Tony Goes

Tretas nos bastidores de séries, como em 'Vai Que Cola', são mais comuns do que se pensa

Atritos entre atores, roteiristas e produtores raramente vêm a público

Roterista André Gabeh e a atriz Cacau Protásio - Instagram/Globo

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

O pau está comendo em "Vai Que Cola". A demissão do roteirista André Gabeh fez com que seus colegas na série divulgassem uma carta aberta, denunciando o ambiente tóxico nos bastidores e apontando o dedo para o elenco, mas sem citar nomes.

Logo surgiu o boato, não confirmado, de que uma das atrizes teria dado um tapa na cara de uma assistente de direção. Alguns internautas sugeriram que se tratava de Cacau Protásio. Ela reagiu postando um vídeo no Instagram dizendo que nunca agrediu ninguém e que não teve nada a ver com a demissão de Gabeh. O roteirista, por sua vez, declarou que se sentiu decepcionado com a falta de solidariedade da atriz, inclusive por ambos serem negros.

O caso de "Vai Que Cola" é excepcional, porque a treta veio a público. O grupo Globo, o canal Multishow e a produtora Fábrica agora têm um abacaxi na mão, e eu não duvido que o seriado sofra algum tipo de intervenção.

O que muita gente não sabe é que esse tipo de conflito atinge praticamente todas as séries e reality shows. Atores reclamam dos roteiristas, que reclamam dos diretores, e os produtores correm de um lado para o outro tentando acalmar os ânimos. Na imensa maioria das vezes, esses casos são resolvidos rapidamente, e não vazam para o mundo exterior. Mas também existem situações muitíssimo cabeludas, com acusações de assédio moral e sexual.

Nos EUA, o aumento do número de roteiristas mulheres também fez com que elas pusessem a boca no trombone, revelando serem alvos frequentes de brincadeiras machistas e humilhantes dos colegas homens. Séries como "The Flash", "Arrow" e "One Tree Hill" tiveram casos que foram parar na Justiça.

Eu mesmo, quando trabalhei em salas de roteiristas, passei por alguns pepinos. Numa das séries cômicas para as quais escrevi, a estrela cismou que não gostava dos meus textos. Até aí, tudo bem: "escrever é reescrever", diz minha mestra Marta Kaufman, uma das criadoras de "Friends", e um roteirista não pode ser muito apegado ao que produz. Alterações são feitas a toda hora.

Só que, neste caso, elas eram feitas em cima da hora. A tal da estrela não tinha coragem de pedir mudanças na minha cara. Eu recebia recadinhos de terceiros, às vezes faltando minutos para a gravação começar. O estresse durou alguns meses, mas ninguém chegou às vias de fato nem eu fui demitido.

Em outra série na qual trabalhei, eu me indispus com outro roteirista. O cara escrevia muito bem, mas não tinha o menor jeito para sitcoms. Quando ele precisava escrever uma piada, às vezes tirava de um desses livrinhos, totalmente fora do contexto da trama que estávamos construindo.

Não, não vou dizer o nome de nenhum dos envolvidos, até porque foram escaramuças rápidas e todo mundo fez as pazes. Mas eu tive sorte. Brigas homéricas são frequentes nos seriados de humor, e por uma razão simples: muitos comediantes de sucesso são verdadeiros poços de insegurança.

O sujeito lota casas de shows, roda filmes de enorme bilheteria e dá muita audiência na TV, e, mesmo assim, fica se questionando o tempo todo. Porque, para um humorista, a resposta do público vem muito mais rápido do que para um ator dramático. Basta a plateia não rir de uma mísera piadinha para a autoestima se estilhaçar.

O fato é que a profissão de roteirista é árdua, instável e mal remunerada. Não basta ser criativo, virar noites ou lidar com egos gigantescos. Autores titulares de novelas da Globo costumam ser bem pagos, mas todo o resto precisa se virar em mais de um emprego para fechar as contas do mês.

A greve que no momento paralisa Hollywood é feita por atores e roteiristas, que uniram forças para obter melhores condições de trabalho e barrar o avanço da inteligência artificial em suas profissões. Mas os grandes estúdios não cedem, e várias produções já foram adiadas ou canceladas.

A treta em "Vai Que Cola", infelizmente, opõe atores e roteiristas. O fato de tanta roupa suja estar sendo lavada à luz do dia (ou ficando ainda mais suja) é ruim para os dois lados. Roteiristas são o elo mais frágil da cadeia, porque não são famosos, ganham pouco e são facilmente substituíveis. Mas os atores também precisam se conscientizar de que dependem deles. Um ambiente ruim costuma gerar programas ruins. E aí, o público nem quer saber quem tem razão.