Calçado respirável ou com trava para a chuva, qual é o futuro do tênis
Design Museum de Londres explora o poder cultural dos tênis em mostra
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Em fevereiro de 2005, uma manchete do jornal The New York Post dizia: “Frenesi do tênis: procura de calçado causa tumulto”. Os sneaker freaks, parte da sociedade americana para a qual o lançamento de um novo tênis é aguardado com tanta ansiedade quanto o Natal, sabia exatamente qual era o modelo que havia causado confusão diante de uma loja de sapatos do Lower East Side. Mas para os nova-iorquinos comuns, a ideia de que pessoas formassem fila em plena madrugada para comprar um dos 150 pares do Nike Dunk SB Low Staple “NYC Pigeon”, com um pequeno pombo bordado no calcanhar, parecia absurda.
Hoje, o modelo que causou a “revolta do pombo” –nome dado ao episódio por colecionadores de tênis– atinge preço de até 25 mil libras (R$ 150 mi) nos sites de revenda. E e está presente, ao lado de outros designs cultuados, em uma nova e fascinante exposição no Design Museum de Londres, chamada “Sneakers Unboxed: Studio to Street”, que mapeia a transformação de um calçado esportivo funcional em um marco simbólico da cultura. Mais de um bilhão de pares de tênis foram vendidos em 2020, e o mercado para os modelos raros está em disparada. Em abril, um par de Nikes Air Yeezy 1s usado por Kanye West foi vendido por US$ 1,8 milhão (R$ 9,5 mi) em um leilão, o triplo do recorde anterior para a aquisição de um par de tênis.
Mas o que vai determinar a direção que seguirão os tênis em que investiremos no futuro? “O interessante é que esse tipo de calçado não mudava muito, no começo”, diz Ligaya Salazar, curadora da exibição. Alguém descobriu a vulcanização [um processo para endurecer a borracha natural o suficiente para permitir seu uso em solas de sapatos], alguém descobriu como colar borracha vulcanizada a lona, e lá estava o tênis. E entre 1900 e as décadas de 1950 e 1960, eles realmente não mudaram muito de aparência”.
Mas depois disso, no entanto, veio um período rico em saltos memoráveis de inovação, como a introdução do Gore-Tex, um tecido à prova de água, em 1979; a tecnologia Pump, da Reebok, lançada em 1989, que posicionava uma câmara de ar dentro do calçado para permitir que o usuário ajuste o tamanho do tênis com exatidão ao inflar e desinflar a câmara; e o Nike Shox, lançado em 2000, que trouxe uma revolução ao amortecer choques e surgiu com uma assinatura memorável: “O boing voltou”.
E agora? Se você sofre de calor nos pés, e eles suam demais, com certeza vai curtir o “sapato respirável”, uma experiência da Puma e do laboratório de design do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um laboratório de pesquisa multidisciplinar. A parte superior do calçado é feito de um material moldado que contém cavidades repletas de bactérias; em resposta ao calor gerado pelos pés, as bactérias comem o material de forma a criar um buraco que permite a entrada e circulação do ar.
Igualmente legal é o primeiro tênis da Nike que dispensa o uso das mãos, o Go FlyEase. O modelo traz um calcanhar basculante que permite que o usuário ponha e tire o calçado sem usar as mãos. Também houve um protótipo em 2019 que explorava uma tração melhor em condições úmidas graças à tecnologia Hydro-Grip, usada na sola de um modelo Puma desenvolvido pelo MIT. Moléculas de hidrogel na sola se expandem em contato com água e fazem com que surjam “travas” no solado do calçado, o que permite continuar jogando mesmo que chova.
O surgimento de uma nova geração de mulheres interessadas em colecionar tênis –uma categoria de consumidor que por muito tempo foi ignorada pela indústria, que acreditava que criar produtos para mulheres requeria só reduzir os tamanhos e oferecer uma versão cor de rosa– também é reconhecida na mostra. Um par raro de tênis Nike com solas de glitter, criado para o 15º aniversário da boutique parisiense Colette, que já fechou as portas, é um dos destaques. Mas Salazar admite que teve dificuldade para encontrar designs voltados à mulher. “Agora há um pouquinho mais de influência criativa feminina [se infiltrando no ramo], mas ele ainda fica devendo”.
Mesmo assim, as coisas estão mudando. O StockX, um site de Michigan que se especializa em revenda de tênis de procedência verificada e apoiador da exposição, prevê que sua base feminina de usuários, que cresceu mais de 100% em 2020, continuará a florescer; o site agora vende mais tênis femininos em quatro horas do que vendeu em todo o ano de 2016.
A busca de sustentabilidade também deve influenciar o design de tênis no futuro. Um exemplo é o robô usado para tecer as porções superiores do calçado no modelo Adidas Futurecraft Strung, que pode ser produzido de acordo com especificações exatas dos atletas, reduzindo o desperdício e criando um calçado muito leve, que estará disponível no final de 2021. O design de Stan Smith para a companhia alemã é feito de Mylo, uma alternativa ao couro, produzida de um fungo chamado micélio. Salazar insiste, porém, que o desperdício é o maior problema ambiental. “Para mim, o futuro está nos modelos produzidos ‘on demand’. O fato é que produzimos bilhões de pares de calçados ao ano, e apenas parte deles são comprados”.
É aí que entra Keilan Kogut, um jovem e carismático torcedor do Leeds United que dirige o Adikoggz, um serviço de restauração e personalização de calçados, de sua casa, em Pudsey. A mostra inclui um vídeo de Kogut trabalhando na pia da cozinha de sua casa, lavando a lona, repintando faixas, e restaurando a camurça de calçados. Ele criou seu negócio quando percebeu que seu pai costumava comprar tênis novos para usar em jogos de futebol, e que os jogava fora quando se desgastavam. “Se posso restaurar nove pares de calçados em minha casa, são nove pares a menos para encher os aterros sanitários”, ele diz.