Tony Goes

Protagonistas dúbios podem estar prejudicando a audiência das novelas da Globo

Folhetins da emissora batem recordes negativos em todos os horários

Christian/Renato (Cauã Reymond) e Ravi (Juan Paiva) - Globo

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Não é de hoje que a Globo vê sua audiência cair. Ao longo dos últimos 20 anos, os números no Ibope da teledramaturgia da emissora foram reduzidos à metade do que eram. Em 2012, "Avenida Brasil", o último grande fenômeno na faixa das 21h, chegava tranquilamente aos 40 pontos. Hoje, "Um Lugar ao Sol", atual ocupante do horário, alcança por volta de 22 pontos e olhe lá.

A trama de Lícia Manzo não é a única a apresentar um desempenho insatisfatório. "Quanto Mais Vida, Melhor!", às 19h, luta diariamente para superar a marca dos 20 pontos. Na faixa das 18h, "Nos Tempos do Imperador", gira em torno dos 16, 17 pontos. São números inéditos para um canal que se acostumou a patamares muito mais altos.

Não faltam explicações para essa queda. Muitos espectadores deixaram de ver a Globo, mas não migraram para as outras emissoras abertas, cujos índices também vêm caindo. O público brasileiro migrou primeiro para os canais pagos, e agora se divide entre as inúmeras plataformas de streaming.

Também há o desgaste do gênero novela. Produto dominante da nossa televisão há mais de 60 anos, elas se tornaram repetitivas e previsíveis, com seus inevitáveis finais felizes. As novas gerações preferem as séries.

Sabendo disso, a própria Globo já deu carta branca a alguns autores para que eles desenvolvam histórias fora do padrão habitual, sem se preocupar em conquistar de imediato a audiência. É uma iniciativa mais do que bem-vinda.

Mas também pode ser bastante arriscada. Há sinais de que o público que se mantém fiel às novelas ainda prefere tramas convencionais, com personagens sem muitas contradições. Os bons têm que ser ótimos e os maus, péssimos; estes serão exemplarmente punidos, enquanto a felicidade absoluta aguarda pelos primeiros.

Acontece que nenhum dos protagonistas masculinos das três novelas em cartaz atende a esses quesitos. São figuras dúbias, às vezes com graves defeitos de caráter. Fica difícil para o espectador tradicional torcer por eles.

Em "Um Lugar ao Sol", Christian é um mentiroso contumaz. Vivido com brilhantismo por Cauã Reymond, o rapaz assume a identidade de seu irmão gêmeo depois que este morre. Também fica com a mulher do falecido, Bárbara, papel de Alinne Moraes. Mas não quer perder a namorada que deixou para trás, Lara, feita por Andréia Horta. Passando-se por Renato, o irmão que morreu, Christian se reaproxima de Lara, que fica confusa –ela agora está casada com outro.

Tanto o jogador Neném quanto o cirurgião Guilherme, de "Quanto Mais Vida, Melhor!", têm vidas pessoais complicadas. Interpretados, respectivamente, por Vladimir Brichta e Mateus Solano, ambos misturam amores do passado com novos relacionamentos, sem se decidir por ninguém.

O mais interessante de todos talvez seja o D. Pedro 2º de Selton Mello, em "Nos Tempos do Imperador". Nosso segundo monarca é retratado como um governante sábio e bondoso, mas sem muito poder real. Isso acaba se traduzindo como passividade diante de problemas terríveis, como a escravidão ou a Guerra do Paraguai. Sem poder fazer muita coisa, Pedro chora em seu gabinete, rodeado por livros e antiguidades. Uma figura muito distante da imagem viril e heroica com que seu pai, D. Pedro 1º, entrou para a história.

Para piorar, Pedro 2º ama duas mulheres ao mesmo tempo. Sua grande paixão é a condessa de Barral, vivida por Mariana Ximenes. Mas ele também nutre um carinho visível, além de um enorme respeito, pela imperatriz Teresa Cristina, papel de Letícia Sabatella. É um complexo relacionamento triangular, comum na vida real, porém raríssimo nas novelas.

Tanto "Um Lugar ao Sol" como "Nos Tempos do Imperador" são produções acima da média de suas antecessoras. Ambas ostentam diálogos burilados, situações inusitadas e ritmo ágil. Já "Quanto Mais Vida, Melhor!", é apenas correta, sem maiores novidades.

Obviamente, tantas qualidades não estão se revertendo em audiência. Por isto, não é de se espantar que a próxima grande aposta da Globo para reerguer seus números seja "Pantanal", remake de uma novela exibida pela primeira vez há mais de 30 anos. O público mais velho parece estar garantido, mas será que a emissora conseguirá reconquistar os jovens?