Triste e sem tesão? Como evitar que a depressão engula sua libido
O transtorno e os remédios para trata-lo podem dificultar a excitação e o orgasmo
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Lembro de sentir melancolia e ansiedade desde os oito anos e boa parte da minha vida adulta foi assombrada pela depressão e crises de pânico. Descobri aos 31 que sou bipolar tipo 2 e encontrei tratamento adequado, estou estável e satisfeita. Ao longo da minha vida, a libido quase sempre esteve lá e os orgasmos também —tirando alguns episódios de depressão mais profunda, em que a vontade é de fazer nada e nada dá prazer.
Nessas situações graves, felizmente raras, nem um milhão de línguas divinas lambendo meu corpo me fazem ter vontade de transar ou tocar uma siririca; nem um banquete com as melhores comidas do mundo me faz querer comer mais do que o mínimo necessário, e olha que comer é de longe o que eu mais gosto de fazer no mundo.
Contudo, é inegável que, durante o uso de certos remédios, o gozo demorava muito para chegar, as siriricas levavam 45 minutos e quase me renderam uma tendinite. Meus parceiros sexuais tinham mil defeitos, mas eram dedicados na cama. Afinal, como eu era cínica, as únicas coisas que me interessavam em um homem eram sexo e alguma capacidade de manter uma conversa. O cinismo é o motivo pelo qual muitas pessoas se prendem a alguém com quem não se conectam emocionalmente.
Apesar de o transtorno e o tratamento psiquiátrico não terem engolido meu tesão (tomo antidepressivos há 15 anos, com poucas interrupções), recebo muitos relatos de pessoas que entraram em depressão clínica, a libido diminuiu; mas aí começaram a tomar medicamentos psiquiátricos e a libido sumiu. Às vezes, a vontade até existe, o sexo e a masturbação são "gostosinhos", só que o orgasmo não chega. Pessoas de qualquer gênero podem ter anorgasmia, ou uma demora muito grande para gozar sob o uso de alguns remédios. Já ouvi:
- Meu pau tá morto.
- Não sinto mais nem cosquinha na buceta.
- Demoro muito pra gozar, no começo me senti um ator pornô, mas depois ficou chato.
- Parece um trem vindo em alta velocidade que, de repente, começa a andar pra trás antes de chegar na estação e eu nunca gozo.
Algumas mulheres me contaram que os orgasmos até acontecem, mas se parecem menos com a explosão de um grandioso fogo de artifício e mais com um tímido rojão, que até faz barulho, mas não se espalha pelo corpo.
O que fazer?
O maior desafio é achar um bom profissional de saúde mental, que se preocupe com isso. Alguns psiquiatras não estão nem aí se você goza ou não, se você tem tesão ou não, eles só querem que você fique minimamente funcional e saia logo do consultório. Estou com o meu há seis anos e ele sempre me perguntou, ainda bem. Tem uma parte chata de começar um tratamento, que é: se o medicamento receitado tem esse efeito colateral, talvez seja preciso mudá-lo e se adaptar a um novo. Mas, depois que se encontra o melhor tratamento, a vida melhora muito —eu sou a prova viva de que há esperança. Se cheguei ao ponto de acordar de bom humor quase todos os dias, TUDO É POSSÍVEL.
Felizmente, para quem tem clitóris, a indústria vibradora já criou um brinquedinho que facilita muito a vida. Sim, mais uma vez, falo do sugador de clitóris! Eles podem fazer com que você goze mais rápido e mais vezes. Há também opções que misturam estímulo clitoridiano e penetração. Para as tristes e sem tesão, ou até tesudas, mas sem orgasmo, vale a pena o investimento!
Os produtos para quem tem pau não são tão potentes, mas, em vez de desistir do tratamento, a melhor opção é testar remédios com menos efeitos colaterais, e isso varia de pessoa para pessoa, não existe uma fórmula universal.
Sobre depressão e bipolaridade:
A maioria das pessoas não tem um transtorno psiquiátrico crônico como eu e não precisa tomar remédios a vida toda. Com frequência, a depressão é uma doença que pode aparecer algumas vezes na vida, mas não faz parte de um quadro permanente. Em vários casos, ela se resolve com alguns meses de tratamento, que idealmente inclui acompanhamento psicológico e, mais idealmente ainda, com condições de trabalho melhores e o fim de relacionamentos tóxicos.
É que a depressão não é apenas um fenômeno biológico que existe dentro da sua cabeça, envolve vários outros aspectos, como as relações afetivas e pressões sociais. Sem contar que às vezes é depressão e precisa de remédio, às vezes você não gosta mais do seu conje, cansou de ser explorado no trabalho (e na maternidade), caso em que as soluções são o divórcio, jornada de quatro dias e aumento de salário e creche e a divisão igualitária dos serviços domésticos. Ou seja, a revolução.
Em alguns casos de depressão, a libido pode até aumentar com o uso de medicamentos, considerando que o paciente sai do estado depressivo que o fazia esquecer qualquer possibilidade erótica.
A bipolaridade funciona de forma um pouco diferente. No transtorno bipolar tipo 1, os pacientes têm episódios de mania, no tipo 2, hipomania. Ambos são estados de euforia em que a pessoa pode ficar agressiva, se sentir invencível, gastar muito, ter pensamento e fala acelerados e... ficar muito tarada, de um jeito que pode colocar a pessoa em risco e causar dano para sua vida pessoal. É comum que antidepressivos provoquem virada maníaca em bipolares, fazendo com que a libido aumente muito em vez de diminuir. Tanto que muitos não podem tomar esse tipo de medicamento e precisam de estabilizadores de humor —no momento eu preciso de uma combinação dos dois.
Em ambos os casos, a combinação de tratamento psiquiátrico e psicológico são importantes. E esse é um dos motivos que torna o fortalecimento do SUS tão importante! Não é justo que uma camada da população passe a vida sem diagnóstico e tratamento, né?