Tony Goes

BBB 23: Por preconceito religioso e medos infundados, Cristian mereceu mesmo ser eliminado

Público se revoltou com a intolerância do gaúcho à fé de Fred Nicácio

Cristian Vanelli - Globo

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Imagine que você, rapaz branco trabalhador, está na sua cama dormindo o sono dos justos. De repente, você acorda no meio da noite e percebe que há um homem negro no seu quarto. O cara é grandalhão e está parado perto da sua cama, olhando para você. Das duas, uma, não é mesmo? Ou o sujeito está pensando no melhor jeito de te matar, ou está fazendo uma mandinga contra você.

Seu medo é justificado. Afinal, homens negros constituem a maior parcela da população carcerária do Brasil. Muitos deles também são adeptos de religiões estranhas. Deixam despachos nas encruzilhadas, rezam para figuras que parecem demônios, rogam pragas a seus adversários.

Esse arcabouço mental está soldado há séculos na cabeça de muitos brasileiros brancos. O negro é o outro, é o diferente, e tudo que difere de mim representa um perigo. O fato de o negro ser "do mal" também justifica a opressão que ele sofre. Quem tem tamanho potencial para o crime e a magia negra precisa mesmo ser vigiado.

Tudo isso deve ter passado, ainda que de forma inconsciente, na cabeça de Cristian Vanelli, eliminado na terça-feira (21) no quinto paredão do BBB 23 (Globo). Em uma de suas últimas noites na casa, o gaúcho se assustou quando acordou no meio da noite e viu Fred Nicácio parado no meio do quarto. O brother estava apenas tentando se orientar na escuridão.

Só que Cristian já estava com um pé atrás em relação ao colega. Assim como outros brothers, ele também havia manifestado desconforto com a religião de Nicácio, que é adepto do culto de Ifá, de matriz africana. As rezas do dermatologista eram vistas por alguns como invocações a espíritos malignos. Se Nicácio fosse branco e seguisse, digamos, a cientologia, isto talvez não acontecesse.

A reação assustada –e preconceituosa, diga-se com todas as letras– de Cristian selou seu destino no jogo. Apesar de ter se tornado o alvo preferencial da casa, ele ainda contava com a boa vontade do público. As enquetes online apontavam que Ricardo seria o eliminado deste paredão.

Mas a atitude questionável do empresário repercutiu nas redes sociais ao longo da semana, e a Globo fez questão de incluí-la na edição do programa noturno. O que deve ter mobilizado muita gente, porque o placar final contabilizou mais de 93 milhões de votos –quase o triplo da semana anterior, que mal ultrapassou os 34 milhões de votos.

E, assim, por causa da intolerância religiosa, Cristian foi merecidamente retirado do BBB 23. Eu até nutria uma certa simpatia pelo rapaz. Gostei quando, a cargo da cozinha da xepa, ele executou receitas criativas com os parcos ingredientes que tinha à mão, como fígado à milanesa ou sorvete de banana. Tampouco me incomodei com seu estilo de jogo: um Big Brother sem intriga e dissimulação é mais sem graça do que comida sem tempero.

Mas o que Cristian fez com Fred Nicácio foi mesmo imperdoável. Em sua defesa, ele alega que nunca quis ofender ninguém, e que respeita todas as religiões. É o mesmo discurso de quem diz que "tem amigos negros", mas não percebe que o racismo estrutural trabalha em silêncio para manter os privilégios da branquitude.

O racismo estrutural está por trás do medo que Cristian sentiu de Fred Nicácio, e foi a esse medo que Tadeu Schmidt se referiu em seu discurso de eliminação. Mas o gaúcho saiu da competição sem entender direito. Na manhã desta quarta-feira (22), durante o quadro Café com Eliminado do programa Mais Você –desta vez sem Ana Maria Braga, que novamente foi diagnosticada com Covid-19– Cristian dava sinais de que sua ficha ainda não havia caído totalmente.

Não é mesmo fácil. Pouquíssimos brasileiros brancos se assumem como racistas, embora quase todos o sejam em algum nível. O preconceito contra religiões de matriz africana, ou qualquer outra fé que difira do cristianismo, é uma das maneiras como esse racismo se manifesta.

Nos últimos anos, o racismo e a intolerância tiveram aval do governo federal para se manifestar, e há quem defenda essas manifestações como "liberdade de opinião". O lado positivo é que a banda saudável da sociedade vem reagindo a esse descalabro. A eliminação de Cristian Vanelli do BBB 23, por insignificante que seja, não deixa de ser um sinal de que os intolerantes não serão mais tolerados.