Tony Goes

Estreia de Jezabel traz um pouco de novidade para as tramas bíblicas da Record

Influência de 'Game of Thrones' poderia ir além do visual

Lidi Lisboa em 'Jezabel', da Record - Divulgação
São Paulo

Depois de uma bem-sucedida incursão ao Novo Testamento – a recém-terminada “Jesus”, que elevou a audiência do horário e está indo bem no mercado hispânico dos EUA – a Record voltou ao filão original de suas produções bíblicas. A macrossérie “Jezabel”, que estreou na emissora nesta terça (23), é baseada na história do profeta Elias, narrada no Livro de Reis do Antigo Testamento.

Há algumas novidades. A primeira que salta aos olhos é o fato de, pela primeira vez, a personagem-título ser uma vilã: uma das maiores de toda a Bíblia e que se tornou sinônimo de devassidão. Jezabel foi uma princesa fenícia que, ao se casar com o príncipe Acabe e se tornar rainha de Israel, tentou eliminar o monoteísmo e restaurar o culto a ídolos pagãos. Elias foi seu maior adversário.

A outra inovação é quase imperceptível, e digo isso como um elogio. “Jezabel” é o primeiro trabalho na dramaturgia da produtora Formata, especialista em reality shows e programas de variedades. Não há nenhuma mudança visível em relação às produções da Casablanca, a parceira habitual da Record.

Lidi Lisboa (que também está no ar pela Globo, na minissérie “Se Eu Fechar os Olhos Agora”) é a primeira protagonista negra de um folhetim bíblico da Record. A emissora merece aplausos, e eu só vou problematizar um pouquinho: quer dizer então que a malvada é negra e os bonzinhos são brancos? Bom, nem todos: algumas das comparsas da cruel rainha são brancas.

De qualquer modo, já no primeiro capítulo Lidi Lisboa mostrou que tem talento para encarnar uma monarca crível, movida pela ambição e pelo poder, e não só uma mera vilã de desenho animado. A direção de Alexandre Avancini ajudaria muito se não exigisse que a atriz arqueasse tanto as sobrancelhas, nem fizesse tantas viradas dramáticas só para esvoaçar os véus que a cobrem.

Na visão da autora Cristianne Fridman, Jezabel é má por causa de um trauma de infância: ela viu o próprio pai matar sua mãe. É um bom ponto de partida, mas tomara que a personagem não se resuma a isso.

Uma boa inspiração seria a rainha Cersei, de “Game of Thrones”: uma peste, sem a menor sombra de dúvida. Mas também uma mulher de carne e osso, com hesitações, fraquezas e até alguns pontos positivos.

Não é de hoje, aliás, que a série da HBO vem influenciando o visual das novelas bíblicas. Cenários e figurinos da Record têm bebido com frequência nos sete reinos de Westeros. Em “Jezabel”, por exemplo, a insígnia dos fenícios – uma lula gigante – é idêntica à da Casa Greyjoy de “Game of Thrones”.

Seria ótimo se esta influência chegasse aos textos. Os personagens de George R. R. Martin, o autor dos livros que deram origem a “GoT”, são complexos, carregados de ambiguidade. Isso os torna mais humanos e mais próximos do espectador.

Mas é sempre bom lembrar que o objetivo maior das produções bíblicas da Record não é entreter o público, nem mesmo angariar uma boa audiência para a emissora. É arrebanhar fiéis para a Igreja Universal do Reino de Deus. E, quando a meta é a catequização, a ambiguidade costuma ser deixada de lado.