Marcão do Povo merecia ser demitido pelo SBT
Apresentador foi suspenso, 24 horas depois de sugerir campos de concentração
Os comentaristas destrambelhados são uma característica das democracias contemporâneas. Aproveitando a liberdade de expressão que vigora nesses países, eles emitem declarações ultrajantes disfarçadas de opiniões. Na maioria das vezes, tudo fica por isto mesmo.
O fenômeno surgiu no rádio americano e logo migrou para a televisão. Nomes como Rush Limbaugh, Howard Stern e Glenn Beck se tornaram estrelas, atraindo bons índices de audiência e um ou outro protesto.
No Brasil, esse estilo floresceu nos programas policialescos, um gênero tradicional da nossa TV. A estridência desses apresentadores costuma aumentar fora do eixo Rio-São Paulo. De vez em quando, um sucesso regional chama a atenção da matriz, e é convidado a se mudar para lá – foi o que aconteceu com Sikêra Jr., que despontou em Manaus e hoje está na RedeTV! de São Paulo.
Também é o caso de Marcos Paulo Ribeiro de Morais, o Marcão do Povo. Em janeiro de 2017, quando trabalhava na Record de Brasília, Marcão criticou a cantora Ludmilla, que não gosta de posar para selfies com os fãs, chamando-a de “pobre macaca”.
A princípio, a emissora não reagiu. Mas o caso repercutiu com força nas redes sociais e, dez dias depois, Marcão foi demitido. Algo semelhante ao que aconteceu com alguns comentaristas americanos que também se excederam. Ou mesmo com William Waack, desligado da Globo depois do vazamento de um vídeo em que soltava uma piada racista.
Só que, ao contrário de seus colegas caídos em desgraça, Marcão nem sequer amargou um tempo na geladeira. Foi imediatamente contratado pelo SBT e escalado para apresentar o “Primeiro Impacto”, o telejornal matutino da emissora, transmitido para todo o Brasil. Ou seja: foi premiado.
Ao longo desses três anos na tela do SBT, Marcão soltou inúmeros impropérios no ar e se envolveu em algumas rusgas com Dudu Camargo, com quem divide o comando do programa. Dudu também é inacreditável: não passa de um rapaz desinibido em frente às câmeras, sem o menor estofo para conduzir um noticiário.
Mas o assunto aqui é Marcão do Povo, que, finalmente, foi longe demais. Na última terça-feira (7), o apresentador sugeriu que o governo federal internasse os infectados pelo novo coronavírus em campos de concentração. Dirigindo-se diretamente ao presidente Jair Bolsonaro –um cacoete recorrente entre esses apresentadores demagogos–, Marcão ressaltou que só assim o comércio poderia reabrir suas portas, enquanto os doentes seriam “bem tratados”.
Não é a primeira vez que alguém fala em campos de concentração como solução para uma pandemia. A ideia circulou com força quando a AIDS irrompeu no final da década de 1980. Na época, houve quem defendesse que todos os homossexuais fossem trancafiados nesses campos, independentemente de terem sido contaminados pelo HIV.
O que essa turma não compreende, questões morais à parte, é que é simplesmente inviável confinar tanta gente nesses espaços estanques. Também é impossível saber quem está ou não com o vírus: muitos infectados permanecem assintomáticos, e faltam testes até nos países mais avançados.
Mas claro que a questão moral se impõe. Cabeças como as de Marcão do Povo fazem acrobacias para se justificar, mas o que querem mesmo é sanitizar a sociedade. Afastar os velhos, os doentes, os improdutivos. Talvez, eliminá-los.
Sabe quem queria fazer isto também? Adolf Hitler. O líder nazista mandou perseguir e matar milhões de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e a quem quer que enxergasse como pernicioso para o 3º Reich.
Por isto mesmo, é de se espantar que Silvio Santos tenha demorado tanto tempo a reagir. Um dos mais ricos e poderosos empresários judeus do país, o dono do SBT parece não se importar com o Holocausto. Foi preciso que a internet armassem um escarcéu para Marcão finalmente ser suspenso por um mês, mais de 24 horas depois de proferir barbaridades.
Merecia ser demitido por justa causa. Mas o SBT é notório por sua tolerância ao preconceito. O próprio Silvio vem protagonizando inúmeros episódios de machismo, homofobia, racismo e gordofobia em seu programa.
De qualquer forma, o afastamento de Marcão do Povo, ainda que temporário, é uma boa notícia. É um sinal de que o Brasil ainda não despencou ladeira abaixo, rumo à total incivilidade. Mas também é um alerta: os reacionários estão no meio de nós, e ainda se sentem empoderados o suficiente para revelar suas ideias tacanhas.