Por que artistas como Elba Ramalho acreditam em teorias furadas sobre o coronavírus?
Fanny Ardant, Van Morrison e outros famosos espalham desinformação sobre a pandemia
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"As religiões sempre foram uma forma de controle. Agora, para controlar as pessoas, se fala em saúde. Antes era a religião, depois os dogmas políticos e, agora, a saúde", disse Fanny Ardant em entrevista à Folha. "Viver no medo sempre foi o que permitiu ditar a lei aos seres humanos, e o medo é o maior inimigo do homem", prosseguiu a atriz francesa. “Eu sou livre. Viva a liberdade”.
Que palavras lindas, não é mesmo? Afinal, quem é que não quer ser livre e viver sem medo? Mas, por trás da linguagem sofisticada, transparece o negacionismo. Nem mesmo uma diva como Fanny Ardant, estrela de inúmeros clássicos do cinema e uma autêntica “femme du monde” –uma mulher viajada, que sempre conviveu com artistas e intelectuais– está livre de acreditar em teorias de conspiração.
Ela não é a única, é óbvio. O caso do cantor e compositor britânico Van Morrison é ainda mais grave. Figura importante na história do rock e autor de álbuns seminais como “Astral Weeks”, de 1968, Morrison compôs nada menos do que quatro canções contra o distanciamento social. Todas elas entraram para a lista das piores do ano da revista Variety. Uma delas, “Stand and Deliver”, foi gravada por Eric Clapton, outro negacionista contumaz, e “conquistou” o primeiríssimo lugar da lista. Uma outra tem um título nada sutil: “No More Lockdowns” (chega de lockdowns, em tradução livre).
Aqui no Brasil, o exemplo mais recente é Elba Ramalho. Há anos sem emplacar um grande sucesso ou mesmo frequentar o noticiário, a cantora paraibana não sai das manchetes há mais de uma semana. Primeiro, foi atacada nas redes sociais por causa de uma festa para 700 pessoas em sua casa em Trancoso (BA), encerrada pela polícia. Depois, “descancelada” quando ficou claro que a festa não era dela, só a casa, que estava alugada. Aí o ator Tuca Andrada postou uma foto de Elba circulando sem máscara por outra festa, e pintou o maior climão entre os dois.
Finalmente, nesta terça (5), viralizou na internet um trecho de uma live em que Elba conversa com o padre católico Marcos Belizário Ferreira, ocorrida no dia 28 de dezembro. As declarações da cantora surpreenderam muita gente, tamanha a ignorância.
“Para muitas pessoas, é apenas uma pandemia. Para nós, o senhor sabe e eu sei, é muito mais coisa por trás dessa pandemia e que vem ainda com o intuito de nos destruir. Nós somos o incômodo, o calo dos comunistas. Somos nós cristãos, mas nós somos também a resistência e vamos permanecer fiéis, porque Deus vai nos proteger”, diz Elba.
Elba Ramalho se reconverteu à fé católica há alguns anos. Gravou um álbum de canções religiosas e se tornou militante ativa de uma ONG pró-vida, ou seja, contra o aborto legalizado. Nada disso justifica ela achar que o vírus tenha sido criado pelos comunistas, ou que os cristãos sejam o alvo preferencial. Elba repete uma ladainha comum entre a extrema-direita: a de que o cristianismo é uma religião perseguida, e o comunismo, uma ameaça real.
Não estou concluindo que a cantora seja bolsominion, ou coisa parecida. Aliás, ela já veio a público pedir desculpas pelas declarações. Disse que suas palavras foram tiradas de contexto, que não era bem isso o que ela queria dizer, o de sempre.
Elba poderia aproveitar que voltou a ficar em evidência e gravar uma música exortando as pessoas a ficarem em casa, usarem máscara, lavarem as mãos e se protegerem mutuamente. Dessa forma, ela estaria dando uma contribuição concreta ao combate à pandemia.
Artistas não são cientistas, nem têm a obrigação de entenderem de tudo. Mas muitos se comportam como se fizessem parte de uma casta iluminada, e acabam usando mal o poder que têm de influenciar o público. Cabe à imprensa e, cada vez mais, aos internautas, apontar os erros que eles cometem, às vezes na melhor das intenções. Temos que nos cuidar uns aos outros, ainda mais quando o atual presidente se recusa a fazer isto.