A teledramaturgia é a espinha dorsal da programação da Globo. Apesar de a emissora alcançar ótimos resultados com jornalismo e variedades, foram as novelas que deram a ela a liderança absoluta nas últimas cinco décadas.

Esse foco exagerado nos folhetins faz com que a Globo, de vez em quando, perca o bonde da história. Um exemplo flagrante são os reality shows culinários, que se tornaram grandes sucessos no mundo inteiro há cerca de uma década.

A Globo demorou a acordar para o formato. Não que ele inexistisse em sua grade, mas estava escondido na faixa matinal. No Mais Você, Ana Maria Braga comandou diversos concursos de receitas e competições entre cozinheiros, profissionais ou amadores. Nenhum alcançou maior repercussão.

Enquanto isso, a Band emplacava no horário nobre o MasterChef Brasil, até hoje seu campeão de audiência. Atrações similares logo estrearam na concorrência, como Hell’s Kitchen: Cozinha Sob Pressão, no SBT, ou Top Chef Brasil, na Record. Sem falar na TV paga, onde dezenas de programas do gênero se espalharam por canais como o GNT e o Discovery Home & Health.

Foi só em 2019 que a Globo decidiu produzir seu próprio reality gastronômico. Afinal, havia muito interesse dos anunciantes do setor alimentício. Além do mais, os custos de produção são bem inferiores aos de uma novela ou uma minissérie.

Para escapar dos royalties astronômicos cobrados por produtoras internacionais como a Endemol, a emissora desenvolveu internamente seu próprio formato, Mestre do Sabor. Com regras bastante similares aos expoentes do gênero e, ainda assim, meio confusas.

O chef francês radicado no Brasil Claude Troisgros, veterano do "Que Marravilha!" e outros programas do GNT, foi chamado para apresentar o novo reality, ao lado de seu assistente Batista. Um trio de chefs renomados –Katia Barbosa, Leo Paixão e José Avillez, este último substituído por Rafa Costa e Silva na terceira temporada– foi escalado para o júri. E jovens chefs de todo o Brasil foram convocados para a competição.

O resultado foi um programa bonito, porém pouco empolgante. Os jurados nunca alcançaram a química divertida que acontecia entre Paola Carosella, Erick Jacquin e Henrique Fogaça, o trio original do MasterChef. O alto nível técnico dos participantes também garantiu que erros catastróficos, que os humanizam aos olhos do público, jamais acontecessem.

Essa relativa frieza logo se refletiu nos números do Ibope. Se não foi um fracasso retumbante, Mestre do Sabor tampouco se tornou um grande sucesso. Pior: o reality não gerava assunto. Pouco repercutia nas redes sociais.

Uma das razões desse resultado decepcionante foi o próprio desgaste do gênero. Saudadas como uma novidade quando surgiram, as competições culinárias acabaram cansando o espectador. Uma das "culpadas" por isto foi a Band, que emendou temporadas do MasterChef com variações como MasterChef Kids ou MasterChef Profissionais. Ninguém tem estômago para tanta comida.

A quarta temporada do Mestre do Sabor chegou a ser anunciada em abril, durante o BBB. Mas, na terça-feira (12), a Globo avisou, em email para a imprensa, que ela não irá mais ao ar em novembro. Em seu lugar, entra a melodramática série americana "This Is Us", de estrutura bastante similar à de uma novela. Uma maneira mais barata de ocupar o horário, e de sucesso praticamente assegurado.

O Mestre do Sabor se vai sem deixar saudades. Talvez volte algum dia, quem sabe reformulado. Por enquanto, é apenas a confirmação de que a Globo errou a receita do reality show gastronômico, por ter entrado tarde demais na cozinha.

Cabe ressaltar que este é o segundo revés de Boninho, responsável pelo Mestre do Sabor, em menos de uma semana. Além de ver cancelado o programa que ajudou a criar, o "big boss" do BBB ainda teve que amargar a demissão de sua mulher, Ana Furtado, que não teve seu contrato renovado pela Globo. Vai ver que ele não é mais tão "big" assim.