X de Sexo Por Bruna Maia
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Narrativas para explicar o desinteresse crescente por apps de relacionamento

Quem diria que 'orbiting' atrás de 'ghosting' atrás de 'love bombing' iria nos enlouquecer

A pintura 'Nighthawks' (1942), de Edward Hopper - Reprodução/Wikipédia

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Numa sexta-feira de noite estava entediada e não sabia o que fazer. Com preguiça de ativar meus amigos ou de ir para algum bar e ver a paisagem, decidi fazer o download de um aplicativo.

Sim, eu baixei aquilo!

Um aplicativo de jogo de Merge & Story, em que você precisa juntar itens diferentes e desvendar um enigma. Não, em nenhum momento me passou pela cabeça baixar o Tinder ou o Bumble e perder horas preciosas da minha vida olhando perfis deprimentes de homens para, quem sabe, conseguir marcar uma transa meia boca. Transar é bom, mas se for para fazer algum esforço para ter sexo, mais frutífero ir até algum bar da Lapa (região boêmia do Rio) e trocar olhares.

Creio que não sou a única com bode desses apps. Amigas e amigos, quando falam deles, soltam um suspiro de cansaço. Decidi usar meu poder de ficcionista e criar duas histórias (absolutamente inventadas) para retratar o desgosto com essas ferramentas:

1 - Tadeu nunca foi pegador na época do colégio. Aos 26, ele se casou com a mulher que ele namorava desde os 20. Ficaram juntos por 14 anos, até ela ter um caso com o colega de trabalho e perceber que Tadeu era ruim de cama. Depois de breve depressão de divorciado, ele fez exercícios e usou minoxidil. Então, decidiu baixar o Tinder e descobriu o mundo encantado do homem heterossexual. Para cada cara bem mais ou menos como ele, havia dez mulheres bonitas e interessantes. Marcou date atrás de date.

Cada encontro era uma sessão de "terapia", já que psicólogo mesmo ele não queria contratar. Algumas mulheres já se desinteressavam logo de cara, outras persistiam. De modo que ele se viu numa situação em que fazia quatro sessões de "terapia" com moças diferentes na mesma semana. Quando uma se apegava demais e queria ser assumida e nomeada namorada, ele dava um perdido. Um "vamo se falando". Um vácuo completo. Ele quebrou seis corações, todos tiveram de se remendar na terapia de verdade.

Até que um dia surgiu ELA. Uma mulher bela e sorridente, perfeita para preencher os buracos deixados pela ex. Perfeita para desfilar de mãos dadas e apresentar aos amigos como se fosse um troféu. Estava disposto a largar tudo por ela –ou seja, desinstalar o Tinder, o Bumble, o Instagram e até o LinkedIn. Deu presentes e até aprendeu a fazer sexo oral para agradá-la. Mas ela foi implacável. Cansou dele (o que não era difícil) e nunca mais respondeu suas mensagens, até porque o bloqueou em todas as redes sociais, sem dar explicações.

Agora Tadeu faz um sabático. Problematiza os relacionamentos líquidos da modernidade desde que alguém pegou seu coração e bateu com suas lágrimas no liquidificador. Quer encontrar o amor verdadeiro, longe da lógica algorítmica. Se inscreveu em um retiro tântrico –mas Tinder nunca mais, promete.

2 - Leilane se sentiu muito desejada ao perceber a quantidade de matchs que conseguia por dia. Alguns com homens lindíssimos e aparentemente muito interessantes. Já se encantou logo no primeiro date, com um surfista (ao menos ele tinha fotos com prancha) mais calvo do que as fotos prometiam. Por ela, ela sairia com ele dia sim outro também. E logo engataria um namoro. Mas a real é que ele parou de responder às suas mensagens após a primeira noite e ela caiu em lágrimas pensando no que fizera de errado.

Mal se recuperou, passou pela mesma experiência com: um homem de 30 anos que morava com a mãe, um dentista bem-sucedido que parecia um ótimo pai, mas se revelou péssima pessoa, um jornalista com mau hálito que estava sempre ocupado demais para ela, um músico que morava num estúdio que parecia um cativeiro e nunca queria usar camisinha.

Ela descobriu, então, o conceito de ghosting, e, depois de ser muito zoada pelas amigas por sofrer diante de uma amostra tão insalubre de masculinidade, percebeu que o problema não era bem com ela. A misandria foi um caminho sem volta, e, já que o amor estava difícil, decidiu que só iria se divertir. Agora, quem fazia o ghosting era ela. Se o cara se demonstrava muito grudento ou muito chato, ela sumia, parava de responder, bloqueava.

Um dia ela fez isso com um recém-divorciado que a tratava muito bem: dava presentes, fazia excelente oral, apresentava-a para seus amigos como namorada, mesmo que ela nunca tivesse sido pedida em namoro. Mas a real é que ele era muito demandante e não queria sair da sua casa. Ela descobriu que é muito desagradável ter um homem em casa. Além disso, o surfista calvo havia reaparecido após um implante capilar. Ela trocou um pelo outro.

Contudo, o divorciado fez tanto escândalo e drama, enquanto o surfista (nem era surfista) se demonstrava desesperado por uma nova figura materna, que ela simplesmente desinstalou os aplicativos e decidiu se viciar em jogos infantis de celular. Vício em jogo era ruim, mas vício em homem era mais perigoso.