Tony Goes

Anitta se expõe demais, e por isso cobramos tanto dela

Enquanto debatemos sua posição política, cantora polemiza com Melody

Anitta durante apresentação no estádio Centenário, em Montevidéu - Juan Mabromata-27.nov.2021/AFP

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Anitta ocupa uma posição peculiar no showbiz brasileiro. É a cantora de maior sucesso do momento? Difícil dizer, porque números como vendagem de discos não existem mais. Nomes como Ivete Sangalo, Iza e Ludmilla também estão no páreo, mas não temos uma métrica única para dizer qual delas é a mais bem-sucedida comercialmente.

No entanto, existe um lugar onde Anitta é a líder inconteste: as redes sociais. A carioca de Honório Gurgel conta, na manhã desta segunda-feira (18), com 63 milhões de seguidores no Instagram e 17,7 milhões no Twitter. Ivete, sua "rival" mais próxima, tem 34,7 milhões no Instagram e 17,1 milhões do Twitter. As cifras de Ludmilla e Iza são ainda menores: a primeira tem 27,4 milhões no Instagram e 9,8 milhões no Twitter, e a segunda, 16,2 milhões e 4,4 milhões, respectivamente.

A comunicação direta com os fãs faz parte da estratégia de marketing de qualquer artista que almeje a popularidade nos dias de hoje. Nesse ponto, Anitta não se faz de rogada. Ela se expõe muito, em todos os sentidos. Sua frequência de postagens é altíssima, refletindo o ritmo intenso de sua carreira. Ela também compartilha supostas intimidades como a já lendária tatuagem anal, que, espertamente, transformou em peça publicitária.

Sua legião de seguidores percebe que os textos são escritos por ela mesma, sem os filtros de uma equipe especializada. Suas opiniões, emitidas a torto e a direito, são sempre sinceras, mesmo que equivocadas. Para completar, ela não tem o menor problema de mudar de ideia em público.

Tudo isso fez com que Anitta passasse a ser cobrada politicamente muito mais do que outros artistas do mesmo calibre. Ivete já foi criticada por ser "isentona", por não se posicionar claramente, mas não na mesma intensidade. Roberto Carlos, que não dá entrevistas e vive recluso entre um show e outro, só vira notícia quando perde a paciência com um fã mal-educado.

Talvez porque as músicas e a persona de Anitta sejam muito mais politizadas do que as de Ivete ou Roberto. Atenção: politizadas num sentido amplo, e não a favor deste ou daquele candidato ou partido. De certa forma, Anitta reproduz no Brasil de hoje a Madonna de quase 40 anos atrás, que causou impacto semelhante nos Estados Unidos da era Reagan: uma mulher dona de seu próprio corpo e seu próprio destino, escancaradamente ambiciosa, que não se submete a nenhum homem.

Anitta não está sozinha. Colegas de geração como as já citadas Iza e Ludmilla, além de Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Duda Beat, Marina Sena, Gloria Groove, e até mesmo expoentes do "feminejo" como Maiara e Maraisa, estão ressignificando o feminino no imaginário brasileiro.

Mas, por causa de sua bem-sucedida investida numa carreira internacional, Anitta se tornou a figura de proa dessa turma. Por isso mesmo, seu endosso ao que quer que seja passou a ser extremamente valorizado.

A política brasileira sofreu um pequeno abalo sísmico quando, há cerca de uma semana, Anitta declarou no Twitter que irá votar em Lula no primeiro turno. Não me lembro de nenhum outro artista ter causado tamanho bafafá ao se posicionar politicamente.

Anitta foi clara ao se definir como não-petista, mas setores do Partido dos Trabalhadores acharam mesmo assim que ela havia se convertido à seita que vê Lula como um deus infalível. A cantora precisou dar um chega para lá nos mais afoitos, proibindo-os de usar seu nome e sua imagem.

Lula sabiamente a apoiou, e Anitta retribuiu chamando o ex-presidente de Dumbledore, o mago do bem da saga Harry Potter, em contraste com o vilão Voldemort –o nome que ela usa agora quando se refere a Bolsonaro.

Ao invés de tratar Anitta como uma das suas, o PT faria melhor em explorar o gesto da cantora pelo que ele realmente é: o apoio a uma frente ampla para derrotar Bolsonaro e seu projeto autoritário, capaz de convencer quem ainda não percebeu que a próxima eleição é, na verdade, um plebiscito sobre a democracia.

A própria cantora tem outras preocupações. Enquanto o mundo político discutia até que ponto ela realmente apoia Lula, Anitta enveredou por uma polêmica boba com Melody, uma estrelinha do funk sem maior importância.

Se isso diminui a seriedade de Anitta enquanto líder de um movimento político, também prova, mais uma vez, que ela é gente como a gente. Por trás de tanto marketing e tanta postagem, Anitta é o que os americanos chamam de "the real thing". Alguém de verdade, consistente, com conteúdo. Aposto que terá uma carreira tão longa quanto a de Madonna.