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Mulheres acima dos 70 conquistam seguidores ao mostrar seus corpos e estilos de vida

Terceira idade ganha espaço entre influenciadores digitais nas redes sociais

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São Paulo

Elas não têm corpos sarados, não frequentam festas badaladas, nem colecionam amigos famosos. Mesmo assim, elas estão bombando nas redes sociais. Influenciadoras digitais, com milhares de seguidores, elas são mulheres que já chegaram à terceira idade e resolveram compartilhar seus estilos e experiências online.

As motivações são diversas: influência da família, busca por maior autoestima e até por acidente ou brincadeira mesmo. Mas algumas já colhem frutos. Reconhecimento de seus “seguinetos” e “seguimores” —todas usam nomes carinhosos para seus seguidores—, presentes de marcas, contratos publicitários e até desfile na São Paulo Fashion Week.

Dirce Ferreira, mais conhecida como dona Dirce, que completou 73 anos no último dia 5, conta que até três anos atrás não tinha nem familiaridade com a internet. Ela diz que tudo começou quando fechou sua loja em Uberlândia, Minas Gerais, e se mudou para a casa da filha. Segundo ela, ficou com mais tempo livre.

“Como gosto de orquídeas, eu comecei a comprar, ganhar e a entrar nas redes sociais para saber coisas sobre orquídeas. Aí descobri que o Google é um cara muito inteligente, sabe tudo. Tudo que eu quero saber vou atrás do Google –tem a bíblia, história, filmes... então comecei a mexer mais e mais com isso.”

Mas as redes sociais vieram depois, há cerca de um ano e meio. Dona Dirce diz que tudo começou com uma brincadeira e a sugestão da neta, Izabela, para que ela recriasse a foto de outra neta, que é bailarina e trabalha em um circo no exterior. “Era uma foto dela seminua, e a gente refez igualzinha”, conta, aos risos.

“Quando a Izabela perguntou ‘posso colocar na internet,’ eu pensei ‘mas é uma velha pelada... ninguém vai se preocupar com uma velha pelada’. Mas falei para colocar, e foi uma coisa incrível, todos gostaram. Depois disso, dancei funk, com shortinho e bluzinha. Não estou nem aí para o meu corpo, para as minhas rugas.”

Dona Dirce, que é enfermeira aposentada e viúva, trabalha no salão de festas da família, alugando móveis para eventos e cozinhando no buffet, além de fazer alguns trabalhos com costura. Apesar disso, ela também tem investido na carreira de influenciadora digital, tendo contratado duas pessoas para ajudá-la em seus posts e comprado equipamentos.

A produção, porém, continua com Izabela. Refazer uma foto da cantora Anitta, 27, ou dublar uma música de Luísa Sonza, 22, cada dia uma surpresa. Mas responder aos seus “seguinetos”, só dona Dirce. Segundo ela, são 200 a 300 conversas todos os dias, com pessoas que querem contar sobre suas vidas ou apenas uma companhia.

Maria Sueli Gomes Rodrigues, 71, conhecida como Sueli Rodrigues, começou a “brincar” nas redes sociais após o incentivo de uma amiga. Ela conta que não gostava de aparecer, era tímida, mas encarou a proposta como um desafio. Ela tinha acabado de vencer um câncer no estômago e emagrecido em torno de dez quilos.

“Deus resolveu me deixar mais um pouco aqui. Acho que ele pensou ‘quem sabe ela melhora mais velha’”, conta ela, aos risos. "Eu estava mais magra, então comecei a comprar roupas, e minha amiga veio com essa ideia de fazer um blog. Eu falei ‘sou velha, tem tanta mulher gostosa, maravilhosa postando’, mas ela me convenceu.”

“Não quero me vangloriar, mas tinham poucas pessoas de idade, acima de 60 anos, na internet, fazendo o que eu faço”, conta Sueli, que começou então a postar seus looks. A amiga fazia as fotos e postava, até que sua história foi publicada no perfil Razões para Acreditar, no Instagram. “Aí bombou”, resume ela.

