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Cabelo preso ou solto? Liso ou cacheado? Com presilhas ou tiara? A cada festa ou encontro mulheres enfrentam essas dúvidas e podem experimentar cada opção de acordo com a mensagem que querem passar: sensual, romântica, despojada. Mas e quando o cabelo não está lá?
Essa é a realidade de muitas mulheres que passam por tratamentos de quimioterapia contra o câncer. O dilema pode parecer um pouco supérfluo diante da doença, mas ver sua aparência mudando do dia para noite pode ser assustador: primeiro o cabelo, depois as sobrancelhas, até os cílios.
“A primeira coisa que você pensa é: ‘Eu vou ficar careca’. Não é ‘eu vou morrer’, ‘vou perder o seio’, mas ‘eu vou ficar careca”. É assim que a dona de casa Wilma Alves Canossa, 58, descreve o momento em que recebeu a notícia de seu médico de que o câncer de mama havia voltado.
Com 54 anos na época, ela conta que via um programa na TV sobre a doença, quando levou a mão a um dos seios e, imediatamente, sentiu uma "bolinha". “Corri para o banheiro, tirei a blusa e vi que o bico do peito estava para dentro. Liguei para o meu mastologista na hora. Quando olhou, ele falou ‘voltou e voltou agressivo’”, recorda.
A professora Sueli Salotti, 53, diz que sua primeira pergunta à médica também foi sobre o cabelo. “Não é como se o cabelo fosse minha maior preocupação, mas foi sim a minha primeira pergunta. Quando ela disse que sim, cairia, eu falei ‘ok, vamos lá’. Depois de 15 dias já estava fazendo quimio”, conta ela, que teve um carcinoma gástrico (câncer de estômago), em 2017.
Mas como lidar com essa perda de cabelo? É possível de preparar? Salotti, por exemplo, decidiu cortar as madeixas em três etapas: na altura das orelhas, "joãozinho" e só depois raspar. “Se eu soubesse que doía tanto o couro cabeludo... O tratamento faz o bulbo inflamar, a cabeça coçar, hoje eu recomendo quem passa por isso a raspa."
Já Canossa optou por manter seu cabelo, que já era bem fininho, no início da quimioterapia e chegou a pensar que poderia evitar a queda. “Sabia que ia cair, mas fiz a primeira sessão [de quimioterapia] e nada. Então fiquei animada, me achei uma supermulher. Aí a médica falou em oito dias, e foi exatamente assim: em oito dias”, conta.
O médico oncologista Athur Malzyner afirma que essa queda de cabelo acontece porque a quimioterapia age contra a proliferação celular, já que o câncer é uma multiplicação celular descontrolada. Essa anomalia faz com que parte do organismo perca função e boa dose de energia seja gasta alimentando as células cancerosas.
"O tratamento combate essa proliferação, mas de maneira inespecífica, isto é, acaba afetando outros sistemas também, os de rápida proliferação, como os folículos pilosos, as células do epitélio gastrointestinal, as células da medula óssea. Por isso, teve que ser feito toda uma preparação para balancear esses efeitos”, afirma Malzyner.
A quimioterapia afeta da mesma forma homens, mulheres e crianças, mas a perda de cabelo geralmente é mais traumática para as mulheres. Somem as opções de solto ou preso, liso ou cacheado e vem a escolha por lenços ou perucas. O sensual e o moderno dão lugar à busca pela discrição, pelo modelito mais "real".
A escolha é muito particular. Salotti conta que tentou uma peruca após a sugestão de uma amiga, mas não se adaptou. "Era quente, não me senti bem com aquele negócio estranho”, afirma. A solução encontrada foram as bandanas e lenços.
O acessório virou presente de sogra, tia, amigos. Para fazer a amarração teve que recorrer à internet. "Eu assumi a 'carequice', mas totalmente sem lenço, eu não saía. Mesmo com a cabeça coberta, eu via os olhares. Não era de nojo, era de pena. Entrava num elevador, as pessoas se afastavam como se fossem pegar. Até vinham algumas perguntas, mas isso não era um problema, eu respondia normal”, diz Salotti.
Já Canossa afirma que desistiu dos lenços por conta dos olhares que ele atraiu e das perguntas que gerou. "Depois que chorei tudo e de perder o cabelo, coloquei um lenço e fui ao sacolão. Lá uma senhorinha começou a falar que essa doença é terrível e que eu ia morrer tão nova, mas Deus ia perdoar meus pecados. Eu deixei tudo lá e fui para casa, meu astral foi lá embaixo."
Foi assim que ela optou pelas perucas. Com uma foto de seu antigo cabelo, foi até uma loja e começou a experimentar até escolher: R$ 800. “Eu só pensava ‘o meu cabelo era tão fininho, mas eu gostava dele’, agora era uma peruca humana, mas dava para ver que era peruca. Coçava para caramba e é uma merda usar aquilo no calor."
