Tony Goes
Descrição de chapéu Maradona (1960-2020)

Sem filtro e com senso de humor, Maradona era um tipo de celebridade que faz falta hoje em dia

Craque argentino sempre se expôs sem medo, e sabia rir de si mesmo

Diego Maradona (1960 - 2020) - Jean-Paul Pelissier-10.fev.2009/REUTERS

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Em um estádio lotado, começa a tocar o hino nacional brasileiro. No meio do campo, nossa seleção está perfilada. A câmera destaca os rostos de ídolos de uma década e meia atrás, todos cantando com a mão no peito: Ronaldo, Kaká, Maradona... Maradona??

Corta para o quarto do argentino, que desperta de um pesadelo. Ele olha em volta e logo encontra o culpado: latas vazias de Guaraná Antarctica. Uma overdose do refrigerante levou Diego Armando a sonhar que era brasileiro.

Este comercial foi veiculado durante a Copa de 2006 e criado pela Duda Propaganda –a agência do publicitário Duda Mendonça, que mais tarde enlamearia sua reputação com rinhas de galo e caixa dois. Nada disso diminui o brilho daquele filme, que entrou para a história da propaganda brasileira.

Claro que Maradona foi regiamente bem pago, aliás, dá aflição só de pensar no orçamento desse comercial, que ainda se dá ao luxo de ter Kaká e Ronaldo como coadjuvantes. E claro que o roteiro, muitíssimo bem escrito, faz rir sem ofender ninguém. Brasileiros e argentinos adoraram.

Mas vale destacar a disposição de Maradona em protagonizar tal peça, que fazia uma menção velada à sua tendência aos excessos. Quem mais tomaria tanto guaraná logo antes de ir para a cama?

Assim era o maior jogador argentino de todos os tempos: um sujeito capaz de rir de si mesmo e sem o menor pudor de expor suas fraquezas. Esses traços dão ainda mais grandiosidade a uma vida farta em conquistas e derrotas.

A época também ajudou. Maradona alcançou o estrelato mundial na década de 1980, quando termos como “media training” ainda não haviam sido inventados. Ele se mostrava ao público e à imprensa como de fato era, sem o filtro de um batalhão de assessores: um garoto vindo dos bairros pobres de Buenos Aires, deslumbrado com o mundo que se abria à sua volta e ciente d e sua genialidade.

Essa ausência de filtro também o prejudicou, é claro. Maradona se deixou fotografar enorme de gordo, não escondeu as inúmeras cirurgias por que passou nem jamais moderou sua admiração por líderes controversos como Fidel Castro e Hugo Chávez. Isto lhe custou alguns fãs e, provavelmente, milhões de dólares em contratos publicitários. Sua vida de jogador aposentado foi uma sucessão de tombos e recomeços, que quase o transformaram numa figura folclórica.

Mas, na morte, Diego Armando Maradona forma com Evita Perón e Carlos Gardel a santíssima trindade dos mitos argentinos. Todos se foram jovens e de forma trágica: a ex-primeira-dama, aos 33 anos, de câncer no ovário; o cantor de tango, aos 45, em um desastre de avião; o ex-jogador, aos 60, de causas ainda não esclarecidas –mas é óbvio que a cocaína e o álcool c obraram um preço.

Pode até ser que surja outro talento para a bola igual ou maior do que Maradona, mas dificilmente alguém alcançará o mesmo status como celebridade pop. Os craques de hoje costumam ser garotos mimados, que dão chiliques dentro de campo e se comportam feito playboyzinhos fora dele. Maradona também tinha esse lado playboy, é óbvio, mas compensava com jogadas espetaculares e uma sinceridade brutal.

Ainda conseguiu um feito raro: a admiração dos brasileiros, que nunca haviam homenageado tanto um craque de nosso maior rival nos estádios. Vai em paz, Dieguito.