Estilo
Descrição de chapéu The New York Times

Temporada do nu: Pessoas 'desfilam' com sutiãs e cuecas nas ruas de NY

Tendência se espalha após período de isolamento e calor em alta

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Guy Trebay

Quem nunca teve o pesadelo? Aquele sobre ser apanhado em público usando só roupas de baixo? Terapeutas e livros de análises de sonhos tendem a descrever esses sonhos como expressões simbólicas de vergonha ou repressão.

Mas, e se os que se dizem especialistas estiverem errados, e esses sonhos na verdade representarem uma busca inconsciente de liberação? Deixe o embaraço de lado junto com as roupas. E caminhe orgulhosamente pela rua com suas cuecas com estampa de tartaruga ou seu sutiã Cosabella.

É com certeza o que muita gente vem fazendo ultimamente, ao sair de casa depois de 16 meses de hibernação e exercitar um grau notável de liberdade na definição do que passa por “roupa de rua”.

​Apenas dez anos atrás, era raro ver pessoas na Quinta Avenida ou no Washington Square Park, usando o metrô ou esperando em aeroportos em estágios variados de nudez parcial. Mas quem quer que tenha saído a passeio nas ruas de Nova York recentemente poderá afirmar que esse deixou de ser o caso.

Para resumir, muita gente está saindo à rua seminua. Na semana passada, a jornalista Claudia Summers estava na rua, em Midtown Manhattan, fazendo compras e resolvendo problemas, quando encontrou uma jovem caminhando despreocupadamente na rua 33, perto do Moynihan Train Hall, e vestindo jeans de corte baixo e um sutiã.

Um seguidor de Summers perguntou se era um sutiã esportivo, depois que ela postou uma foto da moça em sua conta no Instagram. “Com certeza não!”, respondeu Summers, que acrescentou rapidamente que admirava a ousadia da mulher, e que o dia, além de tudo, estava quente.

Ela não estava falando de um top em estilo biquíni. Tops minúsculos e biquínis de crochê estão em toda parte. O mesmo vale para shorts jeans com corte alto o bastante para revelar a curvatura do bumbum. E o uso desses itens não se limita de maneira alguma a pessoas que se identificam pelos pronomes “ele” ou “ela”.

“Sou exibicionista e mostrar meu corpo me dá prazer”, disse o mensageiro Kae Cook, 32, sobre sua seleção de modelos para uma noitada recente, enquanto caminhava pela rua Oito, no East Village.

Para se manter refrescado em um dia quente, Cook tinha saído usando calções de bicicleta com a bainha na altura da metade da coxa, e um sutiã esportivo sumário. “Especialmente depois da pandemia, as pessoas sentem prazer em mostrar seus corpos, não importa como sejam esses corpos, e me sinto muito confortável vestido assim”, ele disse.

Que nem todo mundo compartilha dessa opinião ficou perceptível com o caso de Deniz Saypinar, 26, fisiculturista turca e influenciadora de mídia social que recentemente foi impedida de embarcar em um voo da American Airlines do Texas para Miami supostamente porque sua camiseta sem mangas marrom e shorts curtíssimos poderiam “incomodar as famílias” a bordo do avião

​Saypinar rapidamente recorreu à mídia social para relatar o incidente ao seu milhão de seguidores, explicando, com lágrimas nos olhos, que a equipe do portão de embarque a havia insultado ao dizer que ela estava “quase nua” –o que, é justo dizer, ela estava.

Em declaração, a American Airlines confirmou que Saypinar havia sido impedida de embarcar e que havia recebido uma passagem para um voo posterior, desde que usasse roupas mais recatadas. “Como explicamos em nossas regras de transporte, todos os passageiros precisam se vestir apropriadamente e trajes ofensivos não são permitidos a bordo de nossos aviões”.

As regras de transporte, se podemos estender o uso do termo, mudam o tempo todo na cultura mais ampla, na qual os trajes das mulheres sempre tenderam a causar controvérsia. Além disso, a sociedade sempre regulou severamente as escolhas de figurino de acordo com o clima político, os costumes e as preferências.

“Os esforços para impor modéstia por via legislativa são sempre desiguais em termos de imposição e de aceitação”, disse Reina Lewis, professora de estudos culturais no London College of Fashion, recentemente por telefone, acrescentando que embora a parada recente de corpos seminus vista nas ruas certamente sinalize alguma forma de libertação, ela estaria mais enraizada no pragmatismo fomentado pela pandemia do que no desejo de desafiar a moralidade convencional.

“Saindo do lockdown da Covid, muita gente precisa ir para a rua”, ela disse. Os jovens não puderam namorar, em geral. Muitos estão desesperados por férias, e é improvável que possam tirá-las. As viagens se tornaram mais caras e complicadas.

“Assim, basicamente”, disse Lewis, “o que temos são pessoas tirando férias em casa. Os trajes casuais que reservamos a festas na beira da piscina e churrascos estão em uso nos únicos destinos de férias disponíveis: as praças e as ruas da cidade”.

“O mundo está esquentando, com o aquecimento global”, disse a bartender Nefalfj Lewis, 25, que caminhava com uma amiga por St. Marks Place na semana passada. A despeito da umidade subtropical calcinante, Lewis não parecia incomodada com o clima. “A cidade é quente e suja, e você precisa fazer o que pode para ficar fresca e confortável”, ela disse. Lewis estava usando um macaquinho de algodão listrado e carregava uma toalha de praia embaixo do braço (para usar no metrô “sujo”).

Mas e quanto às normas tradicionais de vestimenta, e os dias que requerem que as pessoas se arrumem para eventos na cidade? Os nova-iorquinos trocaram a vaidade pelo conforto. E cederam a liderança na guerra entre as capitais urbanas da moda a Paris ou Milão?

“Compreendo que avançamos de estar escondidos, e de ninguém se incomodar com que roupa uma pessoa usa ao sair porque ninguém estava vendo os outros, para esse inesperado momento de emergir em público”, disse Linda Fargo, diretora de moda feminina na loja Bergdorf Goodman, em uma mensagem de texto na qual descreve o que vê como queda dos padrões de orgulho cívico. “Nunca vi looks como esses ou tanta liberdade de expressão de moda não importando a hora ou lugar —exceto se estivermos falando de Ibiza ou St. Tropez”.

Mas barreiras de toda espécie já não tinham começado a cair antes do lockdown, quando pessoas começaram a usar calças de pijama na rua, além de chinelos e colantes da Lululemon? (Para não mencionar os calções de ciclismo de lycra.) O decoro se tornou o vestidinho de chita da moralidade, tentando manter o recato em meio a um cenário digital tumultuoso no qual ninguém sabe quem está sem calças na reunião do Zoom e selfies íntimos se tornaram o equivalente de um “olá” no Twitter.

Considerado desse ponto de vista, o uso de roupa de baixo na Quinta Avenida provavelmente sempre foi um dos destinos a serem atingidos, na progressiva destruição das distinções entre público e privado. Ou eu assim imaginava até uma tarde recente, quando, desviando o olhar do meu Harvest Bowl no restaurante Sweetgreen, vi do outro lado da vitrine uma jovem atravessar a rua casualmente em Astor Place, usando shorts curtos, sandálias e completamente nada da cintura para cima –o que é perfeitamente legal em Nova York.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci