Tony Goes

José Mayer deixou Globo, mas muitas brasileiras ainda preferem manter o silêncio sobre assédio

Por que a campanha #MeToo não pegou no país?

José Mayer como Tião na trama "A Lei do Amor" - Renato Rocha Miranda/Globo/Divulgação

Em um episódio do programa Roda Viva (Cultura) exibido em novembro de 2017, Maitê Proença estava no centro da roda e eu fazia parte da bancada de entrevistadores. Perguntei à atriz se ela havia sido assediada sexualmente ao longo de sua carreira.

Maitê confirmou que sim, foi assediada várias vezes, mas que dava um passa-fora e pronto. Também contou que, no Brasil, a pressão costuma ser mais sutil, mas não quis entrar em detalhes e tampouco citar nomes. “Aconteceu, mas... a gente se vira”, concluiu ela.

Naquela época, estavam estourando nos Estados Unidos os escândalos envolvendo o produtor Harvey Weinstein e o ator Kevin Spacey. Todo dia surgiam acusações de abuso contra algum nome famoso do showbiz.

A onda se espalhou pelo mundo, na esteira da campanha #MeToo, mas não com tanta força. Na França, um grupo de escritoras e atrizes chegou a divulgar um manifesto defendendo o “direito masculino de ser inconveniente”.

Aqui no Brasil, José Mayer já estava na geladeira. O ator havia sido acusado de conduta imprópria em abril de 2017, pela figurinista Susllem Tonani, em um texto publicado no blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha. A denúncia gerou um movimento entre muitas atrizes da Globo, que posaram para fotos usando camisetas onde se lia “Mexeu com Uma, Mexeu com Todas”.

A repercussão foi tamanha que a própria emissora endossou a campanha, dando espaço às manifestantes no recém-extinto Video Show. E não deixou que José Mayer fosse escalado para nenhum trabalho na casa até o final de seu contrato  –que expirou em dezembro passado e não foi renovado.

Mayer pediu desculpas públicas por seu mau comportamento, e Su Tonani decidiu não dar prosseguimento à denúncia contra ele na Justiça. “Fui extremamente inibida por um delegado”, declarou a figurinista. Também não surgiram novas acusações contra o ator –ao contrário do que costuma acontecer com casos semelhantes nos Estados Unidos.

No Brasil, essa avalanche de denúncias só ocorreu contra dois homens célebres: o médico Roger Abdelmassih e o médium João de Deus. Curiosamente, nenhum deles pertence ao mundo do entretenimento. E nem de longe eclodiu por aqui a tsunami que devastou a indústria americana do cinema e da TV.

Claro que nos EUA existe um puritanismo exacerbado, e até olhares maliciosos são puníveis com cadeia por lá. Outro traço cultural é a tendência a levar até as menores desavenças à Justiça. Os gringos adoram um processo.

Mas é difícil crer que os homens brasileiros sejam mais comportados que os de lá. Estamos no país onde todo dia – TODO DIA – o noticiário traz pelo menos um novo caso de feminicídio. Na maioria deles, a mulher nem precisou trair o homem: bastou querer se separar para levar um tiro ou uma facada.

E, no entanto, muitas brasileiras ainda engolem caladas os abusos que sofrem. Inclusive as atrizes, que costumam ser tão articuladas na defesa das mais diversas causas.

Por que o #MeToo não pegou no Brasil? Alguma mulher saberia me explicar?