Sueli, que é paraibana de João Pessoa, mas vive em Itu, no interior paulista, há 35 anos, viu seus “seguimores” saltarem de pouco mais de 200 para 5.000. Após um convite para participar do programa Encontro (Globo), esse número subiu para 20 mil. Depois vieram mais programas de TV, jornais e seguidores.

Funcionária da Câmara de Itu, apesar de afastada no momento devido à pandemia do novo coronavírus, Sueli é casada há 40 anos com Edson, que agora tem até ajudado a fazer algumas das fotos que ela posta em seu perfil. “Ele é um tchutchuco”, diz ela. As filhas, no entanto, ela conta que não gostam muito da exposição.

Apesar de ter começado essa aventura nas redes sociais mostrando seus looks, Sueli afirma que não se trata de moda. “Eu quero mostrar que depois dos 60, 70 anos você pode fazer o que quiser. Não é sobre andar pelada por aí, mas colocar para fora o que você sente, trazer alegria às pessoas."

"Sou muito de mostrar coisas positivas. Quero mostrar isso. Depois de um obstáculo que você ultrapassa, não vai ficar olhando para trás, tem que dizer ‘estou aqui e nada vai me impedir se seguir em frente’. Até para as minhas cicatrizes, eu falo: ‘Eu venci, passei por cima de você’. É uma marca de vitória para mim.”

TERCEIRA IDADE NO YOUTUBE

Mas não é só no Instagram que a terceira idade está pedindo passagem. O YouTube também tem canais feitos por pessoas com mais de 60 anos. Apesar de as plataformas não divulgarem dados específicos sobre contas ou ranking por número de seguidores, o YouTube lista alguns canais em crescimento, como o As Avós da Razão.

Nele, as amigas Gilda Bandeira de Mello, 78, Sônia Bonetti, 82, e Helena Wiechmann, 92, respondem perguntas de seguidores e debatem sobre os mais variados assuntos. Sem papas nas línguas, elas falam de política, sexualidade, feminismo, e garantem que a maior parte das dúvidas não vêm de idosos, mas de seguidores jovens.

“Eles perguntam tudo e nós respondemos tudo. Como era nosso tempo de moça, se já tivemos um relacionamento com pessoas do mesmo sexo, política, ditadura, racismo, feminismo na nossa época. É instigante, porque a gente não sabe tudo, então vamos procurar, como é, como foi, como não foi. É desafiante”, afirma Gilda.

Segundo o trio, a ideia não é polemizar ou criticar ninguém, mas levar para a internet as “conversas de boteco” que elas já tinham regularmente. Elas contam que não imaginavam o sucesso que o canal faria quando o criaram há dois anos, seguindo a ideia de uma amiga, Cássia, hoje considerada diretora do canal pelas três.

“A gente entrou de forma despretensiosa”, conta Sônia. “Os primeiros episódios foram gravados pela própria Cássia, no celular. Depois começamos a melhorar aos poucos. Primeiro a câmera com microfone, depois vieram as luzes. Tudo devagarzinho, agora compramos um computador novo, mas temos planos.”

Viúvas ou divorciadas, elas vivem sozinhas, cada uma em sua casa, na capital paulista, apesar de Gilda e Sônia estarem agora, durante a pandemia, em isolamento com filhos e outros parentes. Educadas em escola de freiras, elas se conheceram há décadas e mantém a amizade até hoje, neste momento online.

“O que nos uniu foi a afinidade que tínhamos, não tem explicação. Os maridos passaram, e continuamos amigas”, afirma Sônia. Questionadas sobre o sucesso do canal, o trio aponta a espontaneidade e a falta de tabu em suas conversas como principal razão. “Se não for divertido a gente faz ficar”, brinca Helena.


CANAIS ATIVOS E EM ALTA COMANDADOS POR IDOSOS

Nacionais:
Avós da Razão: Três criadoras que têm mais de 80 anos e falam sobre diversos assuntos de forma bem-humorada.
Mais 50: O canal é dedicado a geração sênior (+50 anos) que busca conteúdo relevante para viver a vida com mais qualidade, intensidade e felicidade.
Nilson Izaias Papinho: Ele se destacou em 2019 com vídeo fazendo slime e ficou conhecido como "Vovô do Slime".
Vovó Ana Maria na Cozinha: Essa senhora compartilha diversas receitas.
Vovô Joga Também: Esse senhor gamer posta diversos vídeos jogando Fortnite.

Internacionais:
Pasta Grannies: Senhoras italianas que compartilham diversas receitas de macarrão. É um dos canais mais famosos do mundo.
Shirley Curry: Senhora americana que posta vídeos jogando o jogo Skyrim.
Gamer Grandma: Senhora japonesa que posta vídeos jogando diversos jogos como "Call of Duty", "GTA" e mais.
Senioren Zocken: Canal alemão de quatro senhoras que postam e criam vídeos jogando diversos games (ex: Fortnite).

Fonte: Google


RECEBIDO, CONTRATOS E DESFILES

Com a popularidade nas redes sociais, algumas influenciadoras digitais da terceira idade já colhem frutos, que vão além da admiração de seus seguidores. São recebidos de diversas marcas, contratos publicitários e patrocínios, apesar de a maioria concordar que não seria o caso de trocar um emprego fixo para viver da internet.

“Retorno financeiro suficiente para nos sustentar não dá não. Mas dá para garantir nosso boteco. Assim que eles abrirem [após a pandemia do novo coronavírus], a gente fecha o boteco para a gente”, brinca Gilda, do canal no YouTube As Avós da Razão, que tem mais de 43 mil inscritos e está na lista de canais em alta na plataforma.

Sueli Rodrigues também afirma ter retorno baixo, mas admite que um pouco disso é culpa dela: “Eu não sei negociar”, brinca. “Tem aparecido gente perguntando sobre posts, mas muitas vezes eu vou com a cara da pessoa e ajudo. Quero ganhar dinheiro, mas não é meu principal foco, me anima mais o retorno das minhas ‘seguimores’.”

“Esse retorno é o mais legal: as mensagens de inspiração, força, pessoas dizendo como alegrei o dia delas. Por isso gosto de lives. Entro sozinha, e se tem alguém querendo falar comigo eu bato papo. O velho não morreu, está vivo. Por isso, deem atenção aos pais, avós, bisavós, que ainda têm muito a ensinar e aprender”, afirma Sueli.

Mas também tem casos de influenciadoras da terceira idade com contratos com marcas famosas. Dirce Ferreira conta que começou a ser procurada por elas quando atingiu a marca de 60 mil seguidores. Primeiro foram recebidos [estratégia em que a marca dá o produto, e o influenciador “paga” com divulgação].

“Quando fui para 100 mil seguidores, comecei a fazer propaganda para um supermercado, e me davam R$ 200 em compras. Hoje, com 160 mil, faço publicidade para Avon, Nestlé, Grupo Zema [que atua no setor de varejo e serviços]. Agora já vou tentar arrumar um estúdio e tenho duas meninas para me ajudar.”

Outro caso de sucesso é o de Izaura Demari, que aos 79 anos tem fechado contratos de trabalho de até R$ 30 mil. Segundo seu filho Marcio Demari, 51, que trabalha com publicidade e hoje coordena a carreira da mãe, os valores poderiam sustentar Izaura, mas seus projetos acabaram prejudicados pela pandemia.

Moradora de Florianópolis, Izaura nasceu na região rural do Paraná e não chegou a ser alfabetizada. Seu estilo extravagante, no entanto, chamou a atenção das pessoas e a fez famosa nas redes sociais. “Eu sempre gostei de chapéu, óculos, bastante assessório, e em todo lugar que eu ia as pessoas falavam ‘quem é essa velhinha’”, lembra.

Segundo seu filho, Izaura era fotografada e comentada mesmo antes de seu perfil no Instagram, e foi isso que a incentivou. “Na minha cabeça, para uma pessoa ser contratada para uma campanha tinha que ser muito famosa, mas não, ela já foi no Se Joga (Globo), no Domingo Show (Record), participou da São Paulo Fashion Week.”

Apaixonada por viagens e passeios por shoppings de São Paulo, Izaura afirma que para ela tudo não passa de diversão, embora o filho já encare como um mix de diversão e trabalho. Eles têm planos inclusive de passar períodos em outras regiões do país e até no exterior para promover Izaura. Ela diz que espera conhecer a Itália.