Casamento gay em 'Minha Mãe É Uma Peça 3' não tem beijo, e isto é uma vergonha
Paulo Gustavo não quis chocar parte do público, e acabou irritando outra parte
É maravilhoso que comediantes populares como Paulo Gustavo e Carlinhos Maia sejam assumidamente homossexuais. Com coragem e tranquilidade, eles demonstram que sim, é possível ser gay e ainda desfrutar de uma vida plena, com sucesso profissional e uma vida amorosa gratificante, ao contrário do que vociferam os homofóbicos. Imagine o impacto que esta mensagem tem nos milhões de jovens pelo Brasil afora que estão assustados com as próprias preferências sexuais.
Mesmo assim, os dois derraparam em suas cerimônias de casamento. Deram festas suntuosas, fartamente cobertas pela mídia, e na hora H – na hora do beijo – falharam. Não se beijaram em frente às câmeras.
É só um detalhe? É. Podemos até dizer que um beijo gay a mais ou a menos não faz diferença, quando ele aparece até em “Malhação”. Mas também dá para problematizar: ao sonegar o beijo, tanto Carlinhos Maia quanto Paulo Gustavo estão amortecendo suas sexualidades. Como se seus casamentos fossem de mentirinha, o que já é um argumento usado à larga pelos reacionários.
Carlinhos Maia, o “rei do Stories”, vem se mostrando um desastrado em suas declarações sobre quase tudo, e não merece que percamos tempo com ele. Mas Paulo Gustavo é outra história. É o atual campeão das bilheterias nacionais, arrastando milhões de pessoas para seus filmes. O que ele fala e diz importa.
Nesta quinta-feira (12), uma entrevista de Rodrigo Pandolfo ao UOL detonou um pequeno desastre de marketing. O ator faz Juliano, o filho gay de Dona Hermínia – a icônica personagem de Paulo Gustavo, inspirada em sua própria mãe. No filme “Minha Mãe É Uma Peça 3”, que estreia em dezembro, Juliano irá se casar com seu namorado Thiago (Lucas Cordeiro). E Dona Hermínia, que lidava mal com a sexualidade do filho, finalmente irá aceitá-lo.
Final feliz? Mais ou menos. Pandolfo deixou escapar que não há beijo entre Juliano e Thiago, por decisão de Paulo Gustavo. Quando questionou o criador da franquia por esta escolha, diz que ouviu como resposta: “A gente não precisa esfregar nenhuma opinião pessoal na cara do público. A gente já está mostrando um casamento gay. Mais do que isso não precisa”.
Opinião pessoal é gostar de alface e detestar berinjela. É algo que só afeta a pessoa que é dona da opinião e mais ninguém. Não mostrar um beijo entre dois homens, por outro lado, tem consequências nefastas. Reforça quem acha que “tudo bem ser gay, mas saiba qual é seu lugar”, uma posição homofóbica que só é light na aparência. E fala para os tais milhões de jovens assustados que é bom ficar com um pé dentro do armário.
O não-beijo em “Minha Mãe É Uma Peça 3” logo se tornou um assunto quente nas redes sociais, com a maioria dos internautas criticando Paulo Gustavo. Muitos lembraram que o ator é casado no papel com outro homem, e juntos eles têm dois filhos. Todas essas conquistas se devem à luta de quem veio antes deles e não teve medo de dar a cara para bater.
Incomodado com o bafafá, Paulo Gustavo se manifestou em seu perfil no Instagram. Ao lado de um vídeo de sua mãe fazendo um apaixonado discurso sobre aceitação para a plateia de um de seus shows, o ator postou um longo texto explicando sua decisão. Diz que todo o roteiro de “Minha Mãe É Uma Peça 3” foi escrito a partir do casamento de Juliano e que a tal da cena em que o beijo não ocorre não é propriamente uma troca de alianças, mas um momento de ternura interrompido por mais uma fala exaltada de Dona Hermínia.
É injusto julgar o filme sem tê-lo visto, claro. E Paulo Gustavo merece todos os aplausos por tocar neste assunto, ainda polêmico, em uma obra que certamente será um enorme sucesso de público.
Só que, pelo que disse Rodrigo Pandolfo, a decisão de excluir o beijo gay de “Minha Mãe É Uma Peça 3” também veio da intenção de não chocar uma parte da audiência. Em português mais claro, de não comprometer o potencial econômico do filme.
Mas, vem cá, Paulo Gustavo: será que seus fãs são mesmo tão conservadores assim? Afinal, eles pagam para ver um gay assumido se vestir de mulher. Quantos espectadores você irá perder se Luciano e Thiago trocarem uma bitoquinha?
A Globo deu azar em cortar um beijo entre mulheres na novela “Órfãos da Terra” no mesmíssimo dia em que o prefeito Marcelo Crivella ameaçou recolher da Bienal do Livro do Rio de Janeiro uma HQ da Marvel em que dois rapazes se beijam. Esse mesmo azar se multiplicou para Paulo Gustavo, depois que os visitantes da Bienal pegaram em livros para reagir à tentativa de censura.
Ele não se diz militante, coisa que nenhum artista tem a obrigação de ser. Mas se assume, corretamente, como um ser político –o que todos nós somos, queiramos ou não. Politicamente, cometeu mais uma derrapada em “Minha Mãe É Uma Peça 3”.
Então fica aqui uma sugestão, e começa uma campanha: que os créditos finais do filme tragam um beijo gay. Ou vários.