Faltou bom senso e sobrou vaidade no caso Donata Meirelles
Como que ninguém percebeu que a foto com as baianas iria causar treta?
Um publicitário amigo meu diz que, hoje em dia, as agências de propaganda precisam mais do que um departamento jurídico, que alerta sobre as consequências legais dos anúncios veiculados.
Faz falta, em português claro, um departamento do vai-dar-merda. Uma equipe especializada em identificar polêmicas potenciais, principalmente na internet, que podem causar danos irreversíveis à imagem do anunciante.
Donata Meirelles não é publicitária, mas é casada com Nizan Guanaes, o empresário de publicidade mais bem-sucedido e premiado das últimas décadas. E, no entanto, nem a expertise de Nizan foi capaz de evitar que sua mulher se visse no centro de uma treta gigantesca no fim de semana que passou.
O departamento do VDM falhou ao permitir que Donata, que comemorou seu aniversário com uma grande festa em Salvador, postasse em suas redes sociais uma foto onde aparece sentada em uma cadeira de palha, ladeada por duas moças negras fantasiadas de baianas.
Fantasiadas é o termo certo: os trajes envergados por elas, com turbantes elaborados e detalhes em ouro, são versões luxuosas das roupas das vendedoras de acarajé, tão populares na Bahia. Não estavam vestidas de mucamas, como muito se falou na blogosfera.
Tampouco o tema da festa era o “Brasil colonial-escravocrata”. Ninguém pretendia reproduzir os maus velhos tempos em que os senhores brancos eram servidos por escravos negros. Além do mais, baianas estilizadas estão por toda parte em Salvador —inclusive no aeroporto, recepcionando os turistas.
Dito isto, é mesmo incrível que nem Donata nem nenhum dos presentes ao evento percebesse o equívoco que foi se sentar na tal cadeira (rebatizada de “trono” na mídia social) com uma negra de cada lado, como se elas estivessem prontas para atender ao menor desejo da sinhá.
A aniversariante se defendeu quando a controvérsia explodiu. Pediu desculpas pelo mal-entendido via Instagram, e ainda disse que a cadeira era, na verdade, um “trono de candomblé”. Não percebeu, mais uma vez, que cometeu uma gafe: nos terreiros, os tronos de candomblé são reservados para os pais e mães-de-santo, coisa que Donata não é.
Como bem disse a historiadora Lilia Schwarcz, o racismo estrutural que vigora no Brasil é especialmente perverso. A discriminação se mistura à paisagem, e às vezes passa batida por quem não é diretamente atingido por ela.
Mas os tempos mudaram e as sensibilidades estão mais aguçadas do que nunca. Há um certo exagero em algumas reações, mas isto é comum toda vez que a maré vira. Faz parte do processo.
É para isto que serve o departamento do VDM. Podia não haver intenção explícita de humilhar ninguém. Podia ser apenas mais uma festa brasileira onde os convidados são brancos e os serviçais são negros. Mas o pessoal do VDM tinha a obrigação de conter a vaidade de seus chefes e avisá-los do risco que corriam.
Não avisaram, e deu merda.