de Hollywood podem melhorar a vida do leitor. E embora McConaughey tenha se reorganizado para algumas semanas de trabalho virtual de promoção, sua maior preocupação é cuidar da família e cuidar de sua cabeça.

Em alguns momentos, ele recorre ao humor para aliviar o terror existencial. “Todo mundo está enfrentando o pepino, e não é pequeno”, ele disse. “É um daqueles pepinos de um quilo que você encontra em barracas de beira de estrada”.

E em seguida ele descreve a situação em termos mais bruscos: “Estamos retornando ao nosso eu mais bárbaro”, disse.

Mas –para usar um adágio que McConaughey poderia aprovar—, ele tentou acender uma vela na escuridão e encontrar algum otimismo em um momento de outra forma sombrio. “Será que este não pode se tornar um ano importante, o ano em que coisas serão começadas?”, ele perguntou. “Um ano em que nos purificamos? Alguma evolução seria legal”.

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

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