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Descrição de chapéu The New York Times tiktok

Rede social vira palco de indignações e cobranças, e nem a Chanel escapa

Reclamação contra calendário de Natal da marca viraliza no TikTok

Calendário do advento da beleza da Chanel - NYT

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Vanessa Friedman

Não existe fúria semelhante à de uma multidão de mídia social que acredita ter detectado uma trapaça por uma empresa de produtos de luxo.

Ou era isso que parecia estar acontecendo no final de semana retrasado passado quando uma série de vídeos sobre um calendário natalino da Chanel, vendido por US$ 825 (cerca de R$ 4.600), e a decepcionada compradora que o adquiriu se tornaram sucesso viral, inspirando uma multidão de usuários a pedir pênalti contra a grife. Ou pelo menos a protestar em sua página de Instagram.

De certa forma, esse é só o mais recente exemplo de fazer justiça com as próprias mãos aplicado a poderosas marcas mundiais por pessoas determinadas a apontar para injustiças e supostas injustiças, entre as quais apropriação cultural, cópia de designs e outras formas de comportamento indevido; e também é uma indicação de como o balanço de poder está mudando, entre as marcas e a audiência.

Mas as emoções despertadas pela campanha de oposição ao calendário natalino Chanel [formado por pequenas janelas a serem abertas uma por dia nos 12 dias anteriores ao Natal, cada qual contendo um brinde] parecem ser especialmente intensas, talvez em parte por conta do feriado envolvido e da ideia de que, em lugar de representar boa vontade com relação aos clientes, esse presente específico parece sugerir que eles foram escalados para o papel de otários.

Eis o que aconteceu: em 3 de dezembro, Elise Harmon, usuária do TikTok na Califórnia, postou um vídeo que a mostrava abrindo o pacote de um calendário natalino Chanel, em forma de um vidro de Chanel Nº 5. "Será que comprar isso quer dizer que estou louca"?, ela perguntou. "Com certeza. Mas nunca vi um calendário natalino Chanel, por isso vamos estudar se ele justifica o agito todo".

Harmon deu ao calendário "nota 10" no quesito embalagem, mas se irritou ao abrir a caixa e encontrar adesivos da Chanel. (Ela gostou de uma amostra de creme para mãos que acompanhava a encomenda, porém.)

E assim prosseguiram os vídeos, uma série de oito, na qual Harmon mostrou perfumes (bom), chaveiros (nem tanto), batom e esmalte de unhas (em geral bons, mas em tamanho amostra), um espelho (não), um bracelete de fita com um selo de cera (ahn?), um pequeno globo nevado de plástico e... uma sacola Chanel, usada para embalar sapatos e outros acessórios. Parece que foi a sacola que realmente irritou as pessoas.

Até o dia 6 de dezembro, os vídeos tinham sido assistidos mais de 50 milhões de vezes e cada um deles tinham milhares de comentários, a maioria dos quais do tipo "você foi afanada" ou "quem é que eles acham que são?" Para coroar a confusão, Harmon disse a seus seguidores que tinha sido bloqueada pela Chanel.

Ainda que a Chanel tenha uma página no TikTok, ela está inativa e não aceita comentários nem seguidores, o que não esclarece exatamente onde Harmon teria sido bloqueada –ela não atendeu a pedidos de comentário—, mas isso não impediu os espectadores de seus vídeos de tomar de assalto a conta da Chanel no Instagram, que tem mais de 47 milhões de seguidores e que vinha postando mensagens sobre o Métiers d’Art, um evento que aconteceu em Paris na terça-feira (7).

Sob cada foto dos trabalhos de diversos ateliês especializados que a Chanel agora patrocina –a fabricante de flores Lemarie, o ateliê de bordados Montex, entre outros– e clipes promocionais de filmes da coleção, existem centenas de comentários: "Não ignorem o inevitável! Queremos respostas!" e "esse filme foi bancado pelas vendas de calendários?"

Na segunda-feira (6), quatro dias depois que Harmon postou o primeiro de seus vídeos, a ação continuava forte –e o número de seguidores dela ainda estava subindo. (Reação negativa semelhante aconteceu na China, onde um blogueiro também definiu o calendário natalino da marca como incompatível com o preço cobrado.)

Quanto à Chanel, a empresa não tratou da questão publicamente, mas Gregoire Audidier, diretor de comunicação internacional e estratégia de experiência de clientes na Chanel Fragrance and Beauty, escreveu em um email que "a recente afirmação de uma pessoa sobre estar sendo bloqueada pela Chanel no TikTok não procede. Jamais bloqueamos o acesso de qualquer pessoa à página da Chanel no TikTok, porque a conta não está ativa e não publicamos qualquer conteúdo nela. Nosso compromisso é compartilhar nossas criações com nossos seguidores em todas as mídias sociais nas quais estejamos em atividade. Nossas páginas estão abertas a todos e nossos seguidores estão livres para expressar seus sentimentos e opiniões, quer entusiásticas, quer críticas".

Na verdade, a Chanel não é a única marca de luxo a oferecer calendários natalinos caros, embora o seu produto seja o mais caro. Na verdade, ela demorou a entrar no jogo que começou cerca de uma década atrás.

Agora existem diversos desses calendários natalinos de edição limitada, entre os quais produtos da La Mer, Guerlain e L’Occitane. Dior (US$ 550 ou R$ 3.080​), Armani (US$ 310 ou R$ 1.730) e Saint Laurent (US$ 300 ou R$ 1.680) também oferecem calendários natalinos. Nenhum deles é barato e a maioria contém uma mistura de amostras de produtos de beleza –as versões miniaturizadas muitas vezes distribuídas como brindes para acompanhar compras– e edições limitadas ou em tamanho regular de alguns itens.

E as versões criadas pelas grifes de produto de beleza são apenas a última novidade no avanço dos calendários natalinos, inventados na metade do século 19 na Alemanha a fim de ensinar sobre o catecismo e religião a crianças. Eles sempre foram comercializados. Até os nazistas produziram calendários natalinos como forma de propaganda.

(O calendário natalino mais caro do mercado talvez seja a nova versão de US$ 150 mil [cerca de R$ 840 mil] criada pela Tiffany, um gabinete de 1,20 metro de altura que traz na frente uma reprodução de uma pintura de Jean-Michel Basquiat usada na recente campanha "Equals Pi", e 24 presentes do lado de dentro.)

Assim, por que a versão da Chanel incomodou tanto as pessoas? Afinal, as marcas de luxo jamais relutaram em admitir que, em boa medida, o que seus clientes compram é o valor de marca em si. Uma sacola com a marca Chanel vale mais do que uma sacola sem marca alguma.

Além disso, a Chanel informa sobre o conteúdo do calendário em seu site e por isso o que as pessoas recebem por seu dinheiro não é segredo. Nada indica que a marca está oferecendo com seu calendário seja mais enganoso do que aquilo que qualquer outra grife oferece.

Mas porque o calendário era novidade, porque seu preço era tão alto e porque era um produto Chanel com toda a mitologia incorporada a esse nome, as expectativas podem ter sido maiores: havia mais em jogo. E a sensação de traição das pessoas cujas expectativas não foram atendidas foi, assim, mais intensa –assim como o desejo de atacar a empresa, aparentemente.

Aqueles que lucram com percepções de marca também podem perder por causa delas. O que Harmon abriu não foi só um vidro miniaturizado de perfume. Foi uma nova realidade completamente fora da caixa.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci