Tony Goes

Louro José era irresistível, mas também um sinal da infantilização da TV brasileira

Tom Veiga, o intérprete do personagem, levava uma vida discretíssima

Louro José

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Ao anoitecer deste domingo (1º), o Brasil foi surpreendido por uma notícia digna desse inacreditável 2020: morreu o Louro José. Quer dizer, morreu Tom Veiga. O ator deu vida ao personagem ao longo de 23 anos, desde que Ana Maria Braga ainda apresentava o programa “Note e Anote” na Record.

Criado em 1997, a missão do personagem era simples: atrair a simpatia da criançada, numa época em que as manhãs da TV aberta ainda eram tomadas por desenhos animados.

Ana Maria Braga se transferiu para a Globo em 2000, e o Louro José foi com ela. Naquela época, fantoches ao lado de adultos não eram raros nos outros canais. O Programa do Ratinho, no SBT, já contava com Xaropinho, no ar até hoje. Palmirinha Onofre, então na Gazeta, dividia as câmeras do TV Culinária com Guinho, com quem "rompeu" litigiosamente em 2014.

Mas a Globo não tinha um boneco fazendo as vezes de apresentador desde Topo Gigio, o ratinho italiano que estrelou um programa de enorme sucesso no horário nobre no começo da década de 1970, ao lado de Agildo Ribeiro, ou a cachorra Priscila, do matinal TV Colosso, nos anos 1990 (a Zebrinha do Fantástico não conta, pois só tinha duas dimensões).

Os dois personagens eram voltados ao público infantil. Já aquele papagaio de espuma, ao lado de uma mulher de meia-idade no comando de uma atração para donas-de-casa, era um corpo estranho na tela
da emissora.

Só que o público adorou, e o Louro José logo se consagrou como um perfeito "sidekick" (expressão do showbiz americano que significa algo como companheiro de cena, mas em posição inferior à do protagonista). Sem papas na língua, ele estava autorizado a falar qualquer barbaridade que lhe passasse pela imensa cabeça, enquanto Ana Maria mantinha a compostura com os convidados e os patrocinadores. Era a criança livre do Mais Você. O bobo da corte –aquele que sempre fala a verdade, ainda que disfarçada de piada.

A presença do Louro José no “Mais Você” trazia leveza ao programa. Suas tiradas aliviavam as muitas barras pessoais que a apresentadora enfrentou nessas duas décadas, como casamentos desfeitos e problemas de saúde. Mas também era um sinal de que o espectador da TV aberta de hoje é bem menos sofisticado que o de 30 ou 40 anos atrás.

É difícil imaginar um fantoche no TV Mulher, o inovador programa feminino (e feminista) que a Globo pôs no ar em 1980, disputando atenções com Marília Gabriela ou Marta Suplicy. Se bem que o TV Mulher também tinha sua própria criança livre, de língua ainda mais ferina –o estilista Clodovil, que apresentava um quadro sobre moda.

Também é incrível pensar que, desde que o Louro José surgiu, seu intérprete tenha aparecido tão pouco na mídia. Tom Veiga não chegava a ser um novo Lombardi, o locutor que, durante muito tempo, Silvio Santos proibia de mostrar o rosto na TV e nas revistas. Mas o próprio ator manteve uma vida discretíssima. Não dava entrevistas a outros programas. Reportagens que tentavam traçar seu perfil precisavam extrair imagens e informações de suas redes sociais.

Essa discrição evanesceu nos últimos tempos. Tom Veiga andava frequentando as manchetes dos sites especializados em celebridades por causa de seu tumultuado divórcio da empresária Cybelle Hermínio, com quem esteve casado por apenas nove meses.

Sua morte súbita, aos 47 anos, deixa muitas perguntas no ar. Louro José continuará ao lado de Ana Maria Braga, com a voz de um outro ator? Ou sairá definitivamente de cena, indicando que o próprio “Mais Você” está próximo do fim?

Por causa da pandemia, o programa foi reduzido a um quadro do “Encontro com Fátima Bernardes” durante vários meses. Recuperou sua independência no começo de outubro, quando Ana Maria Braga e o Louro José finalmente se reencontraram. Ninguém imaginou que essa nova fase duraria tão pouco.