Justamente para ajudar mulheres nesse momento de vulnerabilidade, algumas organizações fazem doações de lenços e de perucas. Sem cobrar nada, elas recebem lenços ou cabelo humano e doam para quem está em tratamento contra o câncer ou mesmo de outras doenças.
“Eu tive câncer de mama em 2013 e passei por um tratamento que não me fez perder o cabelo. Já acompanhava minha irmã, que tem um câncer metastático (em dissiminação pelo organismo), então eu vi que era muito privilegiada. Foi assim que decidi deixar o cabelo crescer para doar, e tudo começou”, conta Elizabeth de Castro Lomaski, 55.
Hoje, Lomaski é presidente da Associação Rapunzel Solidária, que recebe doações de cabelos humanos e os doa já em forma de peruca. Ela tem parcerias com salões de cabeleireiro, e tem voluntárias para fazer as perucas e doar em alguns hospitais, além de receber pedidos por perucas no próprio site da instituição. Em cinco anos, foram doadas 6.500 perucas.
Salotti, que hoje está em estágio de remissão da doença, agora também doa seus lenços, pouco a pouco. “Depois do tratamento, meu cabelo voltou, aí eu só pensava ‘não sabia que tinha tanto cabelo branco’, mas ele também veio mais grosso, forte”. Ela conta que unhas e pele, que mudaram com o tratamento, já começam a se recuperar.
O cabelo de Canossa também voltou. Agora ela lida com as marcas da cirurgia para retirada das duas mamas. Ela chegou a colocar silicone, mas o corpo rejeitou a prótese. Por isso, hoje ela tem duas: uma de espuma que vai dentro do sutiã no dia a dia e uma segunda, de silicone, que custou R$ 1.500, reservadas para as festas.
"Hoje sou completamente deformada. É horroroso, tenho cicatrizes, mas eu me viro muito bem. Hoje eu penso: ‘Deus levou meus peitos, mas me deu uma pessoinha inteligente, com dois braços, duas pernas’”, comemora ela ao se referir a neta, Letícia, de um ano.
EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO
Apesar de a perda do cabelo ser uma das principais preocupações dos pacientes com câncer, o médico oncologista Arthur Malzyner afirma que não são todos os tratamentos contra a doença que chegam a esse resultado. Os medicamentos, diz ele, têm evoluído consideravelmente nos últimos 20 anos para evitar isso.
“Até o final do século passado, basicamente, os tratamentos contra o câncer eram de compostos inespecíficos, que atuavam contra a proliferação celular do câncer e de outros sistemas. A partir do ano 2000, surgiram as medicações dirigidas a alvos moleculares. Elas são muito mais específicas e atuam de maneira mais particular naquele câncer.”
Segundo ele, as terapias dirigidas a esses alvos moleculares deixaram muito menos tóxicos os tratamentos contra o câncer. Ele avalia que “de 50 medicações usadas dos anos 1950, nos anos 2000 precisamos de apenas duas mãos para contar as drogas desse tipo usadas com frequência na quimioterapia”.
O termo quimioterapia, porém, continua a ser usado de forma genérica, mas o tipo de tratamento vai depender do tipo de câncer, estágio e até idade do paciente. Apesar disso, câncer de mama, pulmão, intestino, estômago, cabeça e pescoço ainda dependem do tratamento inespecífico, segundo ele, provocando sim a queda de cabelo.
EVITANDO A QUEDA DE CABELO
A dermatologista Juliana Toma alerta que há casos, inclusive, de perda irreversível dos cabelos. Segundo ela, isso acontece com algumas medicações usadas em casos de transplante de medula. Mas também há tratamentos que visam evitar a queda de cabelos de pacientes com câncer: a crioterapia.
“É o que a Ana Furtado [apresentadora da Globo] fez e tem evoluído bastante, que é o resfriamento do couro cabeludo. É uma máquina na qual você coloca uma touca e começa a resfriar. A ideia é diminuir a circulação sanguínea da região. Os vasos do couro cabeludo ficam mais fechados, evitando que o sangue leve até a região do cabelo essa medicação", diz Toma.
O tratamento surgiu ainda na década de 1980 e tem evoluído, mas Toma afirma que os resultados ainda são bastante variados, por isso sua adoção ainda não é uma recomendação. Alguns quimioterápicos, diz ela, continuam a agir mesmo depois da aplicação e podem atingir o couro cabeludo após a crioterapia.
“Você resfria o couro cabeludo por 4, 5, 6 horas, enquanto recebe a medicação, mas a meia-vida da droga pode ser maior, agindo mesmo depois da terapia e chegando ao couro cabeludo. Além disso, o procedimento é bastante desconfortável e algumas pessoas acabam desistindo no meio do processo."