Tony Goes

Com sensibilidade moderna, 'Bridgerton' é a diversão perfeita para este final de ano

Série de época é a primeira produção de Shonda Rhimes para a Netflix

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No dia de Natal, a Netflix entregou um presente para seus assinantes. Embrulhado em papel brilhante e colorido e amarrado com um laço de veludo, o presente é um panetone em forma de série. Uma receita familiar, até trivial, mas com ingredientes inusitados e um sabor marcante. Um panetone com pimenta.

O presente em questão é "Bridgerton", que logo se tornou um dos programas mais assistidos da plataforma no Brasil –e isto apesar dos romances de Julia Quinn em que a série se baseia, embora traduzidos e lançados por aqui, jamais terem entrado para as nossas listas de mais vendidos.

Mas, nos países de língua inglesa, Julia Quinn é um fenômeno comercial. Quase todos os livros desta escritora americana se passam na Inglaterra do século 19, mas sua qualidade literária está mais próxima das coleções "Julia" e "Sabrina", que eram vendidas em bancas de jornais, do que de Jane Austen, autora de clássicos como "Orgulho e Preconceito".

Ou seja, são histórias descartáveis para moçoilas sonhadoras, repletas de clichês e finais felizes. Mas com algo que Austen jamais se permitiria: tórridas cenas de sexo, além de uma sensibilidade feminista típica do século 21.

Nas mãos de Shonda Rhimes, o universo de Julia Quinn ganhou um elemento a mais: um elenco multiétnico, com atores pretos e pardos interpretando nobres ingleses. A criadora de sucessos como "Grey’s Anatomy" e "Scandal" é conhecida por povoar as séries de sua produtora Shondaland com gente das origens mais diversas, e não faria por menos em seu primeiro produto para a Netflix, com quem agora tem um contrato de exclusividade.

Desenvolvida por Chris Van Dusen, um roteirista veterano da equipe de Shonda Rhimes, "Bridgerton" é uma espécie de "Gossip Girl" com espartilho. Uma rede de intrigas e namoricos ambientada na Londres de 1813, durante o período conhecido como Regência. A regente, no caso, era a rainha Charlotte, que comandava o Império Britânico no lugar do marido, o rei George 3º, acometido de uma severa doença mental.

Alguns historiadores defendem que Charlotte teria ascendência africana. Este é o mote para que o roteiro explique, de maneira bastante superficial, porque há tantos aristocratas não-brancos em "Bridgerton": a paixão do rei pela rainha fez com que títulos de nobreza fossem distribuídos entre pessoas de todas as etnias, e o racismo desapareceu por completo no espaço de uma geração.

Uma explicação desnecessária. Bastava a produção se assumir como "color-blind", uma prática comum no teatro britânico: o melhor ator é escalado para cada papel, independentemente da cor de sua pele. O espectador desacostumado pode até estranhar num primeiro momento, mas esses atores costumam mesmo ser tão bons que o fascínio logo se impõe.

As muitas tramas de "Bridgerton" não têm nada de inovadoras. Duas famílias da baixa nobreza precisam arranjar casamentos vantajosos para suas extensas proles, os Bridgertons e os Featheringtons. E têm relativamente pouco tempo para isso: a chamada "temporada" de bailes, que dura apenas alguns meses.

A primeira safra da série é baseada no livro "O Duque e Eu", e tem como protagonista a filha mais velha dos Bridgertons, Daphne (Phoebe Dynevor). Assediada por um número assustador de pretendentes, ela firma um pacto com Simon Basset, duque de Hastings (Regé-Jean Paige), igualmente importunado. Os dois fingirão um namoro, para serem deixados em paz. Adivinha se não irão se apaixonar.

Uma miríade de outros plots se desenrola ao redor do casal principal. O irmão mais velho de Daphne, Anthony (Jonathan Bailey), tem uma ligação secreta com uma cantora de ópera, inadequada para ser sua esposa. Eloise, uma irmã mais nova (Claudia Jessie), fuma escondido e sonha em ser dona do próprio nariz. Marina (Ruby Barker), uma hóspede dos quase arruinados Featherington, está grávida.

Tudo isso é comentado no panfleto semanal escrito pela misteriosa Lady Whistledown, um hit absoluto entre os integrantes da corte. A voz em off da fofoqueira, que serve como narradora, é feita por ninguém menos do que Julie Andrews, mas sua verdadeira identidade é bem outra.

Esse recurso frequente das séries contemporâneas se junta a outro, ainda mais anacrônico: picantes sequências eróticas, com muito mais nudez masculina do que feminina. Além disso, alguns diálogos soam ousados até para os dias de hoje. Em um dado momento, Simon recomenda que Daphne "toque em si mesma", para conhecer melhor o próprio corpo.

Nada disso chega a ser um problema, porque "Bridgerton" entrega o que promete. Com locações deslumbrantes, figurinos que enchem de brilhos e texturas a austera moda da época, canções do pop atual executadas por quartetos de cordas e pegada folhetinesca, esse panetone foi feito para ser devorado sem culpa. Resista se for capaz.