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Pais contam como pandemia mudou a relação com os filhos dentro de casa

Especialista diz que a tendência das novas gerações é ter pais mais presentes

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São Paulo

"Sempre trabalhei muito, não ficava em casa. Mas, com a pandemia, passei a fazer mais coisas com eles do que antes", conta Bruno Henrique Gonçalves Viana, 31, pai de Sabrina, 12, Juan, 8, e Renan, 2. Com a esposa técnica de enfermagem trabalhando fora de casa, o analista precisou readaptar sua rotina, agora mais próxima dos filhos.

Assim como outros pais que tiveram que aderir ao home office por causa do novo coronavírus, Viana aproveitou o confinamento com os filhos para refletir sobre seu papel como pai, que, segundo ele, foi ressignificado. "Serviu, de fato, para ver os erros que eu cometia e tentar melhorar. Sempre acompanhei eles em tudo, mas não costumava brincar muito", diz o analista de customer success (sucesso do cliente), que hoje se desdobra para manter os filhos entretidos enquanto trabalha.

"Às vezes eu brinco com o meu filho mais novo jogando bola e trabalhando ao mesmo tempo. Ele quer [jogar] só comigo. Fazemos as duas coisas ao mesmo tempo né? [risos]. Com o notebook na mão e a bola no pé", conta Viana. "Acredito que isso refletiu também no meu lado como marido. O homem acha que o papel dele é só trabalhar, pagar conta e colocar comida na mesa."

Com mais de 30 anos de experiência em terapia familiar, a psicóloga Grace Falcão afirma que muitos homens estão se redescobrindo como pais neste período de quarentena –uma mudança, diz ela, que veio para ficar. "Essa divisão de tarefas é benéfica para a criança, estimula a memória afetiva. É importante criar esse vínculo." Falcão diz ainda que tem recebido relatos positivos de pais que antes não se sentiam capazes de cuidar dos filhos.

Viana conta que levava duas horas para chegar em casa após uma jornada de nove horas de trabalho. Agora ele aproveita esse tempo que era gasto no trânsito para reforçar os laços com os filhos. "Sempre gostei de desenhos de super-heróis, mas não tinha tempo para mostrar esse meu lado para eles. Nós assistimos juntos quando eu termino meu expediente. Me sinto mais próximo."

O pai de primeira viagem, Fábio Bezerril, 36, afirma que a relação com seu filho Caetano, de um ano, só tem melhorado com a nova rotina dentro de casa. Defensor da paternidade ativa –que envolve, entre outros fatores, o cuidado físico e emocional que se dá ao filho–, ele diz que não trocaria suas manhãs ao lado do filho nem se pudesse.

"A gente sempre dividiu as coisas aqui em casa. Minha esposa trabalha pela manhã e eu à tarde. Quando ela ficou grávida, eu decidi que pararia de dar aula em escola particular para ter mais tempo", diz Bezerril, que é professor de sociologia.

PATERNIDADE PARTICIPATIVA

Especialista em relações familiares, a psicóloga Edmir Nader afirma que a tendência das novas gerações é que os pais se tornem mais ativos, emocionalmente e fisicamente. Ela explica que tal qual a sociedade que passa por transformações significativas, a ideia de que o pai precisa ser uma figura rígida e distante está se desfazendo.

"A mulher não está mais no ciclo vital anterior que era esperado. Hoje ela trabalha igual ao homem, então é preciso dividir as tarefas", diz. Apesar do cenário positivo, Nader faz um alerta: "A mudança não acontece de uma hora pra outra."

Mesmo sem nunca ter se imaginado pai, Bezerril diz que compreendeu desde cedo que seu papel não seria de "ajudante", mas de protagonista. "Ser pai é uma construção. Se constrói de uma forma machista, você não participa da criação do seu filho e delega tudo para a mulher. Se desconstrói isso, você passa a colocar um certo protagonismo e fala: 'Também quero participar.'."

Mestre em ciências humanas pela UFABC (Universidade Federal do ABC), Thiago Desenzi diz que essa visão da figura paterna é recente no Brasil e se intensificou apenas nos anos 1970, após influências de movimentos europeus. "Estamos falando de transformações muito abruptas. Um pai patriarca, rígido, que tinha como função prover bens materiais e econômicos. É uma cultura que está há 400, 500 anos no Brasil."

Uma das principais vozes no Brasil sobre paternidade ativa, Marcos Piangers, 40, autor do livro best-seller "O Papai é Pop”, não se esquece da solidão que sentia quando Anita chegou ao mundo, em meados de 2005. Ele diz que sentia vergonha de dizer aos amigos que trocava fraldas ou que precisava voltar cedo para casa para cuidar da filha.

"Era uma espécie de tabu masculino. O que eles iam pensar? Eu renunciando a um churrasco e a um happy hour para ficar com bebê? Em teoria, na minha cabeça, isso era uma responsabilidade feminina", diz o escritor e palestrante.

Piangers ressalta que muitos homens possuem uma "masculinidade frágil" e associam os cuidados paternos a sinais de fraqueza. "Acredito no contrário. Para mim, é um sinal de coragem, de potência. Quando você inverte as convenções e diz: 'Eu também faço parte disso'", completa.

NOVOS DESAFIOS

A psicóloga Edmir Nader aponta que o "novo normal" imposto pela pandemia de uma convivência diária de 24 horas, com quem divide o mesmo teto, acarretou falta de espaço –que pode gerar um "ambiente tóxico" tanto para as crianças quanto para os pais. "A convivência aglomerada pode resultar no esgotamento das relações. Fica pesado dar conta de tudo dentro de casa."

Esse foi o caso do professor Fábio Bezerril que optou por deixar seu apartamento e mudar para uma casa. "Com as áreas comuns do condomínio fechadas por causa do novo coronavírus não tinha vida, não tinha espaço para ele [Caetano] se movimentar. Ele queria brincar, andar, correr. Sentimos a necessidade de mudar para uma casa."

Para Bruno Henrique Viana, o ambiente físico não foi um empecilho, porque moram em uma vila no bairro da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Ele conta que há espaço para as crianças brincarem, mas dividir a atenção do trabalho com os filhos tem sido "desgastante mentalmente". "No almoço, por exemplo, é difícil. Eu paro, faço uma hora e quando vou ver nem almocei. Só fiz comida e cuidei deles."

O mesmo é sentido pelo escritor Marcos Piangers, que intitula a raiva, como principal desafio durante a quarentena ao lado das filhas, Anita, 15, e Aurora, 8 ."A raiva de não ter o menor controle do agora. É muito natural sermos um pouco agressivos com os nossos filhos se eles não entendem uma lição, por exemplo. Não fomos preparados para essa condição de cuidadores 24 horas, e não é fácil, é muito difícil. É normal se sentir desconfortável."

Que a convivência pode ser complicada em tempos de tanta tensão, incerteza e ansiedade, é fato. Por outro lado, parece certo que os abraços e a troca de carinho entre pais e filhos estejam mais valorizados. "É um privilégio [poder ficar com os filhos] nesse mundo corrido, em que a gente não tem tempo para nada. Não dá para terceirizar a convivência com o seu filho. Tenho a sensação de que estou podendo dar o melhor, que é a minha presença", conclui Bezerril.