Com três realities de comida ao mesmo tempo, TV brasileira corre risco de sofrer indigestão
Mestre do Sabor, MasterChef e Top Chef buscam inovar gênero que já dá sinais de cansaço
Durante duas semanas, a TV aberta brasileira terá três competições culinárias, em emissoras diferentes. Na terça (14), estreou a sétima temporada de MasterChef Brasil (Band). Na quarta (15), foi a vez da segunda safra de Top Chef Brasil (RecordTV) entrar no ar. E na quinta (16), a Globo exibe o penúltimo episódio da segunda temporada de Mestre do Sabor, que termina no dia 23.
Este último foi, por mais de dois meses, a única produção inédita de entretenimento da emissora no horário nobre. Também foi, por coincidência, um programa bastante adequado para este período de confinamento. Num momento em que muita gente inexperiente na cozinha teve que encarar um fogão, foi estimulante ver tantos talentos gastronômicos executando receitas complicadíssimas.
Também foi relaxante. Com alguns ajustes em seu formato, o Mestre do Sabor se transformou num autêntico desfile de "food porn" –a pornografia culinária, que nos faz babar por delícias que dificilmente provaremos.
Além do mais, o programa conseguiu ser uma disputa quase sem tensão. O apresentador Claude Troisgros e seu assistente Batista, os jurados José Avillez (depois substituído por Rafa Costa e Silva), Kátia Barbosa e Leo Paixão e os 16 concorrentes são todos chefs profissionais, e muitos deles são amigos entre si.
O resultado é que as provas tinham altíssimo nível, e o vencedor sempre ganhava por muito pouco. Os eliminados tampouco ofereceram algum drama: quem saía agradecia efusivamente, e deixava a atração sorrindo. Era o que talvez precisássemos nesta fase difícil: conforto, carinho e cortesia, além de pratos visualmente espetaculares.
Mas, ao longo da temporada, uma certa modorra se instalou no Mestre do Sabor. Faltou alguém protagonizando um desastre épico. Faltou uma bronca homérica. Queremos choro e ranger de dentes! Quem sabe o MasterChef traz tudo isto de volta?
Mais ou menos. O primeiro episódio da nova temporada mostrou que Erick Jacquin continua sem papas na língua e que Henrique Fogaça ainda adora dar sustos nos pobres candidatos, enquanto Paola Carosella segue bancando a fada sensata. A química entre o trio permanece imbatível: nenhum outro reality de comida conseguiu juntar três jurados tão carismáticos.
Só que eles também estão pegando mais leve, talvez por causa desses tempos bicudos. E o novo formato embute uma armadilha: oito novos cozinheiros amadores concorrerão a cada semana, sem dar ao público a chance de se apegar a ninguém. A torcida por este ou aquele candidato sempre foi um dos segredos do sucesso do MasterChef. Remover este ingrediente da fórmula é uma aposta arriscadíssima.
Quanto ao Top Chef, o episódio de estreia da segunda temporada foi correto. Sem nenhum erro do ponto de vista formal, mas também sem maior brilho. O chef Felipe Bronze, à vontade em frente às câmeras depois de apresentar programas no canal GNT, é um condutor firme e simpático. Mas os jurados Ailin Aleixo e Emmanuel Bassoleil ainda deixam a desejar. Ela, especialmente, se esforça para fazer o papel de má, e acaba soando antipática.
Os realities culinários não precisam ser estouros de audiência para se tornarem rentáveis: costumam atrair dezenas de anunciantes, para a alegria das emissoras. Mas não é de hoje que esse estilo de programa vem mostrando desgastes. Talvez esteja na hora de uma proposta mais radical, que surpreenda o espectador e quebre os paradigmas do gênero. O cardápio oferecido atualmente é saboroso, mas está ficando enjoativo. Daqui para a indigestão, falta bem pouco.