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Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

Paris Hilton lança documentário sobre sua vida e diz que sempre fingiu ser loira burra

Americana segue hoje carreira de DJ e comanda 19 linhas de produtos

Paris Hilton - Daniel Jack Lyons - 1º.set.20/The New York Times
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Ilana Kaplan
The New York Times

Sentada de pernas cruzadas em sua cama, na casa em que mora em Beverly Hills, Califórnia, usando um “hoodie” turquesa, Paris Hilton parecia relaxada. Não havia nenhuma das afetações que definiram sua imagem pública por duas décadas: a voz monocórdica e infantilizada, as roupas minúsculas e reluzentes, o comportamento de falsa sonsa, a postura de que todas as coisas que estivessem na moda eram “hot”.

“Construí uma espécie de escudo ao meu redor, uma persona, quase se como para me esconder, porque passei por tanta coisa que não queria mais nem pensar a respeito”, disse Hilton, 39, em uma entrevista via Zoom. Por trás dela, um gigante espelho iluminado por um mar de LEDs criava reflexos reluzentes em seus cabelos loiros platinados.

Antes que surgissem os influenciadores, Hilton já estava lá: uma bela tela em branco sobre a qual podia ser projetada toda espécie de ideias e de marcas para patrocínio. Foi ela a primeira celebridade a polir sua fama, se não a ganhá-la, por meio do vazamento de um vídeo de sexo. Ela foi o rosto do Sidekick (e terminou vítima de uma ação de hackers no Sidekick que expôs ainda mais de sua vida pessoal aos olhos do público). Ela foi estrela de um reality show, no qual tentou ganhar a vida trabalhando com as próprias mãos, apesar de já ser rica. Gravou música, trabalhou como modelo, fez participações pagas em festas, apareceu em séries de TV, escreveu um livro com conselhos aos leitores. E foi criticada impiedosamente, e desconsiderada como uma pessoa “famosa por ser famosa”.

Independentemente dessa caracterização ser ou não procedente quando ela surgiu, agora parece difícil defendê-la. Hilton passa mais de 250 dias por ano viajando pelo mundo como DJ, com cachês da ordem de US$ 1 milhão (R$ 5,2 mi) por show. Comanda mais de 19 linhas de produtos, entre os quais fragrâncias, roupas e acessórios. E tantas pessoas agora são famosas por serem famosas que talvez ela tenha se tornado mais uma respeitável pioneira do que uma oportunista explorando a fama imerecida.

E além disso, agora ela está disposta a falar do passado. Na segunda-feira (14), o documentário “This is Paris” foi lançado no YouTube. O objetivo do filme é olhar por trás da fachada que ela criou na década de 2000, e para isso o foco da produção é a década que precedeu sua fama.

Hilton disse ter conferido à diretora do documentário, Alexandra Dean, pleno controle criativo sobre o filme. “Foi realmente difícil para mim, porque estou acostumada a exercer controle”, ela disse. “E nesse caso tive de abrir mão de todo o controle e autorizá-los a usar tudo”.

Há momentos de opulência no filme –viagens em jatos executivos através do planeta, araras inteiras de vestidos, pilhas de sapatos elegantes e closets entupidos de joias que ela nunca uso—, e Hilton não demora a ressaltar que nunca foi fotografada “usando a mesma roupa duas vezes”.

Mas o cerne do documentário está nos traumas, que Hilton sofreu nos anos passados em internatos para adolescentes problemáticos. O último que ela frequentou foi a Provo Canyon School, um centro de tratamento psiquiátrico que oferece moradia aos pacientes, no Utah, onde ela passou 11 meses.

“As pessoas simplesmente presumiam que fosse um colégio interno comum, porque era dessa maneira que ele era retratado para os pais e as pessoas que colocavam crianças naqueles lugares”, disse Hilton sobre seus pais, Kathy e Rick Hilton. Antes do filme, Hilton jamais havia contado à sua família as coisas que lhe aconteceram.

Na noite em que chegou a Provo, Hilton relembra no documentário, ela foi tirada de sua cama como se estivesse sendo sequestrada. Ela disse que, como suas colegas, recebia pílulas misteriosas para usar regularmente, e quando se recusava a fazê-lo era colocada em confinamento solitário por até 20 horas, sem roupas. Ela também conta ter sofrido abusos emocionais, verbais e físicos por parte de professores e administradores. “Era como viver no inferno”, disse Hilton.

A escola afirma em seu site que mudou de proprietários em 2000, depois da passagem de Hilton por lá. Uma representante da escola disse que a instituição “não acata e nem promove qualquer forma de abuso”. Acrescentou que “todo e qualquer abuso denunciado ou suspeitado é denunciado às autoridades regulatórias estaduais, à polícia e aos serviços de proteção à infância imediatamente, como dispõe a lei”.

Nos anos intervenientes, Hilton sofreu pesadelos e evitou terapias, porque estas tiveram papel muito importante em seus programas de tratamento residenciais. “Em minha passagem por Provo e escolas desse tipo, eu senti que os terapeutas lá não eram boas pessoas”, ela disse. “Nunca, nunca confiei neles”.

A experiência levou ao rompimento de outras formas de confiança, ela disse. No documentário, ela é vista instalando equipamento de espionagem em casa antes de uma estadia do namorado lá em um período no qual ela estaria fora da cidade. “Isso definitivamente me afetou em meus relacionamentos porque eu não sabia o que era amor real e, quando se é abusado, você se acostuma a isso, a ponto de quase pensar que é normal”, ela disse.

Eventos posteriores confirmaram essa impressão. Quando um vídeo que a mostrava fazendo sexo com o então namorado Rick Salomon vazou na internet sem o consentimento de Hilton, em 2003, as imagens circularam amplamente e ela foi ridicularizada.

“Que uma coisa como aquela circulasse, um momento privado como aquele, e o mundo inteiro pudesse vê-lo e rir das imagens como se fossem uma forma de entretenimento, foi traumatizante”, ela disse.

Mas a exposição de alguma forma serviu para impulsionar sua carreira como algo mais que uma herdeira, conduzindo a participações em reality shows e outras propostas; uma amiga e ex-assistente de Hilton, Kim Kardashian West, seguiu o mesmo caminho rumo à fama. “Eu tenho muito orgulho de tudo que ela realizou”, disse Hilton.

Publicamente, Hilton nem sempre expressou apoio a mulheres que divulgaram histórias de abuso. Mas apesar de ter dito à repórter Irin Carmon, em 2017, que as mulheres que acusavam o presidente Donald Trump –amigo de sua família– de impropriedades sexuais estavam em busca de “fama” e “atenção”, sua perspectiva agora mudou.

“Fico feliz por ter acontecido o movimento #MeToo e por as pessoas terem mudado completamente de opinião sobre isso”, disse Hilton. “Mas no começo era muito injusto como as mulheres eram tratadas quando alguém as expunha”.

Ela mascarava suas emoções. “Em cada relacionamento, eu sempre dizia que as coisas eram maravilhosas, nunca tinha sido tão feliz”, ela disse. “Era algo que eu dizia ao mundo, mesmo quando as piores coisas estavam acontecendo comigo em meus relacionamentos. Não queria que ninguém soubesse porque não queria que minha marca fosse afetada”.

Com lançamento originalmente marcado para o Festival de Cinema de Tribeca em abril, “This is Paris” é um dentre diversos documentários e séries documentárias sobre celebridades lançados pelos serviços de streaming nos últimos anos. Taylor Swift, Demi Lovato, Justin Bieber e os irmãos Jonas, como Hilton, permitiram “acesso completo” às suas vidas.

É claro que, a depender do grau de envolvimento da celebridade com seu documentário, uma narrativa bem estruturada pode ser uma forma de construir ou defender sua imagem pública.

Susanne Daniels, a vice-presidente mundial de conteúdo original do YouTube, disse que não via esses documentários como “defesa”. “As celebridades sabem que sua imagem é complexa, e em algum momento elas querem compartilhar todas as complexidades das escolhas que fizeram”, ela disse sobre as pessoas que são tema desses trabalhos. “Em alguma medida, elas podem ser consideradas corajosas”.

Para Daniels, cada documentário que o YouTube produz é “um salto de fé” em que “uma surpresa ou reviravolta vai surgir”. Daniels disse que “pensei comigo mesma que, bem, ou isso é um gancho ótimo que esses produtores criaram porque são bons produtores, e vão fazer que funcione, ou a coisa será de fato incrivelmente impactante”. Ela aprovou o resultado, no caso de Hilton. “Espero que a audiência faça o mesmo, porque acredito que Paris mereça essa revelação”.

Agora, Hilton espera usar sua marca para o bem. Ela quer expor instituições que ministram tratamentos psiquiátricos cruéis a menores de idade, e trabalhar com ex-estudantes que digam ter passado por experiências semelhantes às suas. “Vou dedicar boa parte da minha vida a fazer com que isso aconteça, a fechar esse tipo de lugar”, ela disse.

Ela já não tem interesse por interpretar um personagem, disse Hilton. “Fico feliz por as pessoas saberem que sou mais que uma loira burra. Só finjo muito bem que é isso que sou”.

Tradução Paulo Migliacci